
Produzida operacionalmente a partir de julho de 1996 nos laborat�rios do Roslin Institute, da Universidade de Edimburgo (Esc�cia), sob a coordena��o do pesquisador Ian Wilmuth, a ovelha Dolly teve seu nascimento anunciado na revista Nature em 27 de fevereiro de 1997. O artigo cient�fico "imediatamente gerou enormes discuss�es ap�s ganhar as p�ginas dos principais meios de comunica��o do mundo", lembra o professor de p�s gradua��o em Bio�tica da Universidade de Bras�lia (UnB), Volnei Garrafa.
Em 1999, um estudo mostrou a tend�ncia da ovelha de desenvolver formas de envelhecimento precoce. Tr�s anos depois, em 2002, foi anunciado que Dolly estaria com uma doen�a pulmonar progressiva que, segundo alguns cientistas, seria um sinal de envelhecimento.
Em fevereiro de 2003, aos 6 anos, Dolly foi abatida, de forma a evitar que fosse acometida de uma morte sofrida por causa de infec��o pulmonar incur�vel. Seu corpo foi empalhado e encontra-se exposto no Museu Real da Esc�cia, localizado em Edimburgo.
Tentativas
Volnei Garrafa explica que Dolly foi o primeiro mam�fero clonado a partir de uma c�lula som�tica, j� diferenciada, retirada da gl�ndula mam�ria de uma ovelha adulta. Dolly foi o �nico exemplo de sucesso entre 277 tentativas fracassadas de obten��o de um "clone aparentemente normal", uma vez que as demais tentativas geraram embri�es com aberra��es.
"Em termos biol�gicos, foi retirado o n�cleo de uma c�lula da gl�ndula mam�ria de uma ovelha adulta e colocado no espa�o nuclear de outra c�lula tamb�m adulta; sob est�mulos, essa c�lula reproduziu-se dando origem a um embri�o que foi colocado no �tero da ovelha doadora", detalha o professor que � tamb�m presidente da Associa��o Internacional de Ensino da �tica (IAEE, sigla em ingl�s) e diretor de Assuntos Internacionais da Rede Latino-Americana e do Caribe de Bio�tica da Unesco (Redbio�tica).
Ele lembra que a repercuss�o desse fato "foi extraordin�ria no mundo todo", especialmente com cr�ticas � interpreta��o de que o ser humano estava "brincando de Deus".
Avan�os
O pesquisador explica que existem dois tipos de clonagem, fato geralmente desconhecido pelo p�blico leigo e que muda completamente a percep��o sobre a palavra, o que costuma gerar desconfian�a de modo geral.
"Al�m da clonagem reprodutiva, h� a clonagem terap�utica, que consiste no desenvolvimento da mesma t�cnica, mas cujo embri�o resultante n�o ir� ser colocado no �tero de um animal (ou de uma mulher) para gerar uma c�pia gen�tica similar, mas em um meio de cultura de laborat�rio", disse ele � Ag�ncia Brasil.
"Nesse meio, ocorrer� o desenvolvimento do embri�o (no caso denominado de quimera) at� um determinado momento – em geral at� o 8º dia, quando leva o nome de blast�mero, estrutura embriol�gica com 80 a 100 c�lulas chamadas de tronco-embrion�rias. Essas c�lulas jovens t�m a caracter�stica de ainda serem indiferenciadas, o que significa que, se utilizadas em transplantes celulares bem conduzidos cientificamente, poder�o se adaptar e se transformar em qualquer outro tipo de tecido do organismo animal ou humano", afirma.
Garrafa acrescenta que, atualmente, existem "incont�veis linhas de pesquisa" que utilizam a clonagem terap�utica para o desenvolvimento de estudos relacionados a diferentes tipos de doen�as, a partir da utiliza��o de c�lulas tronco-embrion�rias origin�rias da t�cnica de clonagem terap�utica.
"Al�m disso, para o futuro, a partir do controle biol�gico e �tico seguro das t�cnicas pode-se prever at� mesmo a cria��o de �rg�os para transplantes, embora os �rg�os sejam estruturas formadas por v�rios tecidos (epitelial, conjuntivo, muscular) o que gera maior complexidade t�cnica at� que se logre alcan�ar seu controle adequado", diz o professor, ao comentar que j� foram desenvolvidas t�cnicas para a cria��o em laborat�rio de tecidos, como o do m�sculo card�aco.
Clonagem humana
Entre as grandes preocupa��es que se tem, relativas ao uso de t�cnicas de clonagem, est� a possibilidade de ela ser utilizada para reprodu��o humana. Garrafa explica que "o recha�o �tico-moral" � quase un�nime nesse caso.
"N�o existe at� hoje seguran�a t�cnica de que um pesquisador interessado na clonagem reprodutiva humana n�o v� criar aberra��es biol�gicas. Mas minha reflex�o vai muito al�m da simples est�tica do ser produzido mas, especificamente, � manipula��o da intimidade da vida humana, ao pr�prio genoma da esp�cie, � organiza��o das nossas cerca de 30 mil cadeias decifradas e harm�nicas de DNA, fragilizando-nos como esp�cie com vistas ao futuro".
Com isso, as pesquisas t�m se restringido a algumas esp�cies animais. "Nesse sentido, j� s�o muitos – e com bons resultados – os estudos desenvolvidos, por exemplo, com gado, onde a clonagem constitui hoje uma t�cnica j� incorporada em v�rios lugares".
No Brasil, acrescenta o pesquisador, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecu�ria (Embrapa) desenvolve h� cerca de 20 anos esse tipo de trabalho, "inclusive no sentido do melhoramento gen�tico animal para consumo humano".
�tica
Volnei Garrafa lembra que na semana imediata � not�cia da exist�ncia de Dolly, em fevereiro de 1997, sem no��o sequer da exist�ncia de dois tipos b�sicos de uso da clonagem (reprodutiva e terap�utica), nove projetos de lei contr�rios a toda e qualquer iniciativa de clonagem foram registrados no Congresso Nacional, bloqueando ou atrasando pesquisas �ticas que j� vinham sendo desenvolvidas, especialmente no campo da gen�tica, em universidades do pa�s.
"Se a ci�ncia e a tecnologia, por um lado, n�o devem ser academicamente dominadoras, por outro n�o podem ser eticamente submissas de modo a aceitar proibi��es desmedidas. A ci�ncia � a busca do conhecimento e o seu desenvolvimento - desde que feito dentro de referenciais �ticos societariamente aceitos. J� a aplica��o pr�tica das descobertas, a tecnologia, essa sim deve ser controlada por meio de comit�s especializados de �tica e bio�tica", defende o professor.
Legisla��o
"O Congresso tem um quadro muito qualificado de assessores legislativos nas mais diferentes �reas que devem ser melhor utilizados. O que se v�, em geral, com rela��o �s proposi��es legislativas no campo biom�dico, e muito especialmente no campo da vida e da pr�pria reprodu��o humana, � uma mistura conservadora entre ci�ncia e religi�o".
Segundo Garrafa, nas democracias participativas modernas se requer que as legisla��es sejam constru�das positivamente, afirmativamente, proporcionando o direito � decis�o aut�noma de cidad�os e cidad�s com rela��o ao que desejam ou n�o para suas vidas.
De acordo com o professor de bio�tica, a �ltima lei que o Congresso Nacional aprovou com rela��o ao campo biotecnocient�fico foi a Lei de Biosseguran�a, em 2005.
"Apesar de ter proporcionado avan�os, [a Lei de Biosseguran�a] mistura tr�s temas diversos: o controle e uso de organismos geneticamente modificados, incluindo as c�lulas tronco-embrion�rias para pesquisas [objeto dessa nossa entrevista e seu uso nas pesquisas com clonagem terap�utica], a cria��o do Conselho Nacional de Biosseguran�a e a reestrutura��o da Comiss�o T�cnica Nacional de Biosseguran�a", disse o pesquisador.