
No esfor�o mundial para reduzir as emiss�es de gases de efeito estufa, a fonte de nossos alimentos est� ganhando destaque.
H� uma boa raz�o para isso: a agricultura � respons�vel por 16% a 27% das emiss�es do aquecimento global causadas pela a��o do homem.
Mas muitas dessas emiss�es n�o s�o de di�xido de carbono (CO2), o conhecido vil�o da mudan�a clim�tica. S�o de outro g�s: �xido nitroso (N2O).
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Tamb�m conhecido como g�s hilariante, o N2O n�o recebe a aten��o que merece, diz David Kanter, pesquisador de polui��o de nutrientes na Universidade de Nova York, nos EUA, e vice-presidente da International Nitrogen Initiative, organiza��o focada em pesquisa e formula��o de pol�ticas de combate � polui��o por nitrog�nio.
"� um g�s de efeito estufa esquecido", afirma.
No entanto, mol�cula por mol�cula, o N2O � cerca de 300 vezes mais potente que o di�xido de carbono no aquecimento da atmosfera.E, assim como o CO2, tem vida longa, passando em m�dia 114 anos no c�u antes de se desintegrar. Tamb�m destr�i a camada de oz�nio.
De fato, o impacto clim�tico do g�s hilariante n�o � uma piada.
Cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudan�as Clim�ticas (IPCC, na sigla em ingl�s) estimaram que o �xido nitroso corresponde a cerca de 6% das emiss�es de gases de efeito estufa, e cerca de tr�s quartos dessas emiss�es de N2O s�o provenientes da agricultura.
Mas, apesar de sua importante contribui��o para a mudan�a clim�tica, as emiss�es de N2O foram amplamente ignoradas pelas pol�ticas clim�ticas.
E o g�s continua a se acumular.
Uma revis�o de 2020 das fontes e sumidouros de �xido nitroso mostrou que as emiss�es aumentaram 30% nas �ltimas quatro d�cadas — e est�o excedendo praticamente todos os potenciais cen�rios de emiss�es mais elevadas descritos pelo IPCC.
O solo agr�cola — sobretudo por causa do uso intensivo de fertilizantes sint�ticos � base de nitrog�nio no mundo — � o principal culpado.
Hoje, os cientistas est�o buscando v�rias maneiras de tratar o solo ou ajustar as pr�ticas agr�colas para reduzir a produ��o de N2O.
"Qualquer coisa que possa ser feita para melhorar a efici�ncia do uso de fertilizantes seria importante", diz Michael Castellano, agroecologista e cientista do solo da Universidade Estadual de Iowa, nos EUA.
Desequil�brio de nitrog�nio
A humanidade desequilibrou o ciclo de nitrog�nio da Terra.

Antes do surgimento da agricultura moderna, a maior parte do nitrog�nio dispon�vel nas fazendas vinha de compostos, esterco e micr�bios fixadores de nitrog�nio que pegam o g�s nitrog�nio (N2) e o convertem em am�nia, um nutriente sol�vel que as plantas podem absorver pelas ra�zes.
Isso tudo mudou no in�cio dos anos 1900 com o lan�amento do processo Haber-Bosch, que oferecia um m�todo industrial para produzir grandes quantidades de fertilizante � base de am�nia.
Essa abund�ncia de fertilizantes sint�ticos impulsionou a produ��o agr�cola e ajudou a alimentar as pessoas em todo o mundo, mas esse excedente de nitrato e am�nia vem com custos ambientais.
A produ��o de fertilizantes � base de am�nia � respons�vel por cerca de 1% de todo o uso global de energia — e por 1,4% das emiss�es de CO2 (o processo requer aquecer o g�s nitrog�nio e submet�-lo a press�es de at� 400 atm, portanto, consome muita energia).
Mais importante, o fertilizante leva ao aumento das emiss�es de �xido nitroso porque os agricultores tendem a aplicar o nitrog�nio em seus campos algumas vezes em grandes quantidades durante o ano, e as lavouras n�o conseguem usar tudo.
Quando as ra�zes das plantas n�o absorvem o fertilizante, parte dele escoa do campo e polui os cursos de �gua.
O que resta � consumido por uma sucess�o de micr�bios do solo que convertem a am�nia em nitrito, depois em nitrato e, finalmente, de volta ao g�s N2.
O N2O � produzido como um subproduto em alguns pontos durante este processo.
Aplicar fertilizantes com cuidado na hora que as plantas realmente precisam ou encontrar maneiras de manter a produ��o agr�cola com menos fertilizantes nitrogenados reduziria essas emiss�es de N2O.
Os cientistas est�o analisando v�rias maneiras de fazer isso.
Uma estrat�gia que est� sendo investigada � usar t�cnicas de agricultura de precis�o que adotam tecnologia de sensoriamento remoto para determinar onde e quando adicionar nitrog�nio aos campos, e em que quantidade.
Outra � usar inibidores de nitrifica��o, produtos qu�micos que suprimem a capacidade dos micr�bios de transformar a am�nia em nitrato, impedindo a cria��o de N2O e mantendo o nitrog�nio no solo para ser usado pelas plantas por um per�odo de tempo mais longo.
A ampla ado��o destas duas pr�ticas reduziria as emiss�es de �xido nitroso em cerca de 26% de sua trajet�ria atual at� 2030, de acordo com uma estimativa de 2018 feita por pesquisadores do Instituto Internacional de An�lise de Sistemas Aplicados na �ustria.
Mas os autores dizem que ser� necess�rio mais do que isso para ajudar a atingir as metas de gases do efeito estufa, como as estabelecidas no Acordo de Paris.
Portanto, os cientistas est�o explorando estrat�gias adicionais.
Solu��es de solo

Uma op��o envolve aproveitar o potencial de certos micr�bios para fornecer nitrog�nio diretamente �s plantas, da mesma forma que as bact�rias fixadoras de nitrog�nio j� fazem em parceria com o feij�o, amendoim e outras leguminosas.
"H� realmente uma mina de ouro vivendo no solo", diz Isai Salas-Gonz�lez, bi�logo computacional, que recentemente terminou seu doutorado na Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, e escreveu um artigo sobre o microbioma vegetal publicado neste ano na revista acad�mica Annual Review of Microbiology.
Nessa linha, desde 2019 a empresa Pivot Bio comercializa um produto microbiano chamado Pivot Bio Proven que, segundo eles, forma uma simbiose com as ra�zes das lavouras depois que um inoculante � derramado nos sulcos onde as sementes de milho s�o plantadas. (A empresa planeja lan�ar produtos semelhantes para sorgo, trigo, cevada e arroz.)
Os micr�bios fornecem nitrog�nio aos poucos, em troca de a��cares liberados pela planta, reduzindo a necessidade de fertilizantes sint�ticos, diz Karsten Temme, presidente-executivo da Pivot Bio.
Temme conta que os cientistas da empresa criaram o inoculante ao isolar uma cepa da bact�ria Kosakonia sacchari que j� tinha capacidade de fixar nitrog�nio em seu genoma, embora os genes em quest�o n�o fossem naturalmente ativos sob as condi��es do campo.
Usando a tecnologia de edi��o de genes, os cientistas foram capazes de reativar um conjunto de 18 genes para que a bact�ria produza a enzima nitrogenase, mesmo na presen�a de fertilizante sint�tico.
"N�s as induzimos a come�ar a produzir essa enzima", diz Temme.
Steven Hall, biogeoqu�mico da Universidade Estadual de Iowa, est� testando agora o produto em grandes cont�ineres do tamanho de uma ca�amba de lixo com milho sendo cultivado neles.
Os pesquisadores aplicam o inoculante, junto a diferentes quantidades de fertilizante sint�tico, no solo e medem as safras de milho, a produ��o de �xido nitroso e a quantidade de nitrato que � liberado da base dos cont�ineres.
Embora os resultados do teste ainda n�o tenham sido divulgados, Hall diz que h� "um bom embasamento inicial" para a hip�tese de que os micr�bios reduzem a necessidade de fertilizantes, diminuindo assim as emiss�es de �xido nitroso.
Plantio direto
Mas alguns cientistas do solo e microbi�logos s�o c�ticos quanto a uma r�pida solu��o microbiana.

"Biofertilizantes" como esses t�m um sucesso relativo, dependendo do solo e do ambiente em que s�o aplicados, diz Tolu Mafa-Attoye, estudante de p�s-gradua��o em microbiologia ambiental na Universidade de Guelph, no Canad�.
Em um estudo de campo de trigo, por exemplo, inocular as safras com micr�bios ben�ficos aumentou o crescimento das plantas, mas resultou em colheitas apenas ligeiramente maiores.
As inc�gnitas s�o abundantes, escreveram em fevereiro os colegas de Mafa-Attoye da Universidade de Guelph na revista acad�mica Frontiers in Sustainable Food Systems — como, por exemplo, se os micr�bios v�o afetar negativamente a ecologia do solo ou se v�o ser superados por micr�bios nativos.
Em vez de adicionar um micr�bio, pode fazer mais sentido encorajar o crescimento de micr�bios desej�veis %u200B%u200Bque j� existem no solo, diz Caroline Orr, microbi�loga da Teesside University, no Reino Unido.
Ela descobriu que reduzir o uso de pesticidas levou a uma comunidade microbiana mais diversa e a uma maior quantidade de fixa��o natural de nitrog�nio.
Al�m disso, a produ��o de �xido nitroso � influenciada pela disponibilidade de carbono, oxig�nio e nitrog�nio — e todos s�o afetados pelo ajuste do uso de fertilizantes, irriga��o e ara��o.
Veja, por exemplo, o ato de arar a terra. Uma an�lise de mais de 200 estudos mostrou que as emiss�es de �xido nitroso aumentaram nos primeiros 10 anos depois que os agricultores pararam ou reduziram o h�bito de arar suas terras. Mas depois disso, as emiss�es ca�ram.
Johan Six, coautor da an�lise e agroecologista do Instituto Federal de Tecnologia (ETH) de Zurique, na Su��a, acredita que � porque no come�o os solos estavam em um estado fortemente compactado ap�s anos de equipamentos passando por cima deles.
Com o tempo, por�m, o solo n�o perturbado forma uma estrutura semelhante a migalhas de biscoito que permite que mais ar entre.
E em ambientes com alto teor de oxig�nio, os micr�bios produzem menos �xido nitroso.
Esses sistemas de plantio direto tamb�m resultam em mais armazenamento de carbono porque menos ara��o significa convers�o reduzida de carbono org�nico em CO2 — proporcionando, assim, um benef�cio adicional para o clima.
Pode at� ser poss�vel para os agricultores economizar dinheiro em fertilizantes e �gua e reduzir as emiss�es, mantendo a produtividade.
Em uma pesquisa em fazendas de tomate no Vale Central da Calif�rnia, Six descobriu que terrenos de estudo com preparo reduzido do solo e um sistema de irriga��o por gotejamento que liberava nitrog�nio lentamente para as plantas — diminuindo a quantidade de nutrientes acumulados no solo — as emiss�es de N2O foram reduzidas em 70%, em compara��o com terrenos gerenciados de forma convencional.
O agricultor que implementou essas mudan�as tamb�m foi compensado por sua redu��o de gases de efeito estufa por meio do programa estadual de cap-and-trade (quando os limites de emiss�o de um setor podem ser negociados entre as empresas, criando cr�ditos de carbono para aquelas que reduzirem as suas emiss�es).
Com os incentivos certos, convencer os agricultores a reduzir suas emiss�es pode n�o ser t�o dif�cil, diz Six.
No estado americano do Missouri, o agricultor Andrew McCrea cultiva 2.000 acres de milho e soja em sistema de plantio direto.
Neste ano, ele planeja reduzir o uso de fertilizantes e ver se o inoculante da Pivot Bio pode manter sua produ��o mais ou menos igual.
"Acho que todos os agricultores certamente se preocupam com o solo", diz ele.
"Se pudermos cortar custos, tamb�m ser� �timo."
E se os formuladores de pol�ticas p�blicas se voltarem para o combate ao �xido nitroso, haver� grandes benef�cios para todos n�s, afirma Kanter, da Universidade de Nova York.
Alguns deles poderiam ser mais r�pidos e tang�veis do que o combate �s mudan�as clim�ticas.
As mesmas medidas que reduzem os n�veis de N2O tamb�m diminuem a polui��o do ar e da �gua local, assim como as perdas de biodiversidade.
"S�o coisas que as pessoas v�o ver e sentir imediatamente", afirma Kanter, "em anos, ao inv�s de d�cadas ou s�culos."
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Este artigo foi publicado originalmente na Knowable Magazine, e foi republicado pela BBC Future com permiss�o.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.
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