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Estado de Minas CIENCIA

Quem realmente descobriu o Polo Norte?

Robert Peary reivindicou a descoberta do Polo Norte em 1909, mas ele n�o estava sozinho %u2014 e talvez sem Matthew Henson, um explorador negro cujo nome foi por muito tempo esquecido, n�o teria se aventurado t�o ao norte.


30/04/2023 16:05 - atualizado 01/05/2023 22:26


Matthew Henson
(foto: Nelly George/Alamy)

No condado de Montgomery — no Estado americano de Maryland, perto da capital, Washington D.C. — fica um parque de 47 hectares chamado Matthew Henson State Park Stream Valley Park.

� um o�sis florestal arborizado, rodeado pela expans�o metropolitana.

Assim que voc� entra, o ru�do do tr�fego desaparece. O gramado e as �rvores s�o tudo o que os seus frequentadores conseguem ver, seja caminhando, correndo ou andando de bicicleta.

Uma trilha pavimentada de quase 7 km serpenteia suavemente pela floresta, at� chegar a uma passarela de madeira elevada sobre um terreno pantanoso. P�ssaros cantam sobre nossas cabe�as, e � poss�vel observar os cervos e perus selvagens.

Voc� pode andar por essa trilha todos os dias sem nunca saber quem foi Matthew Henson, que d� nome ao parque — a menos que voc� tenha parado para ler uma placa ao longo da trilha que apresenta uma breve cronologia da vida dele:

1866: nasceu no condado de Charles, em Maryland.

1879-1884: integra a tripula��o do navio Katie Hines como grumete e sai para explorar o mundo.

1887: auxilia Robert E. Peary na pesquisa para a poss�vel constru��o de um canal na Nicar�gua.

At� que, no meio da linha do tempo, surge um detalhe surpreendente:

1909: chega com Peary ao Polo Norte, onde hasteia a bandeira americana.

No alto da placa, h� uma fotografia de Henson envolto em peles e coberto com capuz. Ele tem um bigode espesso, e sua testa est� um pouco franzida.

A apar�ncia dele se encaixa no arqu�tipo do explorador polar em todos os aspectos, exceto um: Henson era negro.

"Quando crian�a, no meu tempo de escola, nunca ouvi falar de Matthew Henson", afirma J. R. Harris, que tamb�m � cidad�o afro-americano e integra o conselho de administra��o do Clube dos Exploradores de Nova York, que inspirou alguns dos maiores aventureiros do mundo.

"Muita gente acha que Matthew Henson era algu�m que eu admirava no passado, mas n�o � verdade", ele conta.

"Tudo o que eu aprendi foi que o Polo Norte foi descoberto por Robert Peary."


Viajantes em navio
Henson nasceu em uma fam�lia de meeiros e viajou pelo mundo como grumete, at� partir rumo ao Polo Norte (foto: Everett Collection Inc/Alamy)

A vida de Henson parece um romance de aventuras da era vitoriana.

Ele nasceu em uma fam�lia de meeiros e teve diversos empregos, at� que entrou para a tripula��o de um navio mercante e viajou para outros continentes.

Seu primeiro mentor foi o Capit�o Childs, que treinou o adolescente Henson para a vida no mar e o ensinou a ler. Quando Childs morreu, em 1883, Henson voltou a enfrentar dificuldades para ganhar a vida, at� que conheceu Robert Peary, em 1887.

Os caminhos deles se cruzaram pela primeira vez em um armarinho em Washington D.C. , onde Henson trabalhava. O comandante Peary, engenheiro da Marinha americana, ficou impressionado com o jovem estoquista e convidou Henson a ser seu assistente em uma miss�o de pesquisa na Nicar�gua, naquele mesmo ano.

A fase crucial da carreira de Henson come�ou em 1891, quando ele acompanhou Peary ao C�rculo Polar �rtico em busca do Polo Norte, e duraria 18 anos.

A miss�o para alcan�ar fisicamente o ponto mais ao norte da Terra atraiu exploradores por s�culos, muitos deles cultivando a fantasia de ficar de p� no topo do planeta. Mas o clima rigoroso do Polo e os blocos de gelo que destru�am os navios afugentavam os visitantes humanos — at� os povos do �rtico.

Peary se firmou como o principal l�der dessas expedi��es, arrecadando dinheiro e formando equipes. E Henson acompanhou Peary em todas as viagens, exceto uma, passando anos da sua vida em campo.

Na Groenl�ndia, Henson ficou pr�ximo dos inughuits, a popula��o que mora mais ao norte do continente americano — e que faz parte do povo inuit. Ele aprendeu a construir iglus e tren�s, al�m de ter ficado fluente no seu idioma, o inuktun.

Henson ca�ava animais polares com espingarda — uma t�cnica que podia salvar vidas quando os mantimentos ficavam escassos. E, o mais impressionante, ele aprendeu a dirigir tren�s puxados por c�es.

"Ele dirige as matilhas e conduz os tren�s melhor do que qualquer homem vivo, exceto alguns dos melhores ca�adores [inuits]", escreveu Peary sobre Henson.

"Eu n�o conseguiria me manter sem ele."

Ao longo de sete tentativas entre 1891 e 1909, Henson foi o colaborador mais pr�ximo de Peary.


Robert Peary e viajantes
Robert Peary convidou Henson a acompanh�-lo em sua jornada para o C�rculo Polar �rtico (foto: Niday Picture Library/Alamy)

O �rtico era implac�vel. Os dois quase congelaram ou morreram de fome em v�rias ocasi�es.

Peary perdeu v�rios dedos dos p�s devido ao frostbite (congelamento de tecido do corpo). E, certa vez, Henson caiu em uma fratura no gelo e teria se afogado, caso seu amigo inuit Ootah n�o o puxasse para fora da �gua congelante. Eles enfrentaram tempestades catastr�ficas e problemas t�cnicos intermin�veis.

Os dois aprimoraram o processo de trabalho repetidamente at� a �ltima expedi��o, em 1909. A cerca de 215 km do Polo e com poucos suprimentos, Peary ordenou que todo o grupo de 50 pessoas voltasse para o navio, exceto Henson e quatro inuits.

Um artigo do Instituto Smithsoniano afirma que, v�rios dias depois, em 6 de abril de 1909, depois de uma �rdua jornada pela tundra, Henson teria dito a Peary que sua "sensa��o" era de que estavam no Polo.

Henson contou que Peary vasculhou o casaco, puxou uma bandeira americana dobrada costurada pela esposa e a prendeu em uma vara que ele havia fincado em cima de um iglu.

No dia seguinte, segundo Henson, Peary determinou sua localiza��o com um sextante, colocou um bilhete e a bandeira americana em uma lata vazia e a enterrou no gelo. Os homens voltaram ent�o para o navio e seguiram para casa.

"Mais uma conquista do mundo foi realizada e encerrada", escreveu Henson nas suas mem�rias, A Negro Explorer at the North Pole ("Um explorador negro no Polo Norte", em tradu��o livre), em 1912.

"E, como no passado, desde o in�cio da Hist�ria, sempre que o trabalho do mundo era feito por um homem branco, ele havia sido acompanhado por um homem de cor", acrescentou Henson.


Expedição no Polo Norte
Quando ouviu de Henson que ele tinha a 'sensa��o' de que haviam chegado ao Polo Norte, Peary determinou sua localiza��o com um sextante (foto: Alpha Stock/Alamy)

Mas seu momento de gl�ria durou pouco. Henson voltou para os Estados Unidos no auge das hostilidades causadas pelas leis racistas de Jim Crow no pa�s. E, no s�culo seguinte, os historiadores ficariam c�ticos a seu respeito.

Peary escreveu um efusivo pref�cio para o livro de Henson, argumentando que "a ra�a, a cor, a cria��o ou o ambiente nada valem contra um cora��o determinado, se ele for apoiado e ajudado pela intelig�ncia".

Ainda assim, Peary recebeu de bom grado a maioria dos elogios por chegar ao Polo, enquanto o nome de Henson desaparecia da opini�o p�blica.

Os historiadores discutem se a avalia��o de Peary estava correta— e at� se realmente ele foi o primeiro explorador a chegar l�. Mas a maioria concorda que ele n�o teria se aventurado t�o ao norte sem Henson, que adotou completamente o modo de vida dos inuits e estudou t�cnicas de sobreviv�ncia que datavam de mil�nios atr�s.

Henson chegou a adaptar utens�lios dos inuits, como roupas de pele e tren�s puxados por c�es.

"O povo [inuit] realmente gostava dele", diz Harris, que se aventurou em diversas caminhadas solit�rias em regi�es selvagens no mundo todo.

Assim como Henson, Harris cultivou uma rela��o com povos nativos em locais remotos e reconhece essa tentativa precoce de antropologia cultural.

"Peary era do tipo reservado e apreciava que algu�m da sua equipe pudesse lidar com o povo inuit e estabelecer boas rela��es", afirma Harris.

Mas foi apenas em 1937 que Henson foi aceito como membro do Clube dos Exploradores. Ele chegou a receber homenagens dos presidentes americanos Harry S. Truman e Dwight D. Eisenhower, mas s� mais para o fim da sua vida.

Henson foi enterrado no Cemit�rio Nacional de Arlington, onde um monumento foi constru�do em sua homenagem — mas somente em 1988, 33 anos depois da sua morte.

Atualmente, h� diversos lugares que receberam seu nome: o Parque Estadual Matthew Henson, diversas escolas p�blicas de Maryland e o USNS Henson, um navio de pesquisa de 3 mil toneladas que realiza estudos oceanogr�ficos.

Por d�cadas, defensores de Henson mantiveram acesa a mem�ria da sua conquista — e tentaram rastrear toda a extens�o do seu legado.

Seu defensor mais apaixonado foi S. Allen Counter, neurologista de Boston, nos Estados Unidos, e membro do Clube dos Exploradores.

Counter n�o s� apresentou ao Cemit�rio Nacional de Arlington uma peti��o para a constru��o do monumento, como tamb�m descobriu ramos desconhecidos da �rvore geneal�gica de Henson na Groenl�ndia. Diversos dos seus descendentes inuits est�o vivos at� hoje. Counter documentou a linhagem no livro North Pole Legacy ("O legado no Polo Norte", em tradu��o livre).

"Meu pai se identificava com a hist�ria por motivos �bvios", afirma Philippa Counter, filha de Allen.

"Os dois eram exploradores. Henson era esse her�i an�nimo que n�o foi reconhecido por viajar ao Polo Norte. Ele pensou: 'Esta � uma hist�ria que eu definitivamente tenho que contar'."

Counter morreu em 2017, mas outras pessoas assumiram sua fun��o. O Clube dos Exploradores formou um Comit� de Diversidade, Igualdade e Inclus�o, com J. R. Harris na presid�ncia.

E, em 2022, o Clube aceitou quatro novos membros p�stumos: Seegloo, Egingwah, Ooqueah e Ootah, os homens inuits que acompanharam Henson e Peary em sua �ltima expedi��o ao Polo Norte.

"Na minha opini�o, todos eles s�o codescobridores do Polo Norte, todos os seis", afirma Harris.

"Esses quatro homens est�o finalmente recebendo o reconhecimento que merecem."


Homenagem a Henson
Henson s� come�ou a ganhar reconhecimento no fim da sua vida (foto: Everett Collection Inc/Alamy)

J� em Brunswick, no Estado americano do Maine, o Museu do �rtico Peary-MacMillan est� mudando de endere�o. O museu pertence ao Bowdoin College, onde estudaram Peary e outro explorador do �rtico, Donald Baxter MacMillan.

Desde sua abertura, em 1967, o museu exibe artefatos de Henson, incluindo fotos de arquivo, um tren� que ele pr�prio construiu e uma rara entrevista de televis�o nos anos 1950.

Os visitantes sempre foram recebidos por retratos pintados de Peary e MacMillan, colocados lado a lado, na entrada do museu. Mas quando o novo espa�o for aberto em maio de 2023, haver� um importante adendo: uma fotografia ampliada de Matthew Henson, usando suas peles caracter�sticas, ao lado deles.

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Travel.


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