
"O tempo n�o existe. E eu tenho 15 minutos para convenc�-los disso", diz Carlo Rovelli, ap�s olhar seu rel�gio de pulso.
Assim come�a uma palestra TEDx feita em 2012 pelo f�sico italiano, que n�o costuma aparecer na imprensa internacional.
Uma das vezes em que ele ganhou destaque foi na revista brit�nica New Statesman, numa reportagem assinada por George Eaton intitulada "O f�sico rockstar Carlo Rovelli explica porque o tempo � uma ilus�o", em tradu��o livre.
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Em 2020, no evento "The Nature of Time" (A Natureza do Tempo), organizado pela revista New Scientist, o f�sico te�rico pegou uma corda e a esticou de uma ponta a outra do palco. E pendurou uma caneta no meio da corda para marcar o presente.
Rovelli disse: "� aqui que estamos."
Ele ent�o ergueu o bra�o direito e apontou para a direita: "Esse � o futuro." Na sequ�ncia, apontou para a esquerda: "E esse � o passado."
"Esse � o tempo do nosso dia a dia: uma longa fila, uma sequ�ncia de momentos que podemos ordenar, que tem uma dire��o preferida, que podemos medir com rel�gios", disse. "E todos n�s concordamos com os intervalos de tempo entre dois momentos diferentes ao longo do caminho, ao longo desta linha."
Depois acrescentou: "Quase tudo o que eu disse est� errado. Em termos factuais, isso est� incorreto. � como se eu dissesse que a Terra � plana".
"O tempo n�o funciona assim, ele o faz de uma maneira diferente", emendou.
E esclareceu: "Essas n�o s�o ideias especulativas que aparecem em sonhos estranhos de f�sicos. S�o fatos que medimos em laborat�rio, com instrumentos, e que podem ser verificados".
'Pura rebeli�o'
Nascido em Verona, na It�lia, em 1956, Rovelli confessa que sua adolesc�ncia foi "pura rebeli�o". O mundo em que ele vivia era diferente do que considerava "justo e belo" e, em meio a essa decep��o, a ci�ncia veio ao seu encontro.
No mundo acad�mico, o jovem pesquisador descobriu "um espa�o de liberdade ilimitada", que ele relembra em um de seus livros.
"No momento em que meu sonho de construir um novo mundo colidiu com a realidade, me apaixonei pela ci�ncia, que cont�m um n�mero infinito de novos mundos", descreve.
"Enquanto eu escrevia um livro com meus amigos sobre a revolu��o estudantil (um livro que a pol�cia n�o gostou e me custou uma surra na delegacia de Verona: 'Diga-nos os nomes de seus amigos comunistas!), mergulhei cada vez mais no estudo do espa�o e do tempo, tentando entender os cen�rios que haviam sido propostos at� ent�o."
Gravidade qu�ntica
Rovelli decidiu dedicar sua vida ao desafio de conciliar duas teorias: a mec�nica qu�ntica (que descreve o mundo microsc�pico) e a relatividade geral de Albert Einstein.

"Para chegar a uma nova teoria, devemos construir um esquema mental que n�o tenha a ver com nossa concep��o usual de espa�o e tempo", diz. "Voc� tem que pensar em um mundo em que o tempo n�o � mais uma vari�vel cont�nua, mas uma outra coisa."
Ao buscar poss�veis solu��es para o problema da gravidade qu�ntica, Rovelli foi um dos fundadores da teoria da gravidade qu�ntica em loop, tamb�m conhecida como teoria do loop, que apresenta uma estrutura fina e granular do espa�o.
Essa teoria tem aplica��es em diferentes campos - por exemplo, o estudo do Big Bang ou as formas de abordar e entender os buracos negros.
O f�sico italiano tem uma carreira brilhante, que inclui in�meros pr�mios e livros. Uma dessas publica��es, "Sete Breves Li��es de F�sica" (Editora Objetiva), foi traduzida para 41 idiomas e vendeu mais de 1 milh�o de c�pias.
Ele tamb�m foi professor na It�lia, nos Estados Unidos, no Reino Unido e atualmente � pesquisador do Centro de F�sica Te�rica de Marselha, na Fran�a.
Rovelli respondeu por escrito a algumas perguntas da BBC Mundo, servi�o em espanhol da BBC. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC Mundo - O que � o tempo? Ele realmente existe?
Carlo Rovelli - Sim, claro que o tempo existe. Do contr�rio, o que � que sempre nos falta? Mas a ideia comum que temos sobre o que � o tempo e como ele funciona n�o serve para entendermos �tomos e gal�xias. Nossa concep��o usual de tempo funciona apenas em nossa escala e quando vamos medir as coisas com muita precis�o.
Se quisermos aprender mais sobre o universo, temos que mudar a nossa vis�o do tempo. Porque o que costumamos chamar de "tempo", sem pensar muito sobre o que isso significa, � realmente um emaranhado de fen�menos diferentes. O tempo pode parecer simples, mas � realmente complexo: ele � feito de muitas camadas, algumas das quais s�o relevantes apenas para certos fen�menos, e n�o para outros.
BBC Mundo - O que o senhor descobriu quando se perguntou: por que s� podemos conhecer o passado e n�o o futuro?
Rovelli - A raz�o de termos informa��es sobre o passado e n�o sobre o futuro � estat�stica. Tem a ver com o fato de n�o vermos os detalhes das coisas. N�o vemos, por exemplo, as mol�culas individuais que comp�em o ar da sala em que estamos. Mas, no mundo microsc�pico, n�o h� essa distin��o entre o passado e o futuro.
BBC Mundo - O senhor falou sobre a elasticidade do tempo e sobre um dia em que "vivenciamos coisas diretamente, como encontrar nossos filhos mais velhos que n�s mesmos no caminho de volta para casa". Como isso pode acontecer?
Rovelli - A pergunta correta � a oposta: por que quando nos separamos e nos encontramos novamente, o seu e o meu rel�gio medem o mesmo intervalo de tempo?
N�o h� raz�o para que devam medir esse mesmo tempo. A experi�ncia nos diz isso apenas porque nossas medi��es n�o s�o precisas o suficiente. Se fossem, ver�amos que o tempo corre em velocidades diferentes para pessoas diferentes, dependendo de onde est�o e como se movem. Portanto, eu poderia me separar de meus filhos e reencontr�-los em um tempo que significa apenas um ano para mim, mas 50 anos para eles. Nesse cen�rio, eu ainda sou jovem e eles envelheceram. Isso certamente � poss�vel. O motivo pelo qual normalmente n�o vivenciamos esse tipo de experi�ncia � apenas que nossa vida na Terra se move numa velocidade lenta entre n�s e, nesse caso, as diferen�as de tempo s�o pequenas.
BBC Mundo - Algum dia poderemos viajar ao passado?
Rovelli - Considero extremamente improv�vel. Viajar para o futuro, por outro lado, � o que fazemos todos os dias.
BBC Mundo - O que o senhor quer dizer com isso?
Rovelli - Viajar ao passado � dif�cil. Mas viajar para o futuro � muito f�cil. Fa�a o que fizer, voc� est� viajando sempre para o futuro: o amanh� � o futuro do hoje.
BBC Mundo - Sabemos que o senhor gosta muito de gatos e prefere n�o se referir ao gato de Schr�dinger e a discuss�o se ele est� vivo ou morto (ou dormindo). O senhor poderia explicar por que, segundo esse famoso experimento, o animal pode estar vivo e morto ao mesmo tempo?
Rovelli - Acho que o gato n�o est� realmente acordado e dormindo ao mesmo tempo. Considero que, com respeito a si mesmo, o gato est� definitivamente acordado ou dormindo. Mas quando se trata de mim e de voc�, pode n�o haver nem um estado, nem outro. Porque eu acho que as propriedades das coisas (incluindo os �tomos e os gatos) s�o relativas a outras coisas e s� se tornam reais nas intera��es com elas. Se n�o houver intera��es, n�o h� propriedades.

BBC Mundo - Como o senhor explicou, a discuss�o entre os f�sicos da mec�nica qu�ntica n�o � apenas sobre o gato estar vivo e morto ao mesmo tempo, mas tamb�m sobre o experimento com dois eventos, A e B, nos quais A vem antes de B, mas tamb�m B vem antes de A. Como isso pode ser poss�vel?
Rovelli - Quando dizemos que um evento A � anterior a um evento B, o que queremos dizer � que pode haver um sinal indo de A para B. Por exemplo, sua pergunta � anterior � minha resposta, porque me chega antes que eu possa respond�-la.
No entanto, �s vezes pode acontecer que seja realmente imposs�vel enviar um sinal de A para B, mas tamb�m imposs�vel enviar um sinal de B para A. Ent�o, nenhum � anterior ao outro.
A raz�o de n�o estarmos acostumados com isso � porque a luz viaja muito r�pido, ent�o tendemos a pensar que podemos ver tudo "instantaneamente". Mas a verdade � que n�o podemos. Portanto, sempre existem eventos que n�o s�o ordenados de acordo com esse tempo.
BBC Mundo - O que o senhor quer dizer quando afirma que existem muitas vers�es diferentes da realidade, embora todas pare�am iguais em grande escala?
Rovelli - As propriedades de todas as coisas s�o relativas a outras coisas. As propriedades do mundo em rela��o a voc� n�o s�o necessariamente as mesmas em rela��o a mim. Normalmente, n�o vemos essas diferen�as nas propriedades f�sicas porque os efeitos qu�nticos s�o muito pequenos. Mas, em princ�pio, podemos ver mundos ligeiramente diferentes.
BBC Mundo - O senhor disse que temos que reorganizar a forma como pensamos a realidade. Como podemos fazer isso? O que estamos perdendo se n�o tentarmos seguir por esse caminho?
Rovelli - Podemos continuar vivendo nossas vidas ignorando a f�sica qu�ntica, mas se estamos curiosos sobre como a realidade funciona, temos que encarar que as coisas s�o realmente estranhas.
BBC Mundo - A met�fora que o senhor faz sobre a mec�nica qu�ntica e sua interse��o com a filosofia, como se essas duas �reas do conhecimento fossem um casal se reunindo, se separando, depois voltando e se separando novamente, � fascinante. A mec�nica qu�ntica e a filosofia precisam uma da outra?
Rovelli -Creio que sim. No passado, a f�sica fundamental tamb�m avan�ou gra�as � inspira��o da filosofia.

Todos os grandes cientistas do passado eram leitores �vidos de filosofia. N�o h� raz�o para que as coisas sejam diferentes hoje.
Na minha opini�o, o inverso tamb�m � verdadeiro: os fil�sofos que ignoram o que aprendemos sobre o mundo com a ci�ncia acabam sendo superficiais.
BBC Mundo - Para o senhor, o livro "A Ordem do Tempo" � muito especial porque "finge ser sobre f�sica, mas secretamente � o meu livro sobre o significado e a finitude da vida". Qual � o sentido da vida para Carlo Rovelli?
Rovelli - O sentido da vida para Carlo Rovelli � o que penso ser o sentido da vida para todos n�s: a rica combina��o de necessidades, desejos, aspira��es, ambi��es, ideais, paix�es, amor e entusiasmo, que surgem em v�rias medidas e em diferentes vers�es naturalmente de dentro de n�s. A vida � uma explos�o de significado.

Alguns projetaram o significado da vida fora de si mesmos e ficam desapontados ao perceber que havia algo ilus�rio em esperar que o significado viesse de fora.
Uma das minhas respostas favoritas a essa pergunta foi atribu�da a um antigo sioux [etnia ind�gena norte-americana]: o prop�sito da vida � abordar com uma can��o qualquer coisa que encontrarmos pela frente.
BBC Mundo - O senhor assinalou que na ci�ncia muitos erros s�o cometidos quando fingimos estarmos certos, quando na verdade muitas vezes n�o temos essa certeza toda. O novo coronav�rus trouxe muitas incertezas para nossas vidas. Como o senhor lidou com isso?
Rovelli - Eu tenho me esfor�ado n�o apenas para minimizar o risco para mim e para as pessoas que amo, mas tamb�m para minimizar meu pr�prio papel na dissemina��o da infec��o.
Mas sabendo bem que o risco foi e continua a ser real e que milh�es de pessoas morreram e ainda est�o morrendo, tenho em mente que isso ainda pode acontecer comigo e meus entes queridos.
Essa constata��o n�o deve ser motivo para p�nico, mas tamb�m n�o gosto de esconder a cabe�a na areia.
BBC Mundo - Que reflex�es o senhor fez nestes tempos desafiadores para milh�es de pessoas ao redor do mundo?
Rovelli - O que fico pensando � simples: n�o seria o momento de a humanidade trabalhar em conjunto, em vez de continuarmos a ficar uns contra os outros? O Ocidente est� construindo novos inimigos: China, Ir�, R�ssia...
N�o podemos viver de forma respeitosa e colaborativa, sem a necessidade de subjugar uns aos outros, de prevalecer sobre os outros, de vencer, em vez de cooperar para o bem comum?
A humanidade est� enfrentando uma pandemia, milh�es de mortes, desastres ambientais e ainda n�o conseguimos aprender a nos vermos como membros de uma �nica fam�lia, que � o que realmente somos.
A mec�nica qu�ntica � a descoberta de que a realidade � tecida por relacionamentos, mas permanecemos cegos para o fato de que prosperamos em rela��o aos outros, n�o uns contra os outros. Posso ser ing�nuo, mas � isso o que penso todos os dias quando vejo o notici�rio.
BBC Mundo - O senhor disse que gostou de ler "O Amor em Tempos do C�lera", de Gabriel Garc�a M�rquez, porque "nestes tempos sombrios, � bom ler sobre o amor verdadeiro". Voc� pode nos contar mais sobre o que gostou no livro?
Rovelli - � um livro cheio de gra�a e luz. Retrata as muitas formas de amar e partilhar, com um olhar que sorri diante de toda essa complexidade.

Uma forma de amor � a lealdade da personagem Fermina Daza ao marido. Outra � a intimidade e a amizade de Florentino Ariza com dezenas e dezenas de mulheres. Mas esse amor absoluto entre ele [Ariza] e ela [Daza] � uma bela forma de amor, que foi venerado e valorizado por d�cadas, at� que conseguiu florescer de forma maravilhosa quando os dois j� estavam mais velhos.
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