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Estado de Minas SA�DE

Doen�a rara: conhe�a a s�ndrome do corpo el�stico

Parte do grupo das doen�as raras, a s�ndrome de Ehlers-Danlos (SEDs) se caracteriza pela flexibilidade incomum das articula��es e tecidos fr�geis


02/05/2021 04:00 - atualizado 02/05/2021 07:30

A nutricionista Juliana Carneiro, de 43 anos, teve o diagnóstico de SEDh aos 37, depois de sofrer inúmeros problemas que pareciam não ter origem definida(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
A nutricionista Juliana Carneiro, de 43 anos, teve o diagn�stico de SEDh aos 37, depois de sofrer in�meros problemas que pareciam n�o ter origem definida (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Segundo a Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS), doen�a rara significa uma altera��o patol�gica do corpo que acomete at� 65 pessoas para cada grupo de 100 mil. No Brasil, pessoas com a condi��o s�o estimadas em 13 milh�es.

Existem de 6 mil a 8 mil tipos de doen�as raras listadas pela medicina, e cerca de 30% dos pacientes morrem antes dos 5 anos de idade – 75% delas afetam crian�as e 80% t�m origem gen�tica.

Algumas dessas doen�as se manifestam a partir de infec��es bacterianas ou causas virais, al�rgicas e ambientais, ou s�o degenerativas e proliferativas. Por se tratarem de quadros cl�nicos incomuns, muitas vezes s�o diagnosticadas tardiamente.

A s�ndrome de Ehlers-Danlos (SEDs) se encaixa nessa defini��o. Como explica o fisioterapeuta Mateus Marino Lamari, s�o um grupo cl�nica e geneticamente heterog�neo de dist�rbios heredit�rios dos tecidos conjuntivos (que d�o liga/uni�o), caracterizados por hipermobilidade articular (frouxid�o), hiperextensibilidade da pele (elasticidade) e fragilidade do tecido (les�es f�ceis) desde a inf�ncia.

Em explica��o did�tica, provoca flexibilidade incomum das articula��es, pele muito el�stica e tecidos fr�geis. Ele � respons�vel, ao lado da m�e, a fisioterapeuta Neuseli Lamari, pelas duas unidades da Cl�nica Lamari – Cl�nica Multiprofissional em Hipermobilidade e SEDs, em S�o Jos� do Rio Preto.

Essa s�ndrome � causada por um defeito em um dos genes que controla a produ��o de tecido conjuntivo. S�o 13 subtipos, e basicamente se trata de muta��es na codifica��o do col�geno (prote�na que d� sustenta��o aos tecidos) ou em genes que codificam enzimas modificadoras de col�geno ou prote�na similar.

"O col�geno, ou prote�na similar, est� na maioria dos tecidos do corpo, como pele, tend�es, m�sculos, ossos, ligamentos, vasos sangu�neos e alguns �rg�os internos. A maioria dos pacientes apresenta altera��es biomec�nicas que afetam o aparelho locomotor – coluna, bra�os e pernas."

Como explica Mateus Lamari, h� um conjunto de crit�rios cl�nicos para o diagn�stico dos subtipos, e, dentre as formas da doen�a, a mais recorrente � a chamada s�ndrome de Ehlers Danlos Hiperm�vel (SEDh) – registrada em cerca de 90% dos pacientes e sua base gen�tica, ou causas, s�o ainda desconhecidas. N�o h� cura.

Considerando os subtipos raros de SEDs, estima-se que h� preval�ncia m�nima de um caso a cada 5 mil pessoas, para todos os tipos. Mateus Lamari explica que a idade em que a doen�a se apresenta � vari�vel e nenhum tipo � conhecido por ser mais comum em um determinado grupo de pessoas.

"O tipo de col�geno afetado varia conforme os tipos da doen�a", diz Marcelo Sady, geneticista, p�s-doutor em gen�tica e diretor-geral da Multigene, empresa especializada em an�lise gen�tica e exames de genotipagem. S�o seis os tipos principais. Al�m da chamada hipermobilidade (tipo 3), que afeta 1 a cada 10 mil a 15 mil nascidos vivos, existe a cl�ssica (tipos 1 e 2), que acomete cerca de 1 em cada 20 mil a 50 mil nascidos vivos. "Nesse caso, a do tipo 1 apresenta movimento severo da pele e a do tipo 2 � mais branda a moderada, em termos de comprometimento da pele", esclarece.

Tamb�m a s�ndrome de Ehlers-Danlos vascular (ou tipo 4), que afeta vasos sangu�neos e �rg�os. Est� presente em 1 a cada 100 mil a 250 mil nascidos vivos. O geneticista explica que � considerada como uma das mais graves.

Pacientes com essa condi��o apresentam tend�ncia � dissec��o ou ruptura espont�nea das art�rias uterinas, intestinais e outras de grande porte, perfura��es gastrointestinais, ruptura de �rg�os e les�es dermatol�gicas.

"Os pacientes com esse tipo normalmente apresentam uma face t�pica: olhos grandes, queixo pequeno, nariz e l�bios finos, s�o de estatura mais baixa, tem a pele delgada, transl�cida, p�lida. Um a cada quatro indiv�duos portadores podem desenvolver um problema s�rio de sa�de j� na segunda d�cada de vida, e mais de 80% podem desenvolver complica��es s�rias a partir dos 40 anos."

Existem ainda as classifica��es de dist�rbio cifoescoli�tico, artrocalasia e dermatosparaxis. Para a cifoescoliose (tipo 6), s�o apenas 60, ou um pouco mais, casos relatados na literatura cient�fica. A principal caracter�stica � a curvatura acentuada da coluna, que vai se agravando com o tempo, al�m de olhos mais sens�veis e fraqueza muscular intensa.

Para a artrocalasia (tipo 7a e 7b), s�o 30 casos relatados no mundo. Leva, como informa Marcelo Sady, a articula��es mais soltas e inst�veis, muitas vezes afetando os quadris, e com risco aumentado de artrite e fraturas graves.

No caso da dermatosparaxis (tipo 7c), a raridade � ainda maior (pouco mais de 10 notifica��es na medicina), e aparece com alta fragilidade e flacidez da pele, que se rompe com facilidade. "A manifesta��o vai depender do tipo de muta��o que a pessoa tiver, o que levar� ao tipo da s�ndrome que apresenta", diz o especialista.

HIPERMOBILIDADE A SEDh tem predom�nio em mulheres. Predisp�e a afec��es musculoesquel�ticas, como dor articular e muscular incapacitante, escoliose, p�s chatos, fadiga e fraqueza, luxa��es articulares (desencaixe no ombro, joelho e quadril) e extraesquel�ticas (disfun��es gastrointestinais, prolapso uterino, problemas card�acos).

Entre os sintomas e complica��es, tamb�m est�o manifesta��es psicossociais, altera��es na pele, na face, nas m�os, problemas da arcada dent�ria, deformidade do t�rax, tendinite, dor na barriga, hist�rico de “dor do crescimento”, atraso para andar, dist�rbio do sono, problema na coluna, como h�rnia de disco, escorregamento de v�rtebra, al�m de degenera��o de articula��es (artrose).

As manifesta��es da doen�a em cada organismo s�o diferentes. Os sintomas podem aparecer ao longo dos ciclos da vida, e a s�ndrome tem car�ter familiar (acomete indiv�duos da mesma fam�lia).

Como explica Mateus Lamari, n�o h� tratamento para a doen�a de base, mas para a maioria das manifesta��es, que s�o tamb�m, em maioria, evit�veis, se diagnosticada a doen�a na inf�ncia e feita a reabilita��o preventiva, com orienta��es e cinesioterapia (conjunto de atividades f�sicas com finalidade terap�utica).

Um problema da s�ndrome, segundo Neuseli Lamari, � que n�o tem receita de bolo. Ela enfatiza que cada caso deve ser avaliado para tra�ar um programa de tratamento e acompanhamento. "Principalmente desde o nascimento at� a finaliza��o do estir�o de crescimento em estatura – para as meninas em torno dos 12 anos, e para os meninos entre 14 e 15 anos de idade."

De forma geral, conta Neuseli, o tratamento � feito com capacita��o. "Treinamos o paciente e a fam�lia para lidar com as consequ�ncias da s�ndrome: cuidados posturais, orienta��es recreativas e ocupacionais, sobre os esportes que poder� ou n�o praticar, sobre as atividades di�rias, ou as profiss�es que pode exercer na fase adulta."

SINAIS A nutricionista Juliana Carneiro, de 43 anos, teve o diagn�stico de SEDh aos 37, depois de sofrer in�meros problemas que pareciam n�o ter origem definida. O primeiro sinal surgiu logo que nasceu, quando foi constatada uma m� forma��o no quadril, uma luxa��o coxofemoral, e precisou usar uma �rtese at� pouco mais de 1 ano de idade.

"Fui uma crian�a mais fr�gil. Era alergia a corantes, a chocolate, ca�a muito e entre os 7 e 15 anos, engessei os p�s 11 vezes. J� torci o p� simplesmente levantando da cadeira", lembra.
Ela conta que torcia os bra�os com facilidade, fazia abertura, colocava os p�s atr�s da cabe�a, virava os dedos da m�o.

"Quantas vezes ouvi que poderia ser contorcionista de circo. Mas o que era engra�ado foi se transformando em dor. O corpo todo do�a. Aos 15 anos, comecei uma maratona de m�dicos e exames. At� entrar na faculdade, aos 20, tive diagn�sticos de p�rpura trombocitop�nica, endometriose, apendicite, neurite �ptica, v�rias alergias, enxaqueca, fibromialgia, depress�o", cita.

No per�odo da gradua��o, chegou a colocar uma ileostomia provis�ria, teve sepse, e lembra da proximidade com a morte. Por mais que fossem grandes dificuldades, conseguiu iniciar e manter a vida profissional – trabalhou em diversos ramos, em grandes empresas. "�s vezes chorava de dor escondida, por sentir vergonha de ser diferente. Falavam que era pregui�a, frescura, corpo mole, exagero. E do�a cada vez mais", rememora.

Um tempo depois, precisou operar o p� e o tornozelo, as articula��es temporo-mandibulares, a coluna cervical, fez v�rias cirurgias intestinais e p�lvicas, teve gastrite, esofagite, p�lipos, n�dulos, hipotireoidismo, hipercolesterolemia, al�m de tantas outras doen�as recorrentes pela fragilidade da sa�de com a s�ndrome.

Entre idas e vindas ao hospital, diversas interna��es e problemas cada vez mais graves, Juliana foi submetida, no total, a 33 cirurgias. O acompanhamento m�dico sempre se deu de forma interdisciplinar – para cada manifesta��o da s�ndrome, uma especialidade. S� iniciou o tratamento especializado em 2019, quando descobriu a cl�nica de Neuseli e Mateus Lamari.

"Quando cheguei chorei de emo��o, era a primeira vez que algu�m entendia finalmente tudo o que eu dizia e sentia, e que sabia o que eu estava falando. Foi libertador."

Em tom aliviado, por assim dizer, a nutricionista diz que agora conhece bem seu corpo e suas limita��es. "Fa�o algumas adapta��es na minha casa para facilitar meu dia a dia. Fa�o tudo no meu limite e o que n�o dou conta de fazer pe�o ajuda." Para Juliana, supera��o, em suas palavras, n�o � uma escolha, � parte da vida.

"Todos esses problemas fazem parte de mim. Para enfrentar tudo isso tem que ter um pouco de leveza e muita vontade de viver. Passei por nega��o, raiva, tristeza, at� aceitar e querer realmente me cuidar."

Hoje, participa de grupos nas redes sociais e troca experi�ncias. Diz que evita fazer planos. "Tento focar no hoje, mas isso n�o significa que n�o tenha sonhos e que n�o me empenhe para, talvez um dia, realiz�-los. Sinto gratid�o por tudo que vivi e pelos anjos que me acompanham nessa caminhada."


PALAVRA DE ESPECIALISTA 

MATEUS LAMARI
Mestre e doutorando em hipermobilidade e SED, fisioterapeuta preceptor no Hospital de Base junto ao Servi�o de Fisioterapia da Funda��o Faculdade de Medicina de S�o Jos� do Rio Preto. Docente na UNILAGO de S�o Jos� do Rio Preto

Hist�ria di�ria de supera��o

“O indiv�duo sediano vive uma hist�ria de supera��o diariamente. A cada momento, seu corpo se apresenta de uma maneira, n�o existe uma rotina. Tem dias que acordar� disposto, en�rgico e cheio de disposi��o. Em outros, dores generalizadas, cansa�o intenso, perda de for�a, desregula��o das sensa��es de frio e calor, dificuldade para dormir, se alimentar, ir ao banheiro. Devemos tamb�m ter aten��o com os sintomas psicol�gicos, de ang�stia, depress�o, tristeza, que causam um ciclo vicioso com sedentarismo e isolamento social. Essas altera��es ocorrem principalmente pela dificuldade de enfrentamento da s�ndrome, pela dificuldade de comunica��o em rela��o � doen�a e pela tacha��o de mentirosos e manhosos, pois relatam fortes sintomas, mas aparentemente se apresentam saud�veis. Muitos sintomas s�o silenciosos e de dif�cil mensura��o. Outra grande queixa � que a exclus�o � feita, na maioria, pelos profissionais de sa�de, justamente os primeiros que deveriam ajudar.” 


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