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Estado de Minas ESTADO AUT�NOMO LIVRE

Nascida de um conflito, a Irlanda do Norte revive as sombras do passado

A cria��o da Irlanda do Norte como um Estado Aut�nomo Livre, do Reino Unido, completa 100 anos nesta segunda (3/5)


03/05/2021 06:00 - atualizado 03/05/2021 06:54

Protestos de integrantes de comunidades nacionalistas pró-irlandesas aumentam a tensão nas ruas de Belfast(foto: Paul Faith/AFP)
Protestos de integrantes de comunidades nacionalistas pr�-irlandesas aumentam a tens�o nas ruas de Belfast (foto: Paul Faith/AFP)


Nesta segunda-feira (03/5), completam-se 100 anos da cria��o da Irlanda do Norte como um Estado Aut�nomo Livre, do Reino Unido.  A quest�o irlandesa, que ganhou destaque na m�dia mundial durante boa parte do S�culo XX pelos conflitos separatistas da regi�o, retorna �s p�ginas dos notici�rios internacionais devido � intensifica��o dos motins pelas ruas da capital, tendo como estopim o Brexit, a sa�da do Reino Unido da Uni�o Europeia, em 2016, e a finaliza��o desse processo, em dezembro de 2020.   

As ilhas brit�nicas, representadas pela Gr�-Bretanha e pela ilha da Irlanda, t�m um longo hist�rico de adversidades. 

At� o S�culo XII, a Ilha da Irlanda era habitada por cl�s, que disputavam entre si, o poder. Em 1169, um dos cl�s pede ajuda aos ingleses, que n�o haviam demonstrado grande interesse na ilha vizinha, mas colaboram tirando vantagem da situa��o e fincando uma bandeira (sem grandes pretens�es, ainda) na ilha, vista como primitiva pela Inglaterra.

Entretanto, durante o S�culo XV, com o nascimento do Protestantismo, a Europa se divide.  Nas ilhas brit�nicas, os irlandeses permanecem cat�licos e os ingleses se convertem � nova religi�o. Assim, surgiram duas comunidades, divididas e antag�nicas - cada uma com sua pr�pria cultura, idioma, lealdade pol�tica, cren�as religiosas e hist�ria econ�mica – que passam a compartilhar a regi�o.

Os ingleses, na �poca, temem que os irlandeses se unam aos basti�es do catolicismo e c�lebres advers�rios, franceses e espanh�is. Tal uni�o aumentaria o risco de esses pa�ses levarem seus ex�rcitos para a ilha vizinha, a menos de 100 km da costa inglesa, deixando a Gr�-Bretanha vulner�vel em caso de uma guerra.
  
Esta possibilidade era vista como grande amea�a e leva os brit�nicos a invadirem, efetivamente, a Irlanda, confiscando terras, principalmente, no nordeste da ilha. Os irlandeses tentam resistir, mas s�o esmagados por um severo e repressivo regime ingl�s.

Em meados do S�culo XIX, os irlandeses se alimentam, praticamente, de batatas, mas as batatas adoecem, acredita-se, devido a um fungo. Um milh�o de irlandeses morrem de fome (1/4 da popula��o � dizimada) e um milh�o foge do pa�s. A Inglaterra ignora esse cen�rio. Foi a grande fome, nunca esquecida pelos irlandeses. 

Esse hist�rico de tens�es aumenta com a eclos�o dos conflitos entre ingleses e irlandeses em 1916 (Revolta da P�scoa) at� 1922. Em maio de 1921, a Irlanda do Norte (Ulster) se torna um Estado Livre Aut�nomo, ligado ao Reino Unido. 

Em 1922, como consequ�ncia da guerra de independ�ncia, a Rep�blica da Irlanda (Eire) se separa do Reino Unido (RU) com a pequena fra��o protestante do nordeste da ilha permanecendo sob dom�nio ingl�s.  Se a guerra chegava ao fim no Eire, ela apenas come�ava no Ulster. Este nasceu da viol�ncia. A minoria nacionalista cat�lica luta para se separar do Reino Unido e se unir � Irlanda, contrariando os interesses dos unionistas protestantes. 

A oposi��o entre os separatistas e os unionistas (que controlam o poder) dificulta a vida dos cat�licos. At� 1969 o voto era plural, que garantia aos protestantes o direito ao voto duplo nas disputas eleitorais. As manifesta��es cat�licas por mais direitos se intensificam e enfrentam a resist�ncia da pol�cia e dos paramilitares advers�rios. 

Ligados diretamente a uma ala do maior partido cat�lico da Irlanda, o Sinn F�in (N�s Mesmos), o Ex�rcito Republicano Irland�s (criado em 1919), mundialmente conhecido como IRA (Irish Republican Army) intensifica a luta armada a partir de 1969. O ex�rcito ingl�s assume as ruas e comete atrocidades, como na “Batalha de Bogside”. 

Um dos momentos mais impactantes desses conflitos ocorreu na manh� de domingo, 30 de janeiro de 1972, quando o ex�rcito ingl�s atira contra cat�licos desarmados a numa manifesta��o pac�fica, nos arredores da capital Belfast. A a��o resultou na morte de 14 pessoas, 6 delas menores de idade. Foi o Domingo Sangrento, eternizado nas can��es do U2 (Sunday Bloody Sunday) e Paul MacCartney (Give Ireland back to the Irish). 

Nas pris�es, no final dos anos 70, os protestos de presidi�rios ganham grande destaque. Os presos queriam recuperar o status de presos pol�ticos. Assim, surgiu o Protesto dos Cobertores (Blanket Protest). Os detentos se recusavam a vestir o uniforme, mesmo espancados, permaneceram nus ou enrolados em cobertores. 

Em seguida, veio o Protesto da Imund�cie (Dirty Protest). Os reclusos n�o aceitavam qualquer forma de higiene, recusando-se a lavar-se, urinavam nas celas e forravam as paredes com os pr�prios excrementos, bem como os restos das suas refei��es di�rias, al�m de greves de fome. Margareth Tatcher (a dama de ferro que governa o RU) ignora e Bobby Sands, o l�der, e mais 9 morrem de fome, em 1981.

O Ira intensifica os atentados na Inglaterra. Tatcher foi alvo de um desses atentados em 1984.

Na sequ�ncia da viol�ncia, em 1993, em Warrington – Londres, ocorreram os atentados � bomba com um saldo de duas crian�as mortas e 56 feridos.  A trag�dia inspirou a m�sica Zombie, escrita pela vocalista do The Cranberries, Dolores O’Riordan, infelizmente, morta em 2018.  

Em resposta a esses atentados, apesar de pouco destaque na m�dia, v�rios cat�licos foram mortos no Ulster, na manuten��o da pol�tica do “olho por olho, dente por dente” aplicado na regi�o, desde os prim�rdios da guerra civil irlandesa. Os paramilitares protestantes sempre vingaram a dor provocada pelo IRA aos compatriotas. Ao longo das d�cadas de tens�es, mais de 3500 pessoas morreram: metade protestantes, mortos pelo IRA, metade cat�licos, mortos pelos paramilitares. 

Ap�s a tentativa de ataque do IRA � primeira-ministra brit�nica, Margaret Thatcher, em 12 de outubro de 1984, as negocia��es foram retomadas entre Londres e Dublin. Isso levou ao Acordo da Sexta-feira Santa, assinado em 10 de abril de 1998, sob a �gide do Presidente Clinton, dos EUA. 

Foi um acordo hist�rico 


Mas a Irlanda do Norte permanece profundamente fragmentada por pol�ticas de identidade e prejudicada por governan�a disfuncional. A devolu��o do poder na Irlanda do Norte � baseada na divis�o do poder entre sindicalistas protestantes, leais � Gr�-Bretanha e nacionalistas cat�licos. O parlamento �, portanto, eleito de acordo com o princ�pio estrito da proporcionalidade e o executivo � dividido igualmente entre sindicalistas e nacionalistas.

Esse acordo garante � Irlanda do Norte mais autonomia, mas, ainda, como parte integrante do Reino Unido. O texto do documento prev� tamb�m a aboli��o da reivindica��o de terras da Rep�blica da Irlanda sobre a Irlanda do Norte (enterrando as perspectivas de reunifica��o) e o desarmamento do IRA.

Tony Blair, ex-premi� brit�nico da �poca, reage com j�bilo a esse acordo; os protestantes, com desconfian�a. O muro de 10 metros de altura e mais de 5 km de extens�o, que separa bairros protestantes de bairros cat�licos na capital Belfast, sempre foi uma lembran�a constante de que a extin��o das rivalidades e ressentimentos m�tuos poderia estar longe do fim.

Em 2016 o “Brexit” acende a luz amarela para a regi�o. A sa�da do Reino Unido da Uni�o Europeia (UE) � vista com temor pelos irlandeses (contr�rios ao “Brexit”), pois a fronteira aberta entre a duas Irlandas, desde 1998, poderia ser fechada novamente, acirrando as tens�es entre cat�licos e protestantes. 

Nesse ano, a Primeira-Ministra brit�nica, Theresa May, alimentou as preocupa��es dos irlandeses ao declarar que "ningu�m quer o regresso das fronteiras do passado", mas que o Brexit tornava a livre circula��o entre as duas Irlandas "insustent�vel". Os “brexiters” n�o consideraram esse conjuntura.

Theresa May foi substitu�da por Boris Johnson, o arquiteto do “div�rcio” do Reino Unido da Uni�o Europeia. Pelo acordo de retirada firmado entre Boris Johnson e a UE em 2019, a Irlanda do Norte ainda se beneficiaria do mercado �nico e da uni�o aduaneira, a cujas regras deve seguir, embora n�o seja mais membro da Uni�o Europeia.

A livre fronteira criou uma rela��o de pertencimento aos irlandeses cat�licos do sul e norte. Com o fim do mercado comum entre o Reino Unido e a UE, o reestabelecimento do controle de fronteira e a possibilidade de um novo referendo favor�vel � separa��o da Esc�cia, os sentimentos separatistas foram despertados. 

Os claros sinais em rela��o a essa possibilidade se materializavam. Em 2019, a morte equivocada da jovem jornalista Lyra McKee foi reivindicada pelo Novo IRA (NIRA). O grupo, que chegou a pedir desculpas � fam�lia pelo erro, exp�e a retomada dos ressentimentos e tens�es regionais. O NIRA, formado por dissidentes do IRA Provis�rio, atua h� mais de uma d�cada, timidamente no passado, mas se fortalecendo no presente. 

A vit�ria do Partido Cat�lico Sinn F�in, em 2020, sempre favor�vel a uma Irlanda unida, nas elei��es parlamentares da Rep�blica da Irlanda (Eire), pela primeira vez em 100 anos � mais um fator que merece toda a aten��o nas quest�es regionais entre cat�licos e protestantes no Ulster. 

O novo acordo celebrado por Boris Johnson prev� que o Ulster continuar� aplicando alguns princ�pios europeus garantidos pela perman�ncia na uni�o aduaneira e no mercado �nico europeu, mesmo ap�s o per�odo de transi��o, que terminou em 31 de dezembro de 2020. 

A Irlanda do Norte pode usufruir de todas as vantagens da Uni�o Europeia (Uni�o Aduaneira e Mercado Comum) desde que os produtos a� permane�am.  As mercadorias enviadas de um membro da UE para a Irlanda do Norte passam por poucos controles alfandeg�rios, mas uma mercadoria que sai da Irlanda do Norte para chegar � Inglaterra, ou outra que sai da Inglaterra para chegar � Irlanda do Norte, passa por controles rigorosos.  Tudo deve ser verificado  

Tal situa��o n�o agrada os partidos conservadores protestantes, que alegam que isso pode fortalecer a identidade cat�lica e reacender os movimentos separatistas. Mas a cria��o de uma fronteira r�gida e controlada com o vizinho do Sul n�o elimina essa possibilidade. As incertezas desencadeiam sucessivos “espasmos sociais” nas ruas da capital Belfast.  No seu centen�rio, a Irlanda do Norte, pede calma. Os fantasmas do passado voltam a assombrar.

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