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Estado de Minas VITALidade

Eternas saudades

Cabe aos mais novos ouvir os ensinamentos e aprender com aqueles que viveram a vida antes


20/09/2021 06:00

(foto: A aus�ncia � inc�moda, n�o apenas da figura paterna, mas, tamb�m, do homem que o ensinou desde coisas simples at� as mais complexas)

Por:  Juraciara Vieira Cardoso

Hoje nossa coluna ser� um pouco diferente pois quero compartilhar uma experi�ncia que vivi com um amigo nestes �ltimos tempos que me fez refletir muito sobre nossas rela��es com nossos pais e com outras pessoas idosas. Este amigo perdeu o pai e em nossas conversas pude perceber o tamanho da sua dor pela aus�ncia daquele que foi para ele um verdadeiro exemplo de homem. Esse amigo � uma pessoa esclarecida e com uma vasta bagagem human�stica e te�rica, todavia, isto n�o foi suficiente para apaziguar sua imensa solid�o pela aus�ncia do pai.

Diversos de outras perdas que j� presenciei e vivi, essa tinha algo raro de se ver: um amor realmente incondicional, no qual n�o havia dores ou dissabores a serem vencidos. Certamente aquele pai j� deve ter dado boas broncas no filho e talvez at� tenha sido r�spido em alguma ocasi�o, entretanto, o amor que ele sempre devotou ao filho e vice-versa n�o deixou nem fragmento de qualquer dor ou m�goa no momento da despedida. Decantada pelo tempo, a rela��o era de puro amor e admira��o rec�proca. 

Apesar de j� casado e com dois filhos, esse amigo nunca deixou de lado sua rela��o com o pai. Eles iam aos jogos de futebol juntos, assistiam televis�o, jogavam jogos – reais ou mentais -, filosofavam sobre a vida, sobre os familiares que j� haviam partido e sobre os que estavam nascendo, conversavam trivialidades e, juntos, criaram uma rela��o digna de admira��o por todos os que tiveram a chance de um dia v�-los juntos.

Durante a rela��o, eles tiveram a oportunidade de expressar suas mem�rias passadas, seus feitos, suas alegrias e suas tristezas, sempre com um ouvido amoroso e atento; e em troca receberam e ofertaram um tipo de amor capaz de fazer engrandecer at� os mais incr�dulos. Os ouvidos atentos e confortantes do filho sempre estiveram presentes na vida daquele pai que se foi, de modo que pouco h� para chorar, a n�o ser a pura aus�ncia daquele pai.

Eu sinto que a aus�ncia � inc�moda, n�o apenas da figura paterna, mas, tamb�m, do homem que o ensinou desde coisas simples at� as mais complexas. Mesmo sem ter a bagagem acad�mica de seu filho, com ele dividia e partilhava a sabedoria acumulada por uma vida bem vivida. A saudade ser� tanto das boas conversas e das risadas quanto das mem�rias acumuladas durante a vida de ensinamentos e viv�ncias da rela��o cotidiana.

Analisando todo esse luto e na tentativa de ajudar meu amigo, fui marcado pelo questionamento do motivo pelo qual todos os mais novos n�o veem tamanha sabedoria nos idosos. Me perguntei, tamb�m, o que foi feito por esse pai para que seu filho conseguisse compreender que � por meio da mem�ria dos seus ancestrais que a hist�ria de sua fam�lia ser� contada. Cheguei a uma singela conclus�o de que cabe aos mais novos ouvir os ensinamentos e aprender com aqueles que viveram a vida antes. E, como dizia Ad�lia Prado, a mem�ria � contr�ria ao tempo, pois enquanto o tempo leva a vida embora, a mem�ria traz de volta o que realmente importa.

Na mem�ria n�o h� passado, presente ou futuro, nela tudo se entrela�a e acontece concomitante. Ainda que as rugas tomem o rosto, para a mem�ria seremos sempre jovens. E nada pode ser mais especial que a oportunidade de manter uma rela��o de amizade com um idoso, seja ele seu pai, seu amigo, seu vizinho ou at� mesmo de algu�m sem v�nculo familiar. Estar ao lado de uma pessoa idosa � uma oportunidade de aprendizado e esperan�a, pois muitas das d�vidas que hoje nos assolam a cabe�a poderiam ser muito bem solucionadas por um s�bio conselho amoroso de algu�m que j� est� no mundo h� mais tempo que n�s.

Devemos deixar de lado nossa infantil ideia de autossufici�ncia e aproveitar ao m�ximo a oportunidade de estar junto, abra�ar, compartilhar e ouvir bons conselhos e �timas hist�rias - as vezes sobre n�s mesmos -, que nossos antepassados podem nos oferecer. Somos feitos de passado, presente e futuro e nada melhor que estar completamente apaziguados com o passado para fortalecer uma rela��o que � extremamente vantajosa para ambos.

Eu compreendo meu amigo: � dif�cil se despedir de um amor assim, sem m�cula, sem passado a atormentar, sem m�s lembran�as, pois o tempo a tudo cicatrizou, mas seria muito mais dif�cil a despedida se tivesse deixado para demonstrar seu amor por seu pai depois de sua passagem, se fosse torturado cada vez que pensasse nas visitas que n�o fez, nas sa�das que n�o deu, nas conversas n�o compartilhadas, enfim, na vida que poderiam ter tido juntos, mas que as dores do passado n�o permitiram.

Quando nos permitimos nos desprender das m�culas deixadas pelo passado e vivemos intensamente a vida ao lado de nossos idosos o que recebemos � de grande valor, pois n�o h� nada mais grandioso que o amor dado, recebido e compartilhado, principalmente com nossos pais, amigos e familiares. S�o com os nossos antepassados que podemos viver um amor realizado e n�o sonhado, um amor de desafio, sem d�vidas, mas de capaz de nos trazer uma profunda conex�o conosco. 

A grandiosidade da amizade entre uma pessoa mais jovem e uma mais velha deve ser percebida e vivenciada e, quando isto acontecer, j� estaremos vivendo em um novo tipo de sociedade, na qual as gera��es partilham suas ideias e se respeitam reciprocamente, onde as diferen�as, as dores e os conflitos cederam lugar para o amor, a compaix�o e o entendimento rec�procos.

Tudo isso me fez aprender v�rias li��es e uma delas � que devemos aproveitar cada oportunidade de usufruir da companhia dos nossos pais e outros idosos que tem tanto a ensinar sobre o que realmente � importante nesta vida. Convivamos mais, abracemos mais, ou�amos mais, acolhamos mais, usufruamos mais e com certeza, mesmo assim, se a rela��o for saud�vel, sentiremos a dor da perda, por�m teremos a certeza de que pudemos compartilhar muitos momentos com as pessoas que amamos. 

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