
Recentemente assisti a uma entrevista do grande professor, pesquisador, fil�sofo e escritor Rubem Alves que me emocionou profundamente. Na entrevista, ele disse que quando envelhecemos n�s n�o nos tornamos outras pessoas, ao contr�rio, continuamos os mesmos por toda a vida, s� que mais velhos. E completou, afirmando que os anos n�o s�o percebidos pela consci�ncia, que consegue vividamente lembrar de situa��es da inf�ncia, da adolesc�ncia ou da vida adulta como se estivessem acontecido ontem.
Filosoficamente falando, a consci�ncia n�o tem acesso ao passar do tempo, j� que o tempo � percebido em um fluxo cont�nuo, no qual passado, presente e futuro est�o intrinsecamente ligados. Assim apreendido, podemos afirmar sem qualquer sombra de d�vida que envelhecer n�o traz em si uma mudan�a dr�stica da identidade do indiv�duo, mas sim uma continuidade do processo de autodescoberta. A capacidade de lembrarmos situa��es que ocorreram anos atr� como se estivessem ocorrido ontem � um aspecto da manifesta��o intertemporal da consci�ncia, no qual as mem�rias s�o preservadas e acessadas independentemente da passagem do tempo.
A no��o de que ao envelhecer nos tornamos outras pessoas demonstra uma compreens�o equivocada sobre a natureza humana e da passagem do tempo. A nossa identidade � preservada no processo de envelhecimento e n�o nos tornamos seres ap�ticos ou n�o desejantes; ao contr�rio, j� que estamos em um processo cont�nuo de evolu��o. Mesmo que ao envelhecer possamos notar mudan�as em nossas caracter�sticas f�sicas ou sociais, a nossa personalidade e nossas caracter�sticas essenciais s�o preservadas. Podemos n�o desejar aquilo que outrora desej�vamos, mas isto � muito bom, pois demonstra maturidade e aceita��o de quem somos e nos tornamos com o processo de amadurecimento.
Para comprovar tal perspectiva basta perguntar para uma pessoa idosa como ela se sente. Provavelmente ela te dir� que por dentro ela continua a mesma pessoa de quando tinha 18 anos, j� que as idades anteriores ao envelhecimento n�o s�o tiradas do indiv�duo. Elas formam uma esp�cie entrela�amento complexo. Simone de Beauvoir em seu livro de mem�rias Balan�o final afirma que o que a surpreendia � como a menina de tr�s anos sobrevive, mais esclarecida, na de dez anos, esta na jovem de vinte anos e assim por diante. Na �poca em que escreveu o livro, a autora tinha sessenta e tr�s anos e dizia que a percep��o da passagem do tempo lhe era totalmente alheia, j� que n�o tinha a impress�o de ter envelhecido.
Como dito, o envelhecimento pode ser uma fase de profundo autoconhecimento, j� que, no processo de amadurecimento, somos levados a ter uma compreens�o maior de quem somos e daquilo que realmente gostamos. � medida em que vivenciamos experi�ncias, tendemos a desenvolver uma perspectiva mais profunda sobre o real significado de estarmos vivos e de nossos pr�prios valores.
A riqueza das experi�ncias acumuladas ao longo da vida n�o � algo bom somente para quem est� em processo de amadurecimento, mas tamb�m para todos que cercam tais pessoas. As nossas experi�ncias acumuladas podem ser compartilhadas, o que pode acabar por promover uma troca intergeracional de sabedoria e, em �ltima inst�ncia, at� mesmo o nosso engrandecimento enquanto sociedade.
Nesse ponto � de suma import�ncia nos lembrarmos de valorizarmos a opini�o e as perspectivas das pessoas mais velhas, pois al�m de isso nos ser ben�fico, lhes d� senso de pertencimento e os auxilia no reconhecimento de suas pr�prias capacidades. Assim, da pr�xima vez que estivermos pr�ximos aos nossos av�s, pais ou pessoas mais velhas, que saibamos nos calar para ouvir o ser que ali ainda urge: suas hist�rias, seus desejos e seus sonhos, que s� cessar�o de existir com a extin��o da vida.