
No condado de Montgomery — no Estado americano de Maryland, perto da capital, Washington D.C. — fica um parque de 47 hectares chamado Matthew Henson State Park Stream Valley Park.
� um o�sis florestal arborizado, rodeado pela expans�o metropolitana.
Assim que voc� entra, o ru�do do tr�fego desaparece. O gramado e as �rvores s�o tudo o que os seus frequentadores conseguem ver, seja caminhando, correndo ou andando de bicicleta.
Uma trilha pavimentada de quase 7 km serpenteia suavemente pela floresta, at� chegar a uma passarela de madeira elevada sobre um terreno pantanoso. P�ssaros cantam sobre nossas cabe�as, e � poss�vel observar os cervos e perus selvagens.
Voc� pode andar por essa trilha todos os dias sem nunca saber quem foi Matthew Henson, que d� nome ao parque — a menos que voc� tenha parado para ler uma placa ao longo da trilha que apresenta uma breve cronologia da vida dele:
1866: nasceu no condado de Charles, em Maryland.
1879-1884: integra a tripula��o do navio Katie Hines como grumete e sai para explorar o mundo.
1887: auxilia Robert E. Peary na pesquisa para a poss�vel constru��o de um canal na Nicar�gua.
At� que, no meio da linha do tempo, surge um detalhe surpreendente:
1909: chega com Peary ao Polo Norte, onde hasteia a bandeira americana.
A apar�ncia dele se encaixa no arqu�tipo do explorador polar em todos os aspectos, exceto um: Henson era negro.
"Quando crian�a, no meu tempo de escola, nunca ouvi falar de Matthew Henson", afirma J. R. Harris, que tamb�m � cidad�o afro-americano e integra o conselho de administra��o do Clube dos Exploradores de Nova York, que inspirou alguns dos maiores aventureiros do mundo.
"Muita gente acha que Matthew Henson era algu�m que eu admirava no passado, mas n�o � verdade", ele conta.
"Tudo o que eu aprendi foi que o Polo Norte foi descoberto por Robert Peary."

A vida de Henson parece um romance de aventuras da era vitoriana.
Ele nasceu em uma fam�lia de meeiros e teve diversos empregos, at� que entrou para a tripula��o de um navio mercante e viajou para outros continentes.
Seu primeiro mentor foi o Capit�o Childs, que treinou o adolescente Henson para a vida no mar e o ensinou a ler. Quando Childs morreu, em 1883, Henson voltou a enfrentar dificuldades para ganhar a vida, at� que conheceu Robert Peary, em 1887.
Os caminhos deles se cruzaram pela primeira vez em um armarinho em Washington D.C. , onde Henson trabalhava. O comandante Peary, engenheiro da Marinha americana, ficou impressionado com o jovem estoquista e convidou Henson a ser seu assistente em uma miss�o de pesquisa na Nicar�gua, naquele mesmo ano.
A fase crucial da carreira de Henson come�ou em 1891, quando ele acompanhou Peary ao C�rculo Polar �rtico em busca do Polo Norte, e duraria 18 anos.
A miss�o para alcan�ar fisicamente o ponto mais ao norte da Terra atraiu exploradores por s�culos, muitos deles cultivando a fantasia de ficar de p� no topo do planeta. Mas o clima rigoroso do Polo e os blocos de gelo que destru�am os navios afugentavam os visitantes humanos — at� os povos do �rtico.
Peary se firmou como o principal l�der dessas expedi��es, arrecadando dinheiro e formando equipes. E Henson acompanhou Peary em todas as viagens, exceto uma, passando anos da sua vida em campo.
Na Groenl�ndia, Henson ficou pr�ximo dos inughuits, a popula��o que mora mais ao norte do continente americano — e que faz parte do povo inuit. Ele aprendeu a construir iglus e tren�s, al�m de ter ficado fluente no seu idioma, o inuktun.
Henson ca�ava animais polares com espingarda — uma t�cnica que podia salvar vidas quando os mantimentos ficavam escassos. E, o mais impressionante, ele aprendeu a dirigir tren�s puxados por c�es.
"Ele dirige as matilhas e conduz os tren�s melhor do que qualquer homem vivo, exceto alguns dos melhores ca�adores [inuits]", escreveu Peary sobre Henson.
"Eu n�o conseguiria me manter sem ele."
Ao longo de sete tentativas entre 1891 e 1909, Henson foi o colaborador mais pr�ximo de Peary.

O �rtico era implac�vel. Os dois quase congelaram ou morreram de fome em v�rias ocasi�es.
Peary perdeu v�rios dedos dos p�s devido ao frostbite (congelamento de tecido do corpo). E, certa vez, Henson caiu em uma fratura no gelo e teria se afogado, caso seu amigo inuit Ootah n�o o puxasse para fora da �gua congelante. Eles enfrentaram tempestades catastr�ficas e problemas t�cnicos intermin�veis.
Os dois aprimoraram o processo de trabalho repetidamente at� a �ltima expedi��o, em 1909. A cerca de 215 km do Polo e com poucos suprimentos, Peary ordenou que todo o grupo de 50 pessoas voltasse para o navio, exceto Henson e quatro inuits.
Um artigo do Instituto Smithsoniano afirma que, v�rios dias depois, em 6 de abril de 1909, depois de uma �rdua jornada pela tundra, Henson teria dito a Peary que sua "sensa��o" era de que estavam no Polo.
Henson contou que Peary vasculhou o casaco, puxou uma bandeira americana dobrada costurada pela esposa e a prendeu em uma vara que ele havia fincado em cima de um iglu.
No dia seguinte, segundo Henson, Peary determinou sua localiza��o com um sextante, colocou um bilhete e a bandeira americana em uma lata vazia e a enterrou no gelo. Os homens voltaram ent�o para o navio e seguiram para casa.
"Mais uma conquista do mundo foi realizada e encerrada", escreveu Henson nas suas mem�rias, A Negro Explorer at the North Pole ("Um explorador negro no Polo Norte", em tradu��o livre), em 1912.
"E, como no passado, desde o in�cio da Hist�ria, sempre que o trabalho do mundo era feito por um homem branco, ele havia sido acompanhado por um homem de cor", acrescentou Henson.

Mas seu momento de gl�ria durou pouco. Henson voltou para os Estados Unidos no auge das hostilidades causadas pelas leis racistas de Jim Crow no pa�s. E, no s�culo seguinte, os historiadores ficariam c�ticos a seu respeito.
Peary escreveu um efusivo pref�cio para o livro de Henson, argumentando que "a ra�a, a cor, a cria��o ou o ambiente nada valem contra um cora��o determinado, se ele for apoiado e ajudado pela intelig�ncia".
Ainda assim, Peary recebeu de bom grado a maioria dos elogios por chegar ao Polo, enquanto o nome de Henson desaparecia da opini�o p�blica.
Os historiadores discutem se a avalia��o de Peary estava correta— e at� se realmente ele foi o primeiro explorador a chegar l�. Mas a maioria concorda que ele n�o teria se aventurado t�o ao norte sem Henson, que adotou completamente o modo de vida dos inuits e estudou t�cnicas de sobreviv�ncia que datavam de mil�nios atr�s.
Henson chegou a adaptar utens�lios dos inuits, como roupas de pele e tren�s puxados por c�es.
"O povo [inuit] realmente gostava dele", diz Harris, que se aventurou em diversas caminhadas solit�rias em regi�es selvagens no mundo todo.
Assim como Henson, Harris cultivou uma rela��o com povos nativos em locais remotos e reconhece essa tentativa precoce de antropologia cultural.
"Peary era do tipo reservado e apreciava que algu�m da sua equipe pudesse lidar com o povo inuit e estabelecer boas rela��es", afirma Harris.
Mas foi apenas em 1937 que Henson foi aceito como membro do Clube dos Exploradores. Ele chegou a receber homenagens dos presidentes americanos Harry S. Truman e Dwight D. Eisenhower, mas s� mais para o fim da sua vida.
Henson foi enterrado no Cemit�rio Nacional de Arlington, onde um monumento foi constru�do em sua homenagem — mas somente em 1988, 33 anos depois da sua morte.
Atualmente, h� diversos lugares que receberam seu nome: o Parque Estadual Matthew Henson, diversas escolas p�blicas de Maryland e o USNS Henson, um navio de pesquisa de 3 mil toneladas que realiza estudos oceanogr�ficos.
Por d�cadas, defensores de Henson mantiveram acesa a mem�ria da sua conquista — e tentaram rastrear toda a extens�o do seu legado.
Seu defensor mais apaixonado foi S. Allen Counter, neurologista de Boston, nos Estados Unidos, e membro do Clube dos Exploradores.
Counter n�o s� apresentou ao Cemit�rio Nacional de Arlington uma peti��o para a constru��o do monumento, como tamb�m descobriu ramos desconhecidos da �rvore geneal�gica de Henson na Groenl�ndia. Diversos dos seus descendentes inuits est�o vivos at� hoje. Counter documentou a linhagem no livro North Pole Legacy ("O legado no Polo Norte", em tradu��o livre).
"Meu pai se identificava com a hist�ria por motivos �bvios", afirma Philippa Counter, filha de Allen.
"Os dois eram exploradores. Henson era esse her�i an�nimo que n�o foi reconhecido por viajar ao Polo Norte. Ele pensou: 'Esta � uma hist�ria que eu definitivamente tenho que contar'."
Counter morreu em 2017, mas outras pessoas assumiram sua fun��o. O Clube dos Exploradores formou um Comit� de Diversidade, Igualdade e Inclus�o, com J. R. Harris na presid�ncia.
E, em 2022, o Clube aceitou quatro novos membros p�stumos: Seegloo, Egingwah, Ooqueah e Ootah, os homens inuits que acompanharam Henson e Peary em sua �ltima expedi��o ao Polo Norte.
"Na minha opini�o, todos eles s�o codescobridores do Polo Norte, todos os seis", afirma Harris.
"Esses quatro homens est�o finalmente recebendo o reconhecimento que merecem."

J� em Brunswick, no Estado americano do Maine, o Museu do �rtico Peary-MacMillan est� mudando de endere�o. O museu pertence ao Bowdoin College, onde estudaram Peary e outro explorador do �rtico, Donald Baxter MacMillan.
Desde sua abertura, em 1967, o museu exibe artefatos de Henson, incluindo fotos de arquivo, um tren� que ele pr�prio construiu e uma rara entrevista de televis�o nos anos 1950.
Os visitantes sempre foram recebidos por retratos pintados de Peary e MacMillan, colocados lado a lado, na entrada do museu. Mas quando o novo espa�o for aberto em maio de 2023, haver� um importante adendo: uma fotografia ampliada de Matthew Henson, usando suas peles caracter�sticas, ao lado deles.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Travel.