
Quando iniciou seu doutorado nos Estados Unidos, o cosm�logo Pedro Bernardinelli, de 27 anos, n�o esperava encontrar cometas. "A ideia n�o era essa. O que aconteceu foi sorte mesmo", diz. Em abril deste ano, ele encontrou um enorme astro em uma tabela cheia de dados sobre objetos espalhados pelo Universo. Mas n�o apenas isso: era o maior cometa conhecido pela humanidade, cerca de 2,5 vezes maior que o detentor do recorde anterior.
O novo astro j� tinha sido detectado pela primeira vez em 2014, mas havia poucos informa��es sobre ele. At� este ano, ele era apenas um pontinho luminoso em milhares de fotos do c�u tiradas por telesc�pios que observam o universo. Por isso levava a alcunha provis�ria, um n�mero. Agora, a partir da an�lise do brasileiro, sabemos que ele tem cerca de 4,5 bilh�es de anos e um di�metro de 150 km (dist�ncia entre Rio de Janeiro e Cabo Frio ou S�o Paulo e Bertioga), o maior j� registrado.

Ele tamb�m est� vindo na dire��o da Terra, mas n�o h� com o que se preocupar. Os dados mostram que o cometa chegar� ao ponto mais pr�ximo do Sol em janeiro de 2031, e, ainda assim, ser� a uma dist�ncia de 11 UAs (cerca de 1,5 bilh�es de quil�metros, pr�ximo da �rbita de Saturno).
"Uma piada que costumo contar: falar que esse objeto est� vindo na dire��o da Terra n�o � errado, porque ele realmente est�. Mas � a mesma coisa que falar que, toda vez que recebo meu sal�rio, minha fortuna chega perto da fortuna do Silvio Santos. Tecnicamente est� certo, mas n�o quer dizer que vai chegar l�", brinca o cosm�logo.
O brasileiro integra o Dark Energy Survey (DES), uma iniciativa com estudantes de universidades de oito pa�ses, incluindo o Brasil. De maneira colaborativa, o objetivo do grupo "� mapear centenas de milh�es de gal�xias, detectar supernovas e encontrar padr�es de estrutura c�smica que podem revelar a natureza da energia escura que est� acelerando a expans�o do Universo", segundo site da iniciativa.
Segundo o DES, o cometa descoberto pelo brasileiro � "cerca de 1000 vezes mais massivo do que um cometa t�pico, tornando-o indiscutivelmente o maior cometa descoberto nos tempos modernos".
Descoberta 'por acaso'

O doutorado e o projeto de pesquisa de Bernardinelli tinham outro foco: medir o tamanho de gal�xias e a influ�ncia da mat�ria escura no Universo.
Mas em uma an�lise com dados reunidos nos �ltimos seis anos, ele e outros colegas come�aram a encontrar alguns "objetos transnetunianos", astros que est�o al�m da �rbita de Netuno, o oitavo planeta do Sistema Solar.
"A grande gra�a desses objetos � que eles s�o uma esp�cie de entulho da forma��o do Sistema Solar, s�o os restos que foram chutados para longe. Vale muito a pena estud�-los porque, com eles, � poss�vel reconstruir a hist�ria do Sistema Solar", diz.
Neste ano, Bernardinelli se deparou com um cometa maior e um pouco mais pr�ximo do que Netuno enquanto analisava uma tabela com milhares de n�meros que representam astros detectados em imagens feitas por telesc�pios.
"Foi pura sorte, um acaso. Ele estava bem no limite do que era poss�vel recuperar com os dados. Foi bem �bvio que era algo diferente", conta.
O cometa logo chamou aten��o da comunidade de cosm�logos por ser um t�pico astro vindo da Nuvem de Oort, uma regi�o nos confins do Sistema Solar (depois de Urano e Netuno) e supostamente ocupada por bilh�es de objetos que orbitam o Sol.
As �rbitas desses astros s�o consideradas "exc�ntricas": elas podem chegar muito perto do Sol e, em seguida, ficar extremamente distantes. A maioria dos cometas de ciclo longo, vindos da Nuvem de Oort, leva milhares e at� milh�es de anos para completar essa volta em torno da estrela.
No ano passado, um cometa chamado C/2002 F3 (Neowise), vindo da Nuvem de Oort, p�de ser visto da Terra durante o ver�o no hemisf�rio Norte. Foi uma oportunidade �nica, pois ele s� passar� novamente pelo planeta daqui a 6,8 mil anos.
J� o Bernardinelli-Bernstein, com uma orbita "achatada", tem um caminho ainda mais demorado. "Sabemos que ele teve uma passagem dentro do Sistema Solar h� cerca de 3,5 milh�es de anos e que objetos como ele foram chutados para a Nuvem de Oort h� 4,5 bilh�es de anos. Ent�o estimamos que ele tenha essa idade", diz o cientista.
O cometa ter� seu peri�lio (momento em que chega mais pr�ximo do Sol) em 21 de janeiro de 2031. "� quando ele fica mais brilhante para quem est� observando da Terra", diz Pedro Bernardinelli.
Esse per�odo de dez anos para o peri�lio � um ponto positivo da descoberta, segundo o cosm�logo. "A gente pegou esse objeto muito distante do Sol, e isso n�o � sempre que acontece. A gente ainda n�o entende o que os cometas fazem quando est�o muito longe do Sol. Temos dez anos para monitor�-lo, � uma oportunidade incr�vel", diz.
A partir de 2023, um observat�rio chamado LSST (Large Synoptic Survey Telescope), no Chile, cujo objetivo � achar objetos no Universo, passar� a tirar fotos do c�u inteiro a cada tr�s dias. Para o cientista brasileiro, a iniciativa ajudar� a entender melhor o cometa que leva seu nome. "A melhor maneira de descrever � que teremos uma foto dele a cada tr�s dias, teremos um filme dele se mexendo pelo Universo", explica.

Trabalho 'chat�ssimo'
Pedro Bernardinelli nasceu em Itaquera e cresceu na Vila Matilde, ambos na periferia da zona leste de S�o Paulo. "Quando chegou o vestibular, eu gostava de f�sica e computadores, ent�o escolhi F�sica, porque aliava os dois", conta.
Ele entrou na USP e se formou em 2015. J� durante a gradua��o, quando come�ou a estudar o Universo, um professor o convenceu a pular o mestrado e tentar uma bolsa de doutorado em alguma universidade dos Estados Unidos. Conseguiu na Universidade da Pensilv�nia, onde passou a integrar o Dark Energy Survey.
O trabalho de um cosm�logo em si, diz o cientista, pode ser bastante entediante. Portanto, n�o � verdadeira aquela imagem de uma pessoa comum que descobre um cometa que vai destruir a Terra olhando por um telesc�pio na janela de casa (como no filme-cat�strofe Impacto Profundo).
"N�o � assim que funciona. Na verdade voc� fica dias e dias olhando tabelas com milhares de n�meros e tenta encontrar alguma coisa ali. O trabalho � basicamente processar dados em um supercomputador", diz.
Aconteceu assim com o pr�prio cometa Bernardinelli-Bernstein. "Depois da tabela, o processo de verifica��o foi essencialmente ficar horas e horas olhando imagens em preto e branco com uma bolinha bem fraca no meio para ver o que era esse objeto", explica.
"Isso � uma coisa chat�ssima. Eu tinha que parar a cada meia hora, abrir a janela para descansar a vista, j� estava vendo tudo em preto e branco", conta.
Nos �ltimos meses, Bernardinelli iniciou um p�s-doutorado na Universidade de Washington, em Seattle. Agora, pretende estudar melhor o cometa que leva seu nome. H� muitas coisas a descobrir, diz.
"Ainda n�o entendemos o que os cometas fazem longe do Sol. Estamos interessados em saber quais s�o os processos que ocorrem na superf�cie desses objetos, como o derretimento do gelo quando h� aproxima��o do Sol", explica.
O cosm�logo e outros cientistas tamb�m querem saber quantos desses astros existem. "Esse � o primeiro cometa desse tamanho j� visto. Mas ele � �nico ou h� outros? Qual � a popula��o desses objetos no Sistema Solar?", questiona.
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