
Nesta ultima semana, ao retornar �s aulas, uma aluna do Ensino M�dio me questionou, durante uma atividade revisional, no col�gio Olimpo-BH, se a Turquia n�o entrava na Uni�o Europeia (UE) devido aos conflitos com os curdos. Preciso frisar que fiquei orgulhosa da import�ncia e profundidade da pergunta dessa aluna, que acompanho desde o oitavo ano do Ensino Fundamental.
Evidentemente, os conflitos com os curdos exercem um papel significativo nos planos de os turcos comporem o bloco. Mas essa causa isolada n�o explica as dificuldades para que tal desejo seja alcan�ado. Vamos aos fatores que explicam a resist�ncia de os membros da Uni�o Europeia (UE) em aceitarem o pa�s no bloco.
O tratado de Roma criou, em 1952, a Comunidade Econ�mica Europeia (CEE), o bloco econ�mico mais ambicioso do mundo, nos moldes de um Mercado Comum Europeu (MCE), com os seus 6 signat�rios: Fran�a, Alemanha, It�lia, Pa�ses Baixos (Holanda) B�lgica e Luxemburgo (a Europa dos Seis).
A Turquia demonstrou interesse de integrar esse bloco desde 1959, cinco anos ap�s a cria��o da CEE, que, posteriormente, iria originar a UE (1991). O Acordo de Ancara (1963) foi o primeiro passo nessa dire��o. Entretanto, somente em outubro de 2005, ap�s um longo e dif�cil processo, o Conselho da Uni�o Europeia decidiu dar in�cio �s negocia��es com a Turquia, com vista � sua ades�o ao bloco.
� bom lembrar que foi em 1999, depois de uma longa espera, que a Turquia foi, oficialmente, reconhecida como um pa�s candidato � EU. O pedido havia sido oficializado em 1987. Nenhum outro pa�s esperou tanto tempo para obter o estatuto de pa�s candidato; nenhum outro pa�s provocou um debate t�o intenso entre os l�deres europeus e entre a opini�o p�blica.
Se, a princ�pio, esse pedido foi visto com certo entusiasmo pelos membros fundadores do bloco, ao longo do tempo os �nimos arrefeceram. Os dois lados culparam-se repetidamente pela falta de esfor�o. Os turcos acusavam a Europa de falhas, com as sucessivas restri��es � quantidade de t�xteis e poucas concess�es aos produtos agr�colas.
A Europa questionava as falhas na prote��o dos direitos humanos, em geral, e, em especial, dos dissidentes pol�ticos, al�m da persistente debilidade das institui��es democr�ticas e na situa��o problem�tica da ilha de Chipre.
O fim da URSS, no in�cio dos anos de 1990, abriu um novo cen�rio. A Turquia demonstrou amplo interesse em parcerias comerciais com os novos pa�ses que surgiram da desintegra��o sovi�tica, sem o aval de Bruxelas, o que foi visto com grande desconfian�a pelos europeus. Naquele momento, o bloco havia duplicado de tamanho com a entrada, em 1973, do Reino Unido, Rep�blica da Irlanda e Dinamarca (Europa dos Nove); Gr�cia, em 1981 e Portugal e Espanha, em 1986 (Europa dos Doze).
Mas a Europa alterou o foco. Os novos pa�ses do Leste Europeu, sem a subordina��o da ex-superpot�ncia socialista, tornaram-se alvo de interesse do bloco e a quest�o turca foi relegada a um segundo plano (at� 1999, quando finalmente, o pa�s foi considerado candidato ao bloco).
Argumentos favor�veis � Turquia
Um argumento a favor � a situa��o econ�mica do pa�s. Apesar da ambiguidade que causa, a economia pode ser uma vantagem para a Turquia. Mesmo com a menor participa��o de investimentos internacionais e um grande desequil�brio na distribui��o das riquezas, a Turquia tem potencial de alavancar sua taxa de crescimento.Os defensores alegam que a Turquia apresenta condi��es econ�micas similares ou melhores que os doze novos membros, absorvidos a partir de 2004, e muito semelhantes � daqueles que entraram na d�cada de 1980. Portanto, as possibilidades econ�micas n�o seriam um entrave � ades�o. A ades�o turca geraria maior confian�a externa e atrairia os investidores, possibilitando uma Turquia europeia, mais liberal e democr�tica. Essa Turquia beneficiaria o bloco, gerando mais oportunidade para todos.
O crescimento populacional, visto com retic�ncias por muitos (falarei � frente) � considerado uma vantagem. A Turquia tem uma popula��o estimada, em 2022, em 88,6 milh�es de habitantes. Esses n�meros ampliam, expressivamente, o mercado europeu.
Para uma Europa que envelhece em ritmo muito acelerado, podem ser a for�a de trabalho, o trunfo necess�rio, para um futuro n�o t�o distante. Nos pr�ximos anos, acredita-se que todos os pa�ses membros necessitem de m�o de obra. A juventude turca, atualmente, � maior que a de 20 pa�ses membros da UE, podendo ser um ativo importante para o bloco.
Mesmo que ocorra um grande afluxo de imigrantes, � poss�vel que esse cen�rio seja positivo, por�m esse processo pode n�o ocorrer da forma como preveem. O pa�s, crescendo sua economia, como esperado, buscar� os meios para integrar a sua jovem popula��o no mercado de trabalho interno.
A quest�o geoestrat�gica e geopol�tica � um fator decisivo ineg�vel pela localiza��o geogr�fica turca.
A proximidade fronteiri�a com o Oriente M�dio (uma regi�o que � sempre uma prioridade da pol�tica externa europeia, apesar dos la�os pr�ximos da Turquia com os EUA e Israel, o que tende a afast�-la dos demais pa�ses dessa �rea), o controle dos estreitos de B�sforo e Dardanelos, que conectam o Mar Negro (R�ssia e Ucr�nia, por extens�o) ao Mediterr�neo e estar nas adjac�ncias da costa setentrional africana garantem vantagens singulares a toda a Europa, com uma Turquia como membro.
O fato de a Turquia integrar a poderosa Organiza��o do Tratado do Atl�ntico Norte (OTAN) e possuir um dos maiores e mais bem treinados ex�rcitos dessa alian�a militar, perdendo em n�meros apenas para o dos EUA, refor�a os benef�cios de uma participa��o na UE.
Argumentos desfavor�veis � Turquia
Apesar das vantagens apresentadas, h� o risco de uma recusa europeia � ades�o da Turquia. A xenofobia religiosa � um grande entrave � entrada desse pa�s.O sentimento de que a Turquia n�o � a Europa � fala recorrente entre os opositores. � um pa�s pr�ximo ao continente, mas n�o � europeu. � um pa�s mu�ulmano, que descaracterizaria a uni�o da Europa desejada pelos seus fundadores. Se entre os mu�ulmanos a Turquia � vista como o mais ocidental dos pa�ses que professam a religi�o Isl�mica, entre os europeus, o pa�s � visto como mais oriental e com muito pouca partilha desse ideal europeu.
A economia apresenta uma faca de dois gumes. As crises sucessivas que o pa�s enfrenta pela m� gest�o das finan�as p�blicas e pela fragilidade do sistema banc�rio (� bom lembrar a crise de 2001), somado � falta de seguran�a do mercado (o que afasta os investidores) e o elevado �ndice de corrup��o s�o fatores negativos e amplamente utilizados pelos opositores.
A d�vida externa turca tamb�m � uma agravante. O socorro do Fundo Monet�rio Internacional (FMI), do Banco Mundial (BIRD) e de fundos da pr�pria UE gerou um aumento expressivo da depend�ncia de capital externo. Isso n�o � visto com bons olhos por alguns, principalmente, ap�s a crise grega (2010) e os riscos de crise que envolvem outros pa�ses membros do bloco: Portugal, Rep�blica da Irlanda, Portugal e Espanha, que, junto com a Gr�cia, formam os PIIGS.
A quest�o demogr�fica � outro empecilho. Os opositores temem que ocorra um fluxo maci�o permanente de imigrantes turcos para a Europa. Foi esse temor que levou o Parlamento Europeu, em 2016, a pedir o congelamento das negocia��es para a entrada do pa�s no bloco, ap�s o agravamento da crise migrat�ria europeia.
Esta onda de emigra��o t�o temida � mais uma hip�tese. Assim, como os demais membros que aderiram � UE, a partir de 2004, muitas restri��es ser�o impostas � Turquia (no m�nimo por sete anos) at� que todos as regras de livre circula��o e fronteiras sejam liberadas 100%.
Outro fator ligado � demografia turca estaria associado � participa��o da representa��o no Parlamento Europeu. Em 2005, junto com a Alemanha, teria direito a 96 cadeiras, que seria maior que todos os demais membros. A Europa n�o v� isso como favor�vel, sob nenhuma circunst�ncia.
Os pa�ses menores demograficamente, como os Pa�ses Baixos, levantam fortes obje��es a tal possibilidade. N�o lhes agrada a ideia de que a Turquia, rec�m-chegada, se aproprie dessa posi��o de for�a e elevado peso pol�tico. Uma Europa “comandada” por turcos � inconceb�vel e gera grande avers�o junto � opini�o p�blica.
A viola��o � democracia e � constitui��o s�o fatores que dificultam os interesses turcos. Apesar de uma constitui��o laica/secularista (1924), institu�da por Mustafa Kemal Atat�rk - o “pai dos turcos”- ap�s Guerra da Independ�ncia (1919-1922), os pa�ses europeus t�m desconfian�a quanto � pr�ticas democr�tica s�lidas no pa�s, nos tempos atuais.
N�o h� seguran�a, tamb�m, quanto ao afastamento religioso dos princ�pios constitucionais, principalmente, com o governo de Erdogan, com claras a��es fundamentalistas e aumento das agress�es aos direitos humanos, como a falta de liberdade de imprensa, o aumento das torturas nos pres�dios e a possibilidade de implementar a pena de morte (o que a afastaria, quase que definitivamente, do bloco), elementos que complicam o alargamento da UE com a ades�o turca.
A quest�o das minorias, especialmente a dos curdos � outro grande obst�culo. Os curdos (a maior etnia sem p�tria do mundo, com mais de 30 milh�es de pessoas) querem criar o Curdist�o, seu pr�prio pa�s, em terras turcas, iraquianas, s�rias e iranianas. O territ�rio turco abriga a maioria dos curdos.
Durante a Guerra da Independ�ncia da Turquia (1919-1922), o governo de Atat�rk prometeu a esse povo um estatuto aut�nomo, pr�ximo ao federalismo. No entanto, quando a independ�ncia foi conquistada (1923), o governo n�o cumpriu a promessa e baniu a l�ngua e sobrenomes curdos, o pr�prio termo "curdo" foi eliminado e os pol�ticos se referiram a eles como "turcos da montanha".
Escolas e jornais curdos s�o fechados e a primeira Assembleia Nacional, onde se sentaram setenta e cinco deputados do Curdist�o foi dissolvida. Diante dessa nega��o do fato curdo e da identidade curda, esse povo provocou conflitos em v�rias ocasi�es. As revoltas foram violentamente reprimidas pelo ex�rcito turco. A instabilidade � constante na por��o sudeste da Turquia, onde est�o concentrados. A Europa n�o deseja um parceiro com essa realidade.
A recusa dos turcos em reconhecer o genoc�dio arm�nio (1917), fartamente comprovado, � tamb�m inaceit�vel para os europeus. O apoio da Turquia ao Azerbaij�o, na quest�o conflituosa de Nagorno-Karabach - a regi�o separatista arm�nia - agrava todos os cen�rios de ades�o. O fantasma do passado continua a assombrar o pa�s e o afasta das suas pretens�es no bloco.
H� tamb�m a quest�o que envolve a parte turca-cipriota da Ilha de Chipre, n�o reconhecida por nenhum pa�s do mundo, exceto pela Turquia, que a apoia militarmente a regi�o.
O fr�gil direito das mulheres e da comunidade LGBTQIA+ � outro obst�culo defendido pelos opositores. Apesar de o artigo 10 da Constitui��o turca reconhecer os direitos iguais para todos os indiv�duos, “sem distin��o de idioma, etnia, cor, sexo, opini�o, pol�tica, cren�a filos�fica, religi�o ou seita”, a situa��o aplicada a esses grupos � vista como arcaica, violenta e repressiva.
Bem, esses s�o alguns dos argumentos mais defendidos pelos aliados e opositores da Turquia na quest�o muito complexa que envolve na UE.
O atual governo de Recep Erdogan afirmou, no ano passado, que a UE sem a Turquia n�o poderia se tornar um centro de poder atraente e pleno na Europa. Pediu o fim do racismo, da islamofobia e das ideias anti-imigrantistas. Deixou claro que para a Turquia a Europa continuava como a prioridade estrat�gica do pa�s.
Resta saber se a Europa est� disposta a t�-la como prioridade estrat�gica. Somente o futuro dir�.