
“Adoro prazos. Adoro o som apressado que eles fazem ao passar”, brincou certa vez o c�lebre escritor brit�nico Douglas Adams.
Muitos de n�s podemos nos identificar com essa sensa��o do tempo passando diante dos nossos olhos enquanto lutamos para concluir uma tarefa.
Pelo menos, a maior parte dos nossos atrasos n�o s�o causa de vergonha nacional. Na pol�tica, no entanto, o n�o cumprimento de prazos j� provocou saias justas em diversas ocasi�es.
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� o caso da �pera de Sydney. O governo australiano encomendou o projeto em 1958, com data de conclus�o prevista para 1963. Mas a atra��o s� foi inaugurada dez anos depois, em 1973, com um custo adicional enorme.
Entre os exemplos mais proeminentes da atualidade, est�o a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, o Aeroporto Willy Brandt de Berlim e a ferrovia de alta velocidade do Reino Unido, HS2, que j� contabiliza sete anos de atraso.
Mas por que temos tanta dificuldade em seguir cronogramas?
A explica��o n�o pode ser simplesmente pregui�a ou procrastina��o, uma vez que em v�rios dos exemplos acima as equipes estavam trabalhando com produtividade m�xima.
Por isso, os psic�logos tendem a responsabilizar uma peculiaridade cognitiva chamada fal�cia do planejamento, que nos leva a subestimar constantemente quanto tempo ser� preciso para concluir um projeto.
O resultado � que nossos prazos originais s�o falhos desde o in�cio.
Pr�mio Nobel
Quer voc� esteja gerenciando um projeto profissional complexo ou simplesmente tentando reformar a casa, a compreens�o da fal�cia do planejamento vai ter ajudar a cumprir todas as metas a tempo.
O conceito foi introduzido pela primeira vez pelo psic�logo e economista Daniel Kahneman, ganhador do Pr�mio Nobel, e seu assistente Amos Tversky na d�cada de 1970.
Ao observar os h�bitos dos colegas, eles ficaram surpresos ao notar que muitos subestimavam rotineiramente quanto tempo um projeto levaria para ser conclu�do, mesmo depois de terem perdido v�rios prazos em projetos semelhantes no passado. E n�o estavam aprendendo com seus erros.
Pesquisas confirmam que a fal�cia do planejamento � incrivelmente comum. Nas escolas e universidades, pode ser observada tanto entre alunos quanto funcion�rios. Na �rea de TI (tecnologia da informa��o), estudos sugerem que menos de um ter�o dos projetos respeitam o prazo inicial.
No setor de pesquisa e desenho industrial, os projetos levam cerca de 3,5 vezes o tempo esperado. E, como Douglas Adams havia observado, � uma maldi��o para os escritores: estat�sticas informais sugerem que at� 90% dos autores profissionais atrasam a entrega de seus manuscritos.
A fal�cia do planejamento tamb�m pode nos ajudar a entender por que as pessoas n�o enviam suas declara��es de imposto de renda a tempo, ano ap�s ano, e deixam sempre as compras de Natal para a �ltima hora. Em ambos os casos, as falhas anteriores n�o parecem aumentar as chances de cumprir o prazo no futuro.
Uma teoria � que a fal�cia do planejamento resulta da nossa tend�ncia mais ampla de focar nos detalhes de um cen�rio, em vez de no panorama geral – o que Kahneman chama de considerar a "vis�o de dentro".
Como escritor freelancer, ao estabelecer o cronograma de um trabalho, por exemplo, eu posso come�ar listando todas as pessoas para quem preciso ligar, os artigos que preciso ler e os lugares que preciso visitar. Como esses fatores espec�ficos ser�o diferentes para cada trabalho, talvez eu n�o considere minhas experi�ncias anteriores como relevantes para esse projeto em particular.
O problema � que nossas falhas no cumprimento de prazos s�o decorrentes geralmente de fatores menos previs�veis e mais gerais – como distra��es causadas por outras tarefas, dificuldades de deslocamento ou at� mesmo doen�as – que podem contribuir para atrasos.
O 'racioc�nio motivado'
S�o contratempos como esses que provavelmente nos levaram a perder prazos no passado – e reconhecer esse fato pode nos ajudar a antecipar algumas dessas quest�es no futuro.
No entanto, ao nos concentrar demais em detalhes altamente espec�ficos da nossa tarefa atual e ignorar nossas experi�ncias passadas, deixamos de levar em considera��o essas possibilidades.
Essa tend�ncia pode ser exacerbada pelo chamado "racioc�nio motivado" – buscamos com frequ�ncia apenas evid�ncias que atendam nossos objetivos, e geralmente � do nosso interesse crer que um projeto pode ser conclu�do rapidamente e com menos esfor�o, o que nos leva a ignorar ou descartar ind�cios de que pode levar mais tempo.
Por exemplo, podemos dizer a n�s mesmos que, desta vez, todos os fornecedores de mercadorias ser�o mais confi�veis, ou que os problemas com transporte que nos atrasaram da �ltima vez n�o v�o se repetir, porque queremos ter certeza de que o projeto ser� executado com mais tranquilidade desta vez.
O racioc�nio motivado pode ser um problema espec�fico em neg�cios que oferecem recompensas por prazos curtos e n�o realistas, o que poderia explicar por que isso � particularmente comum na �rea de TI.
"Pode ter a ver com a necessidade de ser competitivo para garantir contratos e subestimar os custos envolvidos na proposta", sugere Kevin Thomas, da Universidade de Bournemouth, no Reino Unido.
Observe que isso n�o envolve necessariamente uma manobra deliberada: gra�as ao racioc�nio motivado, as pessoas podem facilmente enganar a si mesmas, em vez de iludir conscientemente os clientes.
Entender a fal�cia do planejamento pode explicar por que mesmo nossas melhores tentativas de gerenciamento de tempo podem sair pela culatra. Em um estudo de 2003, um grupo de estudantes canadenses foi orientado a fazer planos detalhados para executar algumas tarefas, como compras de Natal.
Ao contr�rio das expectativas, o tempo estimado deles se mostrou ainda menos realista do que de pessoas que n�o haviam estabelecido um cronograma. O problema � que eles se concentraram nas tarefas mais espec�ficas a serem conclu�das, e n�o levaram em considera��o as distra��es e desafios menos previs�veis que poderiam impedi-los de executar essas tarefas a tempo.
Os planos detalhados apenas davam a eles uma falsa sensa��o de seguran�a.
Obviamente, essas s�o tarefas bastante simples e, se voc� estiver embarcando em um projeto complexo, ainda ser� essencial detalhar as etapas necess�rias.
Por exemplo, pesquisas realizadas por Katherine Milkman, da Universidade da Pensilv�nia, e Leslie John, da Harvard Business School, mostram que definir as ”inten��es de implementa��o” pode reduzir a procrastina��o e aumentar as chances de cumprir o planejamento.
Mas se voc� deseja fazer planos mais realistas, deve prestar mais aten��o �s experi�ncias anteriores e resistir � tenta��o de descartar sua relev�ncia para o projeto que tem em m�os.
As circunst�ncias podem n�o ser id�nticas – � pouco prov�vel que voc� enfrente exatamente os mesmos desafios desta vez. Mas essas experi�ncias anteriores podem servir como uma linha de base aproximada para ajudar a definir um cronograma mais realista, que voc� pode refinar com os detalhes espec�ficos.
Kevin Thomas diz que ele pr�prio usa essa estrat�gia:
"Tento n�o tratar a tarefa atual como algo singular, diferente do que j� me deparei antes.".
Parece irritantemente simples, mas pesquisas mostram que realmente funciona. Se voc� seguir o mesmo conselho, aquele “som apressado” que Douglas Adams mencionou pode ficar para tr�s, � medida que voc� entregar cada projeto dentro do prazo.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Work Life.
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