
Por Sueli Vasconcelos
� comum a cren�a bem humorada de que o m�s de agosto � um dos mais extensos do ano. Fict�cio, mas faz parte de gera��es. Em 2022, esse dito popular foi alterado, e outubro assumiu esse papel. Foi um longo, cansativo e incerto m�s, marcado por ansiedade, por temores e por inseguran�as que percorreram todos os instantes gra�as � larga fase eleitoral.
A elei��o ocupou notici�rios, conversas e discuss�es entre casais, familiares, amigos e at� desconhecidos. Uniu e desfez rela��es. Os resultados do primeiro turno n�o foram bastantes para definir o futuro presidente do pa�s. Depois de longos tr�s anos e dez meses, esperava-se que Bolsonaro fosse para o lugar de onde nunca deveria ter sa�do: o esquecimento.
O governo foi marcado por mentiras (fake news tornou-se uma palavra recorrente) e descaso com a sociedade mais carente, mas tudo isso foi insuficiente para minar a for�a do bolsonarismo e do presidente que o representava. No final do primeiro turno, mais de 51 milh�es de brasileiros, de alguma forma, aprovaram os cen�rios terrivelmente desfavor�veis que o Brasil n�o apresentava h� algumas d�cadas.
O Brasil dos �ltimos quatro anos foi marcado pelo retorno ao mapa da fome, pelo abandono da ci�ncia, das universidades, das pesquisas cient�ficas (os instrumentos mais valiosos para o real desenvolvimento de um pa�s e de uma sociedade), pelo aumento do feminic�dio e da viol�ncia contra crian�as, pelo uso gratuito e mortal das armas por quem se diz cidad�o do bem, pelo agravamento dr�stico das condi��es ambientais, pelas bravatas ditas por aquele que deveria, no m�nimo, ser elegante no cargo, mesmo que incompetente, o p�ria da geopol�tica internacional, abandonado e repudiado por todas as lideran�as democr�ticas mundiais. Mas, apesar de tudo isso, milh�es deram seu aval ao presidente que esteve � frente do Brasil.
Todavia, milh�es estavam insatisfeitos e oprimidos com tudo o que era vivido no pa�s. Uma luz surgiu quando o Superior Tribunal Federal (STF) considerou que a suspei��o de Moro havia inviabilizado an�lises sobre a culpabilidade do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva. Ele estava, novamente, reeleg�vel e na disputa pelo cargo de poder mais importante do pa�s: a Presid�ncia da Rep�blica. Era o �nico capaz de fazer frente � barb�rie a que assist�amos dia ap�s dia.
Lula simbolizava uma esperan�a frente ao caos. Seu hist�rico e seu carisma eram as �nicas armas pac�ficas para livrar-nos daquele que comandava o Brasil. Claro que a m�cula da pris�o iria persegui-lo e seria usada infinitas vezes para encobrir a��es il�citas da fam�lia que ocupou o Executivo, desde 2018. Todos os adultos dessa “famiglia” devem responder por seus atos em algum momento � frente.
No final, Lula venceu. Ap�s um longo e cansativo m�s de propagandas pol�ticas, de agress�es verbais e f�sicas (com armas de pol�ticos voltadas para o cidad�o que deveria representar) e de toda a forma de dispers�o de informa��es, muitas delas sustentadas sobre mentiras, Lula venceu. Evidentemente, o Partido dos Trabalhadores (PT) tem que aprender com seus erros e, obrigatoriamente, corrigi-los. A esquerda necessita reconhecer os equ�vocos do passado e reverter o envolvimento com as pr�ticas corruptas que cometeram.
Mas, neste momento, Lula sai vitorioso. Quase 60 milh�es de brasileiros optaram pelo di�logo, pelo fortalecimento dos poderes e pela perman�ncia da jovem democracia brasileira.
O novo presidente ter� grandes desafios. Talvez o maior deles seja a sociedade que ele vai encontrar. Ela n�o � mais aquela que ele deixou ao findar o segundo mandato, em 2010. A sociedade mais pr�spera e mais emp�tica foi substitu�da, em parte, por representantes grosseiros, deselegantes e desumanizados.
A nova estrutura social abarca uma parcela da popula��o mais agressiva em seus argumentos e atitudes, com preconceitos mais arraigados e sem nenhum temor em demonstr�-los, mais dependente das m�dias sociais e altamente influenciada por elas. Dizem-se mais crentes em Deus, mas s�o incapazes de “amar ao pr�ximo como a ti mesmo”.
Identificam-se, de forma ferrenha, com lideran�as religiosas, abusivas e de forte poder de persuas�o sobre os mais simples e vulner�veis. S�o muitos l�deres perversos, que propagam as interpreta��es equivocadas da B�blia Sagrada para disseminar �dio entre os homens. Assemelham-se aos falsos sacerdotes do tempo de Jesus, que leram os livros sagrados da �poca, mas cada um os interpretou � sua maneira. E, � maneira sacerdotal, crucificaram Cristo.
Os falsos sacerdotes do passado parecem ressurgir em muitos l�deres de hoje. Talvez por isso n�o condenam quando matam ou ferem seus semelhantes em nome da f�, da fam�lia e da p�tria. Usam as palavras sagradas para propagar ideologias pouco crist�s, interpretam textos b�blicos de acordo com seus interesses. Nem os l�deres progressistas se empenham em esclarecer de fato os escritos b�blicos aos seus fi�is para derrubar e desmascarar os “pseudossacerdotes” espalhados por a�.
Esse seleto grupo de “homens escolhidos”, os quais se sentem semideuses dentro de suas congrega��es, elegeram para represent�-los um l�der pol�tico com qualidades similares (al�m de vitimista s�rdido) e que n�o assumiu a responsabilidade por atrocidades por ele cometidas ou estimuladas. Tudo isso em nome de um Deus que s� serve a eles mesmos, n�o aos mais necessitados.
� fundamental que o PT e todos os demais partidos de esquerda entendam por que os eleitores com baixa escolaridade e renda, que, na primeira d�cada do s�culo XXI, votavam expressivamente � esquerda, fortaleceram os representantes da extrema direita, que cresceram vertiginosamente no pa�s e em outras na��es mundiais. Essa � a adversidade que mais exigir� dos governantes que desejam enfraquecer as estruturas nazifascistas defendidas pelos ultraconservadores e reestabelecer uma sociedade mais humanit�ria.
Lula enfrentar� o desafio de fortalecer as institui��es desmanteladas durante o governo Bolsonaro. As pastas de Meio Ambiente, Educa��o, Sa�de e Infraestrutura v�o merecer dedica��o especial. O or�amento dispon�vel para 2023 � uma inc�gnita e pouco se falou a respeito disso durante os debates. O governo vai ficar frente a frente com o or�amento secreto, e eliminar as bases do que � considerado o maior esquema de corrup��o de toda a humanidade � fundamental para recuperar a credibilidade e os investimentos no Brasil.
Expor esse esquema e barr�-lo � primordial para criar confiabilidade junto a essa sociedade t�o fragmentada e com uma parcela consider�vel que far� de tudo para n�o ver Lula bem sucedido, porque s�o patriotas de meia-tigela e desconhecem o real significado da palavra.
H� uma necessidade imediata de dialogar com as minorias que foram abandonadas nos �ltimos anos (as comunidades ind�genas, quilombolas, LGBTQIA+...) para deixar claro que existe quem as defenda. N�o se pode permitir que pessoas vivam �s margens de uma sociedade democr�tica.
Por sinal, � urgente esclarecer o que � a real democracia. Ela n�o � s� pol�tica, � tamb�m social. Sociedades democr�ticas enriquecem seu PIB e seu povo, reduzem o abismo entre os ricos e os pobres. Sem isso n�o h� uma identidade comum, que luta para o crescimento de uma na��o. Enriquecimento de uma parcela inexpressiva de uma sociedade � algo que perpetua o subdesenvolvimento e o atraso. Nesse aspecto, a educa��o � a mola propulsora. Uma educa��o que permita direitos mais igualit�rios a todos para vencerem os obst�culos que surgir�o. N�o � preciso inventar a roda, basta trat�-la com a seriedade exigida e o futuro ir� se tornar mais promissor.
Lula n�o representa a solu��o do futuro. N�o se constr�i o futuro em quatro anos. Mas ele pode estabelecer alicerces fortes para os que vir�o. S�o os princ�pios da sustentabilidade social. Os desafios s�o muitos, mas com seriedade e justi�a social o pesadelo dos �ltimos quatros anos pode se reverter em um sonho a ser constru�do. Afinal somos brasileiros, e brasileiros n�o desistem nunca!