
Outro cap�tulo convenceu sua fam�lia de que o garoto era a reencarna��o de Walter, o antepassado. Mais uma vez ao lado da av�, Otto viu um avi�o e quis saber se ela recordava da vez em que ele havia pilotado um teco-teco com os dois a bordo. "S� a� minha sogra nos contou que, quando pequena, seu pai tinha levado ela para andar naqueles avi�es pequenos."
Relatos como o de Erika muito interessam ao Nupes (N�cleo de Pesquisa em Espiritualidade e Sa�de), da Universidade Federal de Juiz de Fora. O grupo acad�mico investiga a possibilidade da mente humana sobreviver ao perecimento do corpo f�sico —abordagem cient�fica para uma das quest�es mais centrais para as sociedades desde seus prim�rdios, se existe vida ap�s a morte.
Fundador do Nupes, o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida lan�a agora, junto com a tamb�m psiquiatra Marianna Costa e o fil�sofo Humberto Schubert Coelho, um livro que compila d�cadas de pesquisas sobre o tema. "Ci�ncia da Vida Ap�s a Morte" saiu globalmente pela Springer Nature, importante editora de peri�dicos cient�ficos.
O trio se prop�e a analisar "com perspectiva c�tica saud�vel" evid�ncias que apontem para a continuidade da consci�ncia humana depois da morte corporal. Um conceito, para os autores, recha�ado no meio por puro preconceito.
A religiosidade motiva a alergia � ideia. Ela contamina o debate, j� que as principais cren�as do mundo, cada uma � sua maneira, acreditam na premissa. E n�o pegaria bem para ilustres cientistas se mancomunarem com preceitos da ordem da f�.
Seria uma aposta desmesurada no fisicalismo, a teoria de que tudo se circunscreve ao mundo f�sico. Ou seja, nossos pensamentos e desejos —o que definimos como mente, e certas religi�es chamam de alma— nada mais s�o do que atividades cerebrais.
N�o s�o poucos os cientistas que aderem a essa premissa. O f�sico Sean Carroll escreveu na Scientific American, outra publica��o de peso na �rea, "A F�sica e a Imortalidade da Alma".
Argumenta no artigo que afirma��es sobre a persist�ncia de alguma forma de consci�ncia depois que nossos corpos se decomp�em s�o incompat�veis com as leis da f�sica. "De que part�culas essa suposta alma � feita? Que for�as as mant�m unida?"
A obra brasileira questiona por que tanta pressa em descartar toda e qualquer suposi��o sobre a morte n�o ser o fim de tudo. Claro que um monte delas n�o passa de fraude, e outras s�o perfeitamente explic�veis por fen�menos psicossociais, como a predisposi��o de pais enlutados a endossar a leitura gen�rica de um dito m�dium sobre o filho perdido.
S�o tr�s campos principais de estudo: mediunidade, reencarna��o e as EQM (Experi�ncias de Quase Morte). O caso de Otto, hoje com 6 anos, encaixa-se no grupo de pessoas que afirmam ter mem�rias de vidas passadas. A maioria s�o crian�as pequenas, que na medida em que crescem deixam para tr�s recorda��es, maneirismos e at� l�nguas estrangeiras que conseguiam falar, mesmo sem nunca terem tido qualquer contato pr�vio com elas.
Um pioneiro levantamento nacional, sob guarida do Nupes, recolheu 402 depoimentos de adultos e 30 de crian�as e adolescentes que dizem ter tido experi�ncias correlatas.
Um caso narrado vem da Tail�ndia: o menino que, espontaneamente, dizia ter sido um professor que morreu com um tiro enquanto ia de bicicleta para a escola. Investiga��o mostrou que o garoto conseguiu nomear corretamente o nome do docente, assim como os de seus pais, esposa e filhos. Gente que morava numa aldeia distante dele, sem qualquer conex�o com sua vida.
A metodologia come�a por excluir hip�teses poss�veis: acaso, falcatrua ou mesmo percep��es extrassensoriais que atestariam um poder descomunal da mente, mas n�o necessariamente seriam a prova cabal de vida p�stuma. Vai que ele tinha o dom da clarivid�ncia ou da telepatia e conseguia acessar hist�rias �ntimas dos outros?
Embora elucidem parte dos casos, em muitos outros "explica��es convencionais certamente n�o d�o conta do conjunto das evid�ncias", diz Moreira-Almeida.
Supomos que a crian�a tailandesa telepaticamente absorveu conhecimento sobre o professor assassinado. Mas ela tamb�m possu�a, descobriu-se depois, duas marcas de nascen�a compat�veis com a entrada e a sa�da da bala no corpo do morto. Exemplos afins se repetem.
Experi�ncias de quase morte, as EQM, s�o um cap�tulo � parte. Podem partir de indiv�duos em est�gio terminal ou que foram declarados clinicamente mortos e ressuscitaram. As descri��es costumam se parecer: sensa��o de se observar de um �ngulo externo (como ver m�dicos tentando reanimar o cora��o), vis�es de t�nel ou luz brilhante, encontro com parentes mortos e sentimentos de paz.
S�o casos que ganharam men��o na Lancet, prestigiada revista cient�fica. Como o da mulher que, para uma neurocirurgia, teve o corpo resfriado a 16°C, ouvido tapado com fone, fita nos olhos e uma linha plana no exame que detecta atividade cerebral.
Feita a opera��o, ela reproduziu em detalhes o que passou no dia, da broca usada para furar seu cr�nio � voz feminina dizendo que suas veias eram pequenas.
A mediunidade, terceiro tronco do estudo, seria o dom de se comunicar com os mortos. Para os autores, "se seriamente considerada, essa tese sobre ‘a apari��o dos mortos’ faria da ressurrei��o de Cristo a maior hist�ria de fantasma de todos os tempos".
De novo, o que vale s�o exemplos � prova de rigoroso escrut�nio da ci�ncia. Leonora Piper (1857-1950) se enquadra aqui. Para checar se a m�dium americana era pra valer, William James, o chamado pai da psicologia americana, acompanhou-a por anos a fio.
Um dos experimentos contou com 25 pesquisadores que, usando pseud�nimos, consultaram-se com Piper. Ela forneceu informa��es corretas de assuntos privados de cada um, sem nunca t�-los visto antes.
James escreveu, convencido da veracidade daquele transe medi�nico: "Se voc� deseja desafiar a lei de que todos os corvos s�o pretos, voc� n�o deve tentar mostrar que nenhum corvo o �; basta provar que um �nico corvo � branco. Meu pr�prio corvo branco � a sra. Piper".
Nunca houve comprova��o consistente de fraude contra ela. O mesmo vale para Chico Xavier (1910-2002). J� em sua primeira obra psicografada, "Parnaso de Al�m-T�mulo", o mineiro, que estudou at� o ensino fundamental, produziu poemas atribu�dos a gigantes como Augusto dos Anjos, morto anos antes.
Monteiro Lobato chegou a dizer que, se Xavier fosse um embuste como m�dium, como escritor poderia estar em qualquer Academia de Letras. Os versos eram coisa de outro mundo.