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Estado de Minas MEIO AMBIENTE

Como impedir que um para�so tropical seja dominado por ratos

Palmyra era um atol isolado e tranquilo do Pac�fico, at� uma invas�o de ratos-pretos no s�culo 20 que transformou seu ecossistema


07/03/2021 11:28 - atualizado 07/03/2021 18:28


O atol de Palmyra era um paraíso tropical desabitado %u2014 até a chegada dos ratos(foto: Island Conservation)
O atol de Palmyra era um para�so tropical desabitado %u2014 at� a chegada dos ratos (foto: Island Conservation)

Durante a 2ª Guerra Mundial, militares americanos basearam milhares de marinheiros no atol de Palmyra, um anel de ilhotas intocadas no Oceano Pac�fico.
Mas os navios tamb�m levaram uma s�rie de passageiros clandestinos para as ilhas: ratos-pretos.

Os roedores prosperaram, se multiplicando rapidamente e se alimentando de pequenos caranguejos, mudas de �rvores, ovos e filhotes de aves marinhas. E a invas�o de coqueiros em planta��es abandonadas trouxe mais problemas para os p�ssaros, privando-os de seu habitat natural.

No fim do s�culo, os ratos e as palmeiras haviam transformado todo o ecossistema do atol. Oito esp�cies de aves marinhas que perambulavam pela �rea mais ampla desapareceram — de acordo com conservacionistas, possivelmente porque os ratos provocaram sua extin��o local.

Algumas esp�cies de caranguejos estavam diminuindo ou at� mesmo sumindo completamente.

Em outras ilhas tropicais, foram encontradas evid�ncias de que invas�es de roedores estavam afetando esp�cies supostamente distantes como os recifes de coral, ao interromper seu suprimento de excrementos de aves marinhas, ricos em nutrientes.

Os coqueiros tamb�m prejudicaram a delicada cadeia de nutrientes que sustentava a vida em Palmyra e em seus arredores. Eles ocuparam metade do atol. As aves marinhas evitavam fazer ninho nas palmeiras, preferindo �rvores nativas robustas com galhos.

� medida que o suprimento de excrementos dos p�ssaros diminu�a, o impacto se espalhou por todo o ecossistema. Em ilhotas com florestas de palmeiras, o solo era mais pobre em nutrientes do que naquelas com florestas nativas, assim como a �gua ao longo delas.

O pl�ncton presente no litoral das florestas de palmeiras era menos abundante, e havia menos arraias manta, que se alimentam do pl�ncton, do que ao longo da costa de floresta nativa.

Os efeitos em cascata mostram como uma intrincada rede ecol�gica pode ser quebrada por uma �nica esp�cie invasora. Mas agora tamb�m h� evid�ncias de que essa rede pode ser reparada.

"As ilhas nos oferecem esta oportunidade de esperan�a e restaura��o, porque voc� pode remover esp�cies invasoras das ilhas e ver uma recupera��o dram�tica", afirma David Will, gerente de programa da Island Conservation, organiza��o sem fins lucrativos especializada na remo��o de esp�cies invasoras.

As ilhas desempenham um papel descomunal na biodiversidade do planeta. Elas correspondem a apenas 5% da �rea terrestre global, mas abrigam cerca de 19% das esp�cies de p�ssaros e 17% das plantas com flores.

At�is tropicais como Palmyra tamb�m nos colocam diante de um mist�rio ecol�gico irresist�vel: eles s�o exuberantes e abundantes em vida, mas existem em ambientes muito pobres em nutrientes.

"Quando voc� come�a a pensar nos at�is, eles est�o em lugares muito, muito remotos, onde h� muito, muito pouca entrada de nutrientes para o meio ambiente", diz Rebecca Vega Thurber, microbiologista da Oregon State University, nos Estados Unidos, especialista em ecossistemas marinhos.

As aves marinhas atuam como uma esp�cie de servi�o de entrega de nutrientes para esses lugares remotos. Elas fazem ninhos em �rvores nativas, protegidas por galhos e folhagens, e voam para longe para pescar no mar.

Quando voltam, seus excrementos, chamados guano, fertilizam o solo e escorrem para a �gua, nutrindo o pl�ncton e as algas, assim como os peixes que se alimentam deles.

A mistura de nutrientes no guano, sobretudo a propor��o de nitrog�nio para f�sforo, � considerada ideal para corais, assim como para as algas ben�ficas que vivem neles.

Mas quando os ratos chegam, tudo isso muda. Os ratos podem destruir a popula��o de aves marinhas de uma ilha e, portanto, seus suprimentos de nutrientes. Os excrementos dos ratos apenas reciclam o que j� existe na ilha, uma vez que n�o adicionam nutrientes de outros lugares.

"Depois que voc� perde as aves marinhas, n�o consegue mais esse elo de nutrientes do mar aberto para as ilhas e recifes", explica Casey Benkwitt, bi�loga e especialista em recifes de coral da Universidade de Lancaster, no Reino Unido.


Os excrementos das aves marinhas fornecem nutrientes para as ilhas, dando uma turbinada nos corais também(foto: Island Conservation)
Os excrementos das aves marinhas fornecem nutrientes para as ilhas, dando uma turbinada nos corais tamb�m (foto: Island Conservation)

"Ent�o, voc� perde completamente esse subs�dio de nutrientes que vai para os recifes."

Um estudo de 2018 no arquip�lago de Chagos, no Oceano �ndico, descobriu que ilhas sem ratos abrigavam comunidades de aves marinhas muito maiores e tinham n�veis de nutrientes significativamente mais altos em seus recifes de coral, em compara��o com as ilhas onde os ratos haviam sido introduzidos.

Essa inje��o de nutrientes pode tornar os recifes mais resistentes. Benkwitt e seus colegas estudaram o branqueamento de corais ao redor do arquip�lago de Chagos, uma rea��o de estresse ao aquecimento da �gua durante a qual os corais expelem suas algas simbi�ticas e ficam brancos.

Eles descobriram que os corais no entorno das ilhas habitadas e livres de ratos foram igualmente afetados por esse branqueamento.

Mas perto das ilhas livres de ratos que tinham muitas aves marinhas, uma alga rosa conhecida como alga calc�ria cresceu ap�s o branqueamento. Essa alga atrai corais beb�, que se instalam e crescem, formando a base para a reposi��o do recife estressado.

Havia tamb�m mais peixes herb�voros de recife em torno das ilhas livres de ratos, que se alimentam de algas marinhas que poderiam tomar conta dos corais.

Ficou claro que, ao introduzir inadvertidamente uma esp�cie invasora de roedor, todo o ecossistema de uma ilha tropical poderia ser levado ao limite.

Ratos na copa das �rvores

"Quando cheguei a Palmyra, os ratos estavam em todos os lugares", lembra Alex Wegmann, diretor cient�fico de Palmyra na The Nature Conservancy, organiza��o ambiental sem fins lucrativos que comprou o atol de propriet�rios privados em 2000.


Os ratos se multiplicam ainda mais rápido quando aquecidos e bem alimentados nos trópicos(foto: Graham Carroll/USGS)
Os ratos se multiplicam ainda mais r�pido quando aquecidos e bem alimentados nos tr�picos (foto: Graham Carroll/USGS)

O atol � hoje um Ref�gio Nacional de Vida Selvagem administrado pelo Servi�o de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, que inclui uma reserva natural administrada pela The Nature Conservancy. Wegmann estuda o ecossistema de Palmyra desde 2004, quando os ratos dominaram a ilha.

"Eles estavam na copa das �rvores, estavam no ch�o, estavam debaixo da terra." Cerca de 20 mil ratos viviam em Palmyra, com uma densidade populacional cerca de 10 vezes maior do que em climas mais frios, gra�as ao ambiente tropical. Os ratos nos tr�picos equatoriais se reproduzem o ano todo, porque est� sempre quente e h� bastante comida.

O plano era se livrar dos ratos e, na sequ�ncia, das palmeiras, que provavelmente se espalhariam ainda mais sem os roedores para control�-las. Para que uma erradica��o fosse bem-sucedida, todos os ratos de uma ilha precisariam ser mortos, caso contr�rio, a popula��o se recuperaria.

De acordo com James Russell, bi�logo conservacionista da Universidade de Auckland, na Nova Zel�ndia, a regra � que, se uma �nica rata gr�vida for deixada em uma ilha de mil hectares, o lugar estar� infestado por ratos em dois anos — e mais cedo ainda nos tr�picos.

Essa remo��o completa � dif�cil em qualquer lugar, mas sobretudo nos tr�picos. Um estudo de 2015 mostrou que 16% das erradica��es de ratos em ilhas tropicais fracassaram, em compara��o com cerca de 6% fora dos tr�picos.

Os caranguejos terrestres s�o um problema comum. Eles s�o imunes ao veneno da isca, por isso gostam de com�-la — e podem engoli-la antes que os ratos a peguem. "J� vi eles com uma isca em cada uma de suas oito patas, uma na boca e uma em cada bra�o", diz Russell.

"Eles enrolam uma embaixo de cada pata e ficam sobre elas — � meu, meu, meu, meu. E eles ficam irritados se voc� chega perto deles."

A solu��o est� na prepara��o diligente, de acordo com Araceli Samaniego, ecologista especializada em roedores do instituto de pesquisa Landcare Research, da Nova Zel�ndia.

Ela trabalhou em projetos de erradica��o em todo o mundo, mas come�ou no M�xico, onde sua equipe removeu ratos de 15 ilhas tropicais, com uma taxa de sucesso de 100%.

Seu m�todo envolvia passar meses e at� anos estudando cada ecossistema, acampando em ilhas desabitadas durante semanas para entender suas esta��es, caracter�sticas, plantas e animais. "90% do trabalho � feito antes de voc� chegar l� com a isca", diz Samaniego.

Em uma ilha, ela e sua equipe aprenderam at� a trabalhar rodeados por uma popula��o local de crocodilos. "No terceiro ano, voc� est� totalmente relaxado em rela��o a eles, e todos t�m nomes. � s� mais uma coisa com a qual voc� precisa estar atento, mas tudo bem."

A prepara��o fez com que no dia da erradica��o a equipe n�o tivesse surpresas e soubesse exatamente onde, como e quando colocar a isca para obter o melhor resultado. Em florestas de mangue inundadas, por exemplo, eles prenderam blocos de isca nos galhos do manguezal.

Em Palmyra, onde Samaniego tamb�m trabalhou ao lado de cientistas de todo o mundo, os ratos foram erradicados em 2011, em um projeto conjunto com o Servi�o de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos e a Island Conservation.

A equipe escolheu um momento em que a maioria das aves migrat�rias estava ausente. E capturaram temporariamente o m�ximo de remanescentes que puderam.

Um helic�ptero soltou a isca com veneno, de forma que parte dela pousou nas copas das �rvores, onde poderia ser alcan�ada pelos ratos, mas n�o pelos caranguejos, enquanto outras ca�ram no ch�o. Desde ent�o, Palmyra est� livre de ratos.

Ainda assim, a erradica��o teve um pre�o. Doze p�ssaros e 47 tainhas foram encontrados mais tarde mortos com res�duos de veneno de rato em seus corpos.

Coral Wolf, bi�loga que trabalha para a Island Conservation, viajou para Palmyra um m�s ap�s a erradica��o.

Antes de partir, ela verificou seus equipamentos em busca de sementes e insetos e congelou suas roupas para matar qualquer passageiro indesejado que pudesse se agarrar a elas. Em seguida, embarcou em um pequeno avi�o do Hava� para o atol, que fica a 1,6 mil quil�metros ao sul.

Na chegada, v�rias pe�as de roupas que nunca haviam sido usadas foram direto para um freezer na esta��o de pesquisa na ilha principal. Cada vez que Wolf partia para as outras ilhotas do atol, ela vestia essas roupas congeladas para evitar qualquer contamina��o entre as ilhas.

"� sempre refrescante sse vestir no in�cio do dia de trabalho", diz ela.

Wolf estava procurando sinais de recupera��o em plantas nativas, como a �rvore Pisonia, ideal para a nidifica��o de aves marinhas.

Ela esperava encontrar alguns brotos. Em vez disso, ela se deparou com um "tapete inteiro de mudas de Pisonia". Anteriormente, os ratos as mantinham sob controle.

Um ano depois, as mudas de Pisonia estavam na altura do joelho. Ap�s mais dois anos, mediam alguns metros. Em 2016, estavam "bem acima da cabe�a", lembra Wolf. Outras esp�cies de �rvores nativas tamb�m ganharam espa�o. A floresta local estava se recuperando.

Wegmann, da Nature Conservancy, tamb�m notou in�meras mudan�as depois que os ratos foram embora. Duas novas esp�cies de caranguejos terrestres foram observadas nas ilhas.

Provavelmente, elas j� existiam antes, mas os ratos mantiveram seu n�mero baixo demais para serem avistadas. Uma vez, ele caminhou ao longo da costa e viu 50 caranguejos-rocha correndo. At� ent�o, ele s� os tinha visto em grupos de dois ou tr�s:

"Havia todas essas observa��es super bacanas da vida se recuperando."

Folhas de palmeira por toda parte

Nem toda aquela vida revigorante era nativa de Palmyra. Os coqueiros invasores de planta��es abandonadas estavam se espalhando com mais for�a do que antes.

Isso j� era esperado, uma vez que os ratos n�o comiam mais as mudas, mas ainda assim era impressionante de observar.

"De repente, voc� n�o conseguia mais andar", lembra Wolf. "Seu rosto estava cercado por todas essas folhas de palmeira."

Como os ratos, as palmeiras podem prejudicar o elo entre a terra e o mar, j� que as aves marinhas evitam fazer ninhos em suas copas expostas e oscilantes.

Se livrar das palmeiras exigiu outras interven��es, incluindo inje��o de herbicida nos troncos, um projeto que ainda est� em andamento.

O outro desafio era atrair de volta para o atol as oito esp�cies de aves marinhas desaparecidas.

Um esfor�o cont�nuo para traz�-las de volta envolve o que Wegmann chama de "nossa discoteca de aves marinhas": alto-falantes eletr�nicos que emitem o canto de quatro esp�cies de aves marinhas, em uma esp�cie de transmiss�o de r�dio para os p�ssaros que passam.

Essa estrat�gia se destina a atrair a grazina-das-f�nix, a pardela-de-audubon, a pardela do Pac�fico e o painho-de-papo-branco.

Embora os esfor�os estejam em andamento, os pesquisadores ainda n�o viram sinais do retorno de qualquer uma das oito esp�cies de aves marinhas desaparecidas.

Para incentivar esse movimento, a equipe planeja colocar ao redor do atol r�plicas de madeira de mais duas esp�cies, o trinta-r�is-de-dorso-cinzento e a grazina-cer�lea, em aglomerados que lembram col�nias em nidifica��o.

A ideia, diz Wegmann, � que uma ave marinha voando possa v�-los e pensar: "Uau, h� 30 parentes meus l�, talvez haja algo acontecendo, eu deveria dar uma olhada".

'Lindo e restaur�vel'

Incentivados pelas evid�ncias de que a restaura��o � poss�vel em at�is como Palmyra, conservacionistas est�o se voltando para outras ilhas tropicais.

Uma equipe de especialistas, incluindo Samaniego da Landcare Research, est� planejando erradicar ratos das ilhas do arquip�lago de Chagos, usando drones para soltar a isca, uma solu��o pr�tica em ilhas remotas.

No atol de Tetiaroa, na Polin�sia Francesa, ao norte do Taiti, est� em andamento um projeto semelhante ao de Palmyra.

Tetiaroa � desabitada, exceto por uma esta��o de pesquisa e um hotel de luxo. E apresenta desafios espec�ficos, como a coexist�ncia de duas esp�cies de ratos: o rato-do-pac�fico, que se acredita ter sido introduzido h� s�culos por viajantes polin�sios, e o rato-preto, que provavelmente surgiu no s�culo 20.

Os ratos nadam de um lado para o outro, entre algumas das 12 ilhas, o que significa que se voc� remov�-los de apenas uma, eles podem voltar a partir de outra.

No entanto, uma das ilhotas de Tetiaroa, Reiono, ficou livre de ratos em 2018, e outras duas, no ano passado. O objetivo � erradicar os ratos de todo o atol.

"� um atol lindo e restaur�vel", afirma Russell, da Universidade de Auckland. Ele estudou os ratos em Tetiaroa pela primeira vez com um colega em 2009, andando de caiaque entre as ilhotas e dormindo em barracas.

Do ponto de vista cient�fico, as 12 pequenas ilhas s�o como "microlaborat�rios", diz ele, cada um sutilmente diferente.

"Estamos em um momento em que temos mais capacidade para fazer isso, o que chamo de 'experimentos de superecossistema', em que voc� pode rastrear v�rias coisas fazendo com que colaboradores de todo o mundo fa�am sua parte e integrar depois os dados", diz Rebecca Vega Thurber, da Oregon State University.

Ela est� supervisionando um novo projeto de pesquisa de ecologia marinha em Tetiaroa e planeja fazer estudos semelhantes em Palmyra, descobrindo as intera��es entre a conserva��o da terra e a vida marinha.

Olhando para a hist�ria recente de Palmyra, Wegmann a v� como uma fonte de esperan�a. As ilhas tropicais podem parecer fr�geis, mas podem se revelar surpreendentemente robustas.

Segundo ele, a hist�ria da conserva��o de Palmyra deve nos lembrar de duas coisas: "Um, que a natureza � resiliente. E dois, que n�s, como seres humanos, podemos resolver alguns dos grandes problemas que causamos".

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.


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