
Atualmente, as teorias sobre a vida sob as plataformas de gelo da Ant�rtida sugerem que, � medida que se afasta do mar aberto e da luz do Sol, a probabilidade de sobreviv�ncia das criaturas se reduz drasticamente. Alguns pesquisadores j� detectaram, nas profundezas escuras e g�lidas do continente polar, vermes, peixes e �guas-vivas. Por�m, um novo estudo, divulgado na semana passada, causou estranheza at� mesmo em seus autores. Sem querer, eles flagraram esponjas e outros animais que se alimentam de organismos da superf�cie a 260km de onde deveriam estar. Sob o gelo, acreditava-se, n�o seriam capazes de sobreviver.
A equipe, integrante da organiza��o cient�fica Pesquisa Brit�nica na Ant�rtida, n�o estava l� para procurar por essas criaturas. Em um experimento explorat�rio, com objetivo de estudar amostras de sedimentos, os cientistas perfuraram 900m de gelo na plataforma Filchner-Ronne, situada no sudeste do mar de Weddell. Em um momento, os ge�logos sentiram que o equipamento usado atingiu uma rocha, em vez da esperada lama, no fundo do oceano. As imagens flagradas pela c�mera acoplada � sonda, ent�o, revelaram uma pedra coberta por criaturas marinhas familiares e outras completamente desconhecidas.
Trata-se do primeiro registro de uma comunidade de substrato duro (ou seja, uma rocha) nas profundezas de uma plataforma de gelo. A descoberta parece ir contra todas as teorias anteriores sobre quais tipos de vida poderiam sobreviver nesse mundo gelado — a 2,2ºC negativos — e sombrio. Considerando as correntes marinhas na regi�o, os pesquisadores calculam que os animais flagrados podem estar at� 1,5 mil quil�metros de profundidade da fonte de fotoss�ntese mais pr�xima.
“O que descobrimos foi surpreendente porque jamais esper�vamos esse tipo de animal — que filtra seus alimentos da coluna de �gua (na superf�cie) — ser encontrado t�o longe da fonte de alimenta��o e da luz do Sol”, comenta o bioge�logo Huw Griffiths, da Pesquisa Brit�nica na Ant�rtida e principal autor de um artigo publicado na revista Frontiers in Marine Science. “Tudo o que sabemos sobre esses ambientes sob o gelo vem de alguns poucos buracos drenados por pesquisadores, com c�meras acopladas. Ent�o, tudo o que sabemos sobre eles corresponde a uma �rea do tamanho de uma bola de t�nis.”
Griffiths destaca que esse mundo sob o gelo �, provavelmente, o habitat menos conhecido da Terra. “Por isso, n�o sabemos o que tem por l�. Mas n�s pens�vamos que animais que vimos, como esponjas, n�o seriam encontrados nesses locais. Para mim, o mais empolgante sobre nossas descobertas � que elas levantam mais d�vidas que respostas. N�o temos ideia sobre a esp�cie de muitos dos animais que vimos, n�o sabemos como lidam com essas condi��es extremas, e a �nica forma que teremos para responder a essas perguntas � encontrar uma nova forma de investigar o mundo deles.”
�gua misturada
Tamb�m nos lagos da Ant�rtida, pesquisadores, incluindo os da expedi��o brit�nica, al�m de cientistas do Imperial College de Londres e da Universidade de Lyon, na Fran�a, descobriram que esses ambientes podem ser mais convidativos � vida do que parecem � primeira vista. O estudo foi publicado na revista Science Advances.
Sem acesso � luz solar, os micro-organismos nesses ambientes n�o obt�m energia por meio da fotoss�ntese, mas pelo processamento de produtos qu�micos. Eles est�o concentrados em sedimentos nos leitos dos lagos, onde a vida � considerada mais prov�vel. Por�m, para que os organismos sejam abundantes e, portanto, mais f�ceis de serem detectados, a �gua dos lago g�lidos deve ser misturada — ou seja, precisa se mover para que os sedimentos, nutrientes e oxig�nio possam ser distribu�dos de maneira mais uniforme.
Nos lagos da superf�cie da Terra, essa mistura � causada pelo vento e pelo aquecimento do Sol, causando correntes de convec��o. Como nenhum desses elementos existe em lagos subglaciais, os cientistas sup�em que essa mistura n�o ocorra. No entanto, a equipe descobriu que outra fonte de energia � suficiente para causar correntes de convec��o na maioria dos lagos subglaciais: a geot�rmica, que vem do interior da Terra e � gerada pela combina��o do calor que sobra da forma��o do planeta e da decad�ncia dos elementos radioativos.
Os pesquisadores calcularam que esse calor pode estimular correntes de convec��o em lagos subglaciais que suspendem pequenas part�culas de sedimento e movimentam o oxig�nio, permitindo que uma parte maior do corpo d’�gua seja prop�cia � vida. “A �gua nos lagos isolados sob a camada de gelo da Ant�rtida por milh�es de anos n�o � parada e im�vel; o fluxo de �gua � realmente bastante din�mico, o suficiente para fazer com que sedimentos finos fiquem suspensos”, diz o l�der do estudo, Louis Couston, da Universidade de Lyon. “Com o fluxo din�mico da �gua, todo o corpo d’�gua pode ser habit�vel, mesmo que mais vida permane�a concentrada no solo. Isso muda nossa aprecia��o de como esses habitats funcionam e como no futuro podemos planejar amostr�-los quando sua explora��o ocorrer.”
As previs�es dos pesquisadores poder�o ser testadas em breve, j� que uma equipe do Reino Unido e do Chile se prepara para explorar um lago. Amostras retiradas das profundezas mostrar�o exatamente onde a vida microbiana � encontrada. As an�lises tamb�m poderiam ser usadas para gerar teorias sobre a vida em outras partes do Sistema Solar, explicou, em nota, o coautor Martin Siegert, do Imperial College de Londres. “Nossos olhos, agora, se voltam para prever as condi��es f�sicas em reservat�rios de �gua l�quida em luas geladas e planetas. A f�sica das �guas subglaciais � semelhante na Terra e nas luas geladas, mas o cen�rio geof�sico � bastante diferente, o que significa que estamos trabalhando em novos modelos e teorias. Com novas miss�es visando luas geladas e aumentando as capacidades de computa��o, � um grande momento para a astrobiologia e a busca por vida fora da Terra.”
Diversidade mapeada

Da Isl�ndia aos A�ores, uma equipe de cientistas marinhos a bordo do navio Sonne come�ou a mapear, em janeiro, a diversidade de organismos que vivem nas profundezas do Oceano Atl�ntico. Os 20 pesquisadores, de institui��es diversas, est�o recolhendo amostras a profundidades entre 4 mil e 5 mil metros com objetivo de conhecer melhor o bioma de alto-mar e estimular medidas de conserva��o adequadas.
O foco principal da IceDivA � estudar a distribui��o de esp�cies de �guas profundas. “At� o momento, o ecossistema do fundo do mar foi estudado menos extensivamente do que a Lua. Estou entusiasmada com a diversidade de animais marinhos, de carac�is e estrelas-do-mar, anf�podes e is�podes, que iremos encontrar, esperando algumas esp�cies conhecidas, mas tamb�m animais novos, ainda n�o descritos e n�o descobertos”, diz a bi�loga Katrin Linse, da expedi��o Pesquisa Brit�nica na Ant�rtida e integrante da miss�o cient�fica. “O objetivo da nossa equipe � analisar as comunidades e a diversidade dos animais do fundo do mar, do norte da Isl�ndia ao sul do Mar de Weddell, e essa expedi��o est� preenchendo a lacuna em nosso conjunto de dados.”
Paralelamente aos estudos biol�gicos e � utiliza��o de um tren� epibent�nico para a coleta de amostras, a expedi��o leva 10 flutuadores equipados com sensores para medi��o de salinidade, temperatura e press�o. Eles ser�o lan�ados como um enxame em uma �nica posi��o para obter uma compara��o direta inicial dos par�metros de medi��o. Durante o curso da expedi��o, os flutuadores mergulhar�o repetidamente a profundidades de 2 mil metros e retornar�o � superf�cie 48 horas depois para transmitir a um centro de dados as informa��es coletadas.