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Estado de Minas TECNOLOGIA

Como reconhecimento facial � usado para identificar mortos na Ucr�nia

"O sistema funciona como o Google. Mas em vez de colocar palavras, o usu�rio coloca uma foto de um rosto", explica a empresa que ofereceu a tecnologia ao governo ucraniano.


14/04/2022 09:27 - atualizado 15/04/2022 15:25


Uma mulher na Ucrânia chora abraçando o caixão de um familiar morto
O uso do Clearview pelo governo ucraniano levantou quest�es sobre trazer essa poderosa ferramenta para uma guerra (foto: Getty Images)

No m�s passado, uma pol�mica empresa de reconhecimento facial, a Clearview AI, anunciou que havia entregado sua tecnologia ao governo ucraniano.

A BBC teve acesso a evid�ncias de como est� sendo usado em mais de mil casos para identificar pessoas vivas ou mortas.

Esta reportagem cont�m descri��es gr�ficas que podem perturbar alguns leitores.

Um homem jaz im�vel no ch�o, com a cabe�a abaixada. Seu corpo est� nu, exceto por cuecas boxer Calvin Klein. Seus olhos est�o cercados pelo que parecem ser hematomas.

O corpo foi encontrado em Kharkiv, no leste da Ucr�nia. A BBC viu fotos dos restos mortais do homem, mas n�o sabemos as circunst�ncias da morte.

H� evid�ncias claras de traumatismo craniano. O homem tamb�m tinha uma tatuagem no ombro esquerdo.

As autoridades ucranianas n�o sabiam quem era a v�tima e recorreram a uma tecnologia de ponta: o reconhecimento facial usando intelig�ncia artificial.

O sistema de reconhecimento facial da empresa Clearview AI � o mais famoso - e pol�mico - do mundo.

A empresa coletou bilh�es de fotos de m�dias sociais, de sites como Facebook e Twitter, para criar um enorme banco de dados. Seu presidente e fundador, Hoan Ton-That, chama isso de "mecanismo de busca de rostos".

"Ele funciona como o Google. Mas em vez de colocar palavras, o usu�rio coloca uma foto de um rosto no campo de busca", explica Ton-That.

A empresa enfrentou v�rios desafios legais. Facebook, YouTube, Google e Twitter enviaram avisos � Clearview pedindo que pare de usar imagens de seus sites. O Gabinete do Comiss�rio de Informa��o do Reino Unido chegou a multar a empresa por n�o informar os usu�rios sobre a coleta de suas fotos pessoais.

Na Ucr�nia

O uso da Clearview pelo governo ucraniano levantou quest�es sobre as implica��es de trazer essa poderosa ferramenta para uma guerra.


Hoan Ton-That
Hoan Ton-That � o fundador da Clearview AI (foto: BBC)

Clearview � usado extensivamente, embora de forma controversa, por autoridades nos EUA. Ton-That diz que 3,2 mil ag�ncias governamentais compraram ou experimentaram a tecnologia.

Ap�s a invas�o russa da Ucr�nia, o fundador da empresa viu outra aplica��o para sua tecnologia.

"Vimos imagens de prisioneiros de guerra, de pessoas fugindo, e pensamos que nossa tecnologia poderia ser �til para identifica��o de pessoas e verifica��o", diz ele.

Ton-That disponibilizou seu mecanismo de busca ao governo ucraniano, e a oferta foi aceita.

De volta a Kharkiv, as autoridades tiraram uma fotografia do rosto do morto: com a cabe�a erguida e os olhos fundos voltados para a c�mera. Eles ent�o verificaram a imagem no banco de dados Clearview. A busca revelou v�rias fotos de algu�m muito parecido com o morto.

Uma foto havia sido tirada no que parecia ser um dia quente. O homem estava sem camisa e tinha uma tatuagem no ombro esquerdo, assim como o cad�ver. A busca deu certo e as autoridades descobriram o nome do morto.

Antecedentes

Usar o reconhecimento facial para identificar mortos n�o � novidade, e a Clearview n�o � a �nica plataforma usada para esse fim na Ucr�nia.

"Usamos esse material h� anos", diz Aric Toler, diretor de investiga��es da Bellingcat, uma organiza��o especializada em jornalismo investigativo.

Em 2019, a Bellingcat usou a tecnologia de reconhecimento facial para ajudar a identificar um homem russo que filmou a tortura e o assassinato de um prisioneiro na S�ria.

A guerra na Ucr�nia n�o � a primeira vez que a tecnologia de reconhecimento facial � usada em um conflito.

Mas na Ucr�nia seu uso tem sido mais difundido do que em qualquer conflito anterior.

Toler disse � BBC que usa a plataforma de reconhecimento facial FindClone na R�ssia, que tem sido particularmente �til na identifica��o de soldados russos mortos.


Soldado ucraniano
"� importante que as for�as ucranianas reconhe�am que esta n�o � uma maneira 100% precisa de determinar se algu�m � seu amigo ou inimigo", adverte Conor Healy (foto: Getty Images)

Assim como o Clearview, o FindClone combina imagens da Internet publicamente dispon�vel, incluindo p�ginas de m�dia social russas. � poss�vel encontrar at� mesmo pessoas que n�o possuem contas nesses sites.

"Eles podem n�o ter um perfil de m�dia social, mas suas esposas ou namoradas t�m. Ou talvez morem em uma cidade pequena com uma grande base militar e tenham muitos amigos em sua unidade com contas", explica Toler.

Este �ltimo ponto � fundamental para entender o poder da tecnologia de reconhecimento facial.

Isso significa que mesmo uma pessoa nunca teve um perfil de m�dia social pode ser encontrada. Ao aparecer em uma foto enviada por um amigo ou simplesmente por estar no fundo de uma imagem aleat�ria na internet, ela j� est� no banco de dados.

Mesmo o pessoal militar ou de seguran�a, que tem pouca presen�a na Internet, pode ser rastreado.

Uma quest�o de precis�o

Os cr�ticos do reconhecimento facial apontam que a tecnologia n�o � infal�vel e que, em tempos de guerra, erros podem ter consequ�ncias desastrosas.

A Clearview n�o est� senda usada apenas para identificar cad�veres na Ucr�nia. A empresa tamb�m confirmou que estava sendo usada pelo governo ucraniano em postos de controle para ajudar a identificar supostos inimigos.

A Clearview mostrou � BBC um e-mail de uma ag�ncia ucraniana confirmando que o sistema est� sendo usado para identificar pessoas vivas.

"Este sistema nos deu a oportunidade de confirmar rapidamente a precis�o dos dados sobre suspeitos detidos", diz o e-mail de um funcion�rio ucraniano que n�o quis ser identificado.

"Durante o uso da Clearview, mais de mil consultas foram realizadas para verifica��o e identifica��o adequadas", diz o e-mail.

Isso preocupa alguns analistas.


Ilustração de um rosto sendo identificado digitalmente
Mesmo que uma pessoa nunca tenha tido um perfil de m�dia social, ela ainda pode ser encontrada por ferramentas como a Clearview (foto: Getty Images)

Conor Healy � especialista em reconhecimento facial do IPVM, organiza��o que monitora a tecnologia de seguran�a.

"� importante que as for�as ucranianas reconhe�am que esta n�o � uma maneira 100% precisa de determinar se algu�m � seu amigo ou inimigo", diz Healy.

"Essa n�o pode ser uma tecnologia de vida ou morte, em que voc� passa ou n�o passa, onde voc� pode ser preso ou — Deus me livre — at� mesmo morto. N�o � assim que isso deve ser usado."

Outros analistas fazem alertas ainda mais fortes. Albert Fox Cahn, do grupo de vigil�ncia Surveillance Technology Oversight Project, fala de "uma cat�strofe de direitos humanos em forma��o".

"Quando erros s�o cometidos com o reconhecimento facial em tempos de paz, as pessoas s�o presas por engano. Quando erros s�o cometidos com essa tecnologia em uma zona de guerra, pessoas inocentes s�o mortas", disse Fox Cahn � revista Forbes.

A BBC entrou em contato com o governo ucraniano para discutir o uso da Clearview, mas n�o recebeu resposta.


Pessoas em uma multidão sendo identificadas por tecnologia de reconhecimento facial
A Clearview n�o obteve consentimento de empresas de m�dia social, ou de qualquer outra pessoa, para coletar imagens pessoais (foto: Getty Images)

Ton-That defende a tecnologia de sua empresa, dizendo que ela tem uma precis�o comprovada de mais de 99%.

No entanto, essa precis�o depende muito da qualidade da imagem, da posi��o da cabe�a ou se o rosto est� coberto, por exemplo, com uma m�scara.

H� tamb�m a quest�o da privacidade, que tem sido problem�tica para a Clearview nos EUA e na Europa. A empresa extrai imagens publicamente dispon�veis de Facebook e Instagram para construir seu banco de dados.

Mas a empresa nunca obteve consentimento das empresas de m�dia social, ou de qualquer outra pessoa, para coletar essas imagens. Voc� que est� lendo este artigo quase certamente est� presente no banco de dados, embora provavelmente n�o tenha dado permiss�o ao Clearview para usar sua imagem.

No ano passado, o Gabinete do Comiss�rio de Informa��o do Reino Unido multou a Clearview por n�o informar �s pessoas que estava coletando suas fotos pessoais em plataformas de m�dia social.

Ton-That aceita que a legalidade da tecnologia de reconhecimento facial ainda est� sendo debatida, mas acredita que a Clearview est� operando dentro da lei e diz que a tecnologia � "mal-interpretada".

No entanto, a tecnologia de reconhecimento facial claramente tem aplica��es dist�picas. Em novembro do ano passado, a BBC informou que a China planejava usar a tecnologia de reconhecimento facial contra jornalistas.

Ton-That diz que Clearview n�o permitiria tais buscas. Ele tamb�m garante que sua empresa n�o trabalha com governos autorit�rios e n�o trabalharia com a R�ssia.

No entanto, a tecnologia da Clearview pode ser aplicada em um contexto militar.

No ano passado, por exemplo, a empresa assinou um contrato com o Pent�gono para explorar a possibilidade de incorporar sua tecnologia em �culos de realidade aumentada.

E a Clearview � apenas uma das v�rias empresas com contratos militares para o desenvolvimento de intelig�ncia artificial de reconhecimento facial.

Os defensores da privacidade tamb�m t�m outra preocupa��o. A tecnologia de reconhecimento facial pode ser �til para as autoridades ucranianas em tempos de guerra. Mas eles devolver�o a tecnologia � Clearview em tempos de paz?

"H� muitos exemplos de tecnologias sendo introduzidas em tempos de guerra e persistindo em tempos de paz", diz Healy.

"Espero que essa n�o seja a abordagem que eles adotam."

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