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Estado de Minas VOC� MORARIA L�?

A cidade onde as pessoas vivem embaixo da Terra por causa do calor

Em uma cidade incomum do Outback australiano, tudo � subterr�neo %u2013 de igrejas a acampamentos. Com o aquecimento global a frente, dever�amos todos estar indo para o subsolo?


20/08/2023 13:23 - atualizado 20/08/2023 18:15
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Placa em área desértica alertando sobre perigo
Coober Pedy � uma cidade incomum no sul da Austr�lia, onde tudo � subterr�neo, de igrejas a locais de acampamento (foto: Getty Images)

Na longa estrada rumo ao centro da Austr�lia, 848 km ao norte das plan�cies costeiras de Adelaide, surgem enigm�ticas pir�mides de areia.

Em torno delas, o cen�rio � totalmente desolado – uma extens�o sem fim de poeira rosa-salm�o, ocasionalmente salpicada de teimosos arbustos.

No entanto, � medida que voc� avan�a pela rodovia, surgem outras constru��es misteriosas similares – montes de terra clara, espalhados aleatoriamente como monumentos esquecidos h� muito tempo. E, de vez em quando, tubos brancos se elevam do solo ao lado das constru��es.

Estes s�o os primeiros sinais de Coober Pedy, uma cidade de mineradores de opala com cerca de 2,5 mil habitantes. Muitos dos pequenos picos da regi�o s�o res�duos de solo gerados ap�s d�cadas de minera��o, mas tamb�m s�o os sinais de outra caracter�stica do local: as moradias subterr�neas.

Neste canto do mundo, 60% da popula��o vive em casas constru�das nas rochas de arenito e siltito ricas em ferro da regi�o. Em alguns locais, os �nicos sinais de moradia s�o os po�os de ventila��o que se erguem at� o ch�o e o excesso de solo acumulado perto das entradas das casas.

No inverno, este estilo de vida pode parecer apenas exc�ntrico. Mas, no ver�o, Coober Pedy – “homem branco em um buraco”, em tradu��o livre de uma express�o abor�gene australiana – n�o requer explica��es: o local atinge 52°C, uma temperatura t�o alta que faz com que os p�ssaros caiam do c�u e aparelhos eletr�nicos precisem ser guardados no refrigerador.

E, em 2023, este costume parece ter sido mais prof�tico que nunca.


Foto aérea mostra aparentes montes de areia em ampla área desértica
Andar a p� no deserto perto de Coober Pedy pode ser perigoso. O terreno � salpicado de po�os de minera��o abandonados (foto: Getty Images)

Em julho, a cidade de Chongqing, no sudoeste da China, precisou abrir seus abrigos antia�reos – constru�dos em meio a bombardeios em larga escala do Jap�o, durante a Segunda Guerra Mundial – para proteger os cidad�os contra uma amea�a muito diferente: um surto de calor de mais de 35 °C que durou 10 dias. Outros se refugiaram em restaurantes em cavernas, que s�o populares na cidade.

Enquanto a intensa onda de calor prossegue em algumas regi�es, com temperaturas que nem os cactos conseguem suportar, e inc�ndios florestais dizimam grandes �reas do mundo, o que podemos aprender com os moradores de Coober Pedy?

Longa hist�ria

Coober Pedy n�o � o primeiro, nem o maior assentamento subterr�neo do mundo.

As pessoas se refugiam embaixo da terra para enfrentar climas in�spitos h� milhares de anos – desde ancestrais dos humanos que deixaram suas ferramentas em uma caverna na �frica do Sul dois milh�es de anos atr�s, at� os neandertais que criaram pilhas inexplic�veis de estalagmites em uma gruta na Fran�a na idade do gelo, 176 mil anos atr�s.

At� os chimpanz�s j� foram observados refrescando-se em cavernas, para enfrentar o extremo calor durante o dia no sudeste do Senegal.

Outro exemplo � a Capad�cia, uma regi�o antiga no centro da Turquia. Ela fica em um planalto �rido e � famosa pela sua not�vel geologia, quase ut�pica, e seu cen�rio de cumes, chamin�s e pin�culos de rocha esculpidos, como em um reino de conto de fadas.

E a hist�ria por tr�s desse cen�rio � realmente espetacular. Segundo a cultura popular, tudo come�ou com o desaparecimento das galinhas de um de seus moradores.

Em 1963, um homem estava batendo no piso da sua casa para tentar descobrir por que suas aves estavam desaparecendo.

Ele logo percebeu que as galinhas estavam fugindo por um buraco que ele havia aberto acidentalmente. O homem ent�o abriu caminho e as seguiu pelo buraco.

A partir dali, tudo come�ou a ficar ainda mais estranho. Ele descobriu uma passagem secreta – um �ngreme caminho subterr�neo que levava a um labirinto de nichos e outros corredores. Era uma das muitas entradas para a cidade perdida de Derinkuyu.

Derinkuyu � apenas uma das centenas de moradias em cavernas entre as diversas cidades subterr�neas da regi�o. Acredita-se que ela tenha sido constru�da perto do s�culo 8° a.C.

A cidade foi habitada de forma quase constante por mil�nios, com seus pr�prios po�os de ventila��o e de �gua, est�bulos, igrejas, armaz�ns e uma ampla rede de casas subterr�neas. E servia tamb�m de abrigo de emerg�ncia para at� 20 mil pessoas, em caso de invas�o.

Como em Coober Pedy, as moradias subterr�neas ajudavam os habitantes da regi�o a enfrentar o clima continental, que alterna entre frios invernos com neve e ver�es quentes e secos. No lado externo, a temperatura flutua de v�rios graus abaixo de zero at� mais de 30 °C, enquanto, embaixo da terra, ela fica est�vel em 13 °C.

Mesmo nos dias de hoje, as cavernas constru�das por seres humanos na regi�o s�o famosas pelas suas capacidades de refrigera��o passiva – uma t�cnica de constru��o que envolve o uso de op��es de design para reduzir o aumento e a perda de calor sem o uso de energia.

As antigas galerias e passagens da Capad�cia abrigam hoje milhares de toneladas de batatas, lim�es, repolhos e outros produtos que precisariam ser refrigerados se fossem armazenados em outros locais. A demanda popular cresceu tanto que novas cavernas est�o sendo constru�das na regi�o.

Solu��o eficaz


Colunas e paredes subterrâneas
A cidade subterr�nea de Derinkuyu, na Capad�cia (Turquia), foi abandonada em 1923. Ele ficou totalmente esquecida at� ser redescoberta, nos anos 1960 (foto: Getty Images)

Mais � frente, na estrada para Coober Pedy, fica o centro da cidade.

� primeira vista, ela pode ser confundida com um assentamento comum da regi�o des�rtica que comp�e o chamado Outback australiano. As ruas s�o cor-de-rosa devido � poeira e existem restaurantes, bares, supermercados e postos de gasolina.

No alto de uma colina, a �nica �rvore da cidade – na verdade, uma escultura feita de metal – observa o panorama.

Na superf�cie, Coober Pedy � assustadoramente vazia. As constru��es s�o muito espa�adas entre si e a impress�o � de que algo realmente parece estar errado. Mas, embaixo do solo, tudo se explica.

Alguns dos “subterr�neos” de Coober Pedy podem ser visitados atrav�s de pequenas constru��es. Elas t�m apar�ncia normal, mas suas passagens subterr�neas se revelam gradualmente � medida que entramos. Parece que estamos atravessando um guarda-roupa para sair em N�rnia.

Outras passagens s�o mais �bvias. Em um local de acampamento chamado Riba’s, as pessoas podem montar suas tendas em nichos v�rios metros abaixo da superf�cie. L�, um t�nel escuro � a entrada para o mundo subterr�neo.

Em Coober Pedy, as constru��es subterr�neas precisam ficar a pelo menos quatro metros de profundidade, para evitar que o teto desabe. Embaixo daquele enorme volume de rocha, a temperatura � sempre agrad�vel: 23 °C.

As pessoas que moram acima do solo precisam suportar ver�es extremamente quentes e noites frias de inverno, com temperaturas que costumam cair at� 2-3 °C. Mas as casas subterr�neas mant�m a temperatura ambiente perfeita, 24 horas por dia, o ano inteiro.

Al�m do conforto, outra importante vantagem de morar embaixo da terra � a economia. Coober Pedy gera toda a eletricidade que consome – 70% dela, de origem e�lica e solar. Mas ligar o ar-condicionado, muitas vezes, � caro e impratic�vel.


Mesas postas em galeria subterrânea
Em Coober Pedy, a rocha � t�o mole que pode ser raspada com a unha. (foto: Alamy)

“Para viver acima do solo, voc� paga uma verdadeira fortuna pelo aquecimento e refrigera��o, j� que, muitas vezes, faz mais de 50°C no ver�o”, afirma Jason Wright, o morador local que administra o Riba’s.

Por outro lado, muitas casas subterr�neas em Coober Pedy s�o relativamente baratas. Em um recente leil�o, o pre�o m�dio das casas de tr�s quartos foi de cerca de 40 mil d�lares australianos (cerca de R$ 129 mil).

Muitas dessas propriedades eram extremamente b�sicas ou precisavam de reforma, mas existe uma grande diferen�a entre esses valores e os praticados na cidade grande mais pr�xima, Adelaide. L�, o pre�o m�dio das resid�ncias � de 700 mil d�lares australianos (cerca de R$ 2,25 milh�es).

E as casas subterr�neas oferecem outros benef�cios. Um deles � que n�o h� insetos.

“Quando voc� chega � porta, as moscas saem das suas costas, elas n�o querem entrar no escuro e no frio”, conta Wright. E tamb�m n�o h� polui��o sonora e luminosa embaixo da terra.

Curiosamente, o estilo de vida subterr�neo tamb�m pode oferecer alguma prote��o contra terremotos. Wright descreve que os tremores de terra na regi�o produzem um ru�do vibrante que aumenta e passa atrav�s do subterr�neo at� o outro lado.

“Tivemos dois [terremotos] desde que me mudei para c� e nunca sequer me abalei”, ele conta. Mas o n�vel de seguran�a das estruturas subterr�neas durante atividades s�smicas depende inteiramente do seu tamanho, complexidade e profundidade.

Configura��o ideal

A quest�o � se as casas subterr�neas poderiam ajudar as pessoas a combater os efeitos das mudan�as clim�ticas em outros lugares do planeta. E por que elas s�o t�o poucas?

Existem diversas raz�es que explicam a praticidade �nica da constru��o de subterr�neos em Coober Pedy. A primeira s�o as rochas da regi�o.

“Elas s�o muito moles, voc� pode rasp�-las com um canivete ou com a unha”, afirma Barry Lewis, funcion�rio do centro de informa��es tur�sticas da cidade.

Nos anos 1960 e 70, os moradores de Coober Pedy ampliaram suas casas da mesma forma que criaram as minas de opala, usando p�s, picaretas e explosivos. Algumas delas n�o exigiram muito trabalho para cavar, j� que muitos moradores usaram po�os de minas abandonados como pontos de partida.

Mas, hoje em dia, os t�neis costumam ser escavados com equipamento industrial.

“Uma boa m�quina de perfura��o de t�neis pode retirar cerca de seis metros c�bicos de rocha por hora, de forma que voc� pode ter um subterr�neo constru�do em menos de um m�s”, explica Wright.


Várias casas escavadas em rocha na encosta
Na Capad�cia, existem muitas casas escavadas na rocha vulc�nica. Elas n�o s�o mais usadas como moradia (foto: Getty Images)

Mas ainda � poss�vel escavar manualmente. Por isso, quando os moradores precisam de mais espa�o, �s vezes eles simplesmente come�am a cavar. E, como se trata de uma �rea de minera��o de opala, n�o � raro que um projeto de reforma acabe dando lucros.

J� houve um homem que encontrou uma gema grande saindo da parede enquanto instalava um chuveiro e, durante uma obra de amplia��o, um hotel local descobriu opalas no valor de 1,5 milh�o de d�lares australianos (cerca de R$ 4,8 milh�es).

O arenito tamb�m � estruturalmente est�vel sem precisar de apoios. Por isso, � poss�vel construir sal�es literalmente cavernosos com p�-direito alto, em qualquer forma que voc� quiser, sem acrescentar materiais.

Na verdade, a constru��o de t�neis em Coober Pedy � t�o simples que muitos moradores t�m casas de luxo sofisticadas, com piscinas subterr�neas, sal�es de jogos, grandes banheiros e salas de estar de alto padr�o.

Um morador local chegou a descrever sua casa subterr�nea “como um castelo”, com 50 mil tijolos aparentes e portas em arco em todos os quartos.

“Temos alguns subterr�neos surpreendentes por aqui”, afirma Wright. Ele explica que os moradores s�o notoriamente reservados – outra poss�vel consequ�ncia de viver embaixo da terra – e voc� s� consegue descobrir algo sobre eles quando � convidado para jantar.

Quest�o de umidade

Mas os banquetes de Cooper Pedy seriam imposs�veis em outro lugar. A umidade � um grande desafio para qualquer estrutura subterr�nea.

Das muitas moradias em rochas habitadas por seres humanos, a maioria fica em locais secos. Elas incluem desde as torres e paredes constru�das nos rochedos de Mesa Verde, no Colorado (Estados Unidos), habitadas por mais de 700 anos pelo povo ancestral conhecido como Pueblo, at� os elaborados templos, t�mulos e pal�cios escavados no arenito rosa de Petra, na Jord�nia.

Atualmente, uma das �ltimas aldeias cortadas na rocha e ainda habitadas do mundo � Kandovan, aos p�s do monte Sahand, no Ir� – um vale marcado por estranhas cavernas pontiagudas que foram escavadas e transformadas em casas, como uma col�nia de cupinzeiros. A regi�o recebe apenas 11 mm de chuva por m�s, em m�dia, durante todo o ver�o.

Mas construir embaixo da terra em regi�es mais �midas � claramente mais complicado.

O metr� de Londres � um exemplo. Para impermeabilizar seus t�neis subterr�neos originais, constru�dos no s�culo 19, eles foram revestidos com diversas camadas de tijolos e uma generosa camada de betume.

Atualmente, s�o utilizados m�todos mais modernos. Mas, mesmo com essas precau��es, ainda � comum a incid�ncia de mofo preto nas galerias.

O mesmo problema afeta funda��es de edif�cios, por�es e estacionamentos subterr�neos em regi�es com forte incid�ncia de chuvas em todo o mundo.


Restaurante subterrâneo
Em Coober Pedy, n�o s�o s� as casas que ficam embaixo da terra. Existem restaurantes, lojas, hot�is e at� uma Igreja Ortodoxa S�rvia no subterr�neo (foto: Getty Images)

Existem duas raz�es principais para o fen�meno. Uma � a falta de ventila��o, que pode fazer com que a umidade da cozinha, dos banheiros e da pr�pria respira��o das pessoas se condense nas frias paredes das cavernas. O outro motivo � a �gua subterr�nea, se as constru��es estiverem perto do len�ol fre�tico.

As cavernas de Hazan, em Israel, s�o uma complexa rede de esconderijos subterr�neos constru�dos pelos judeus para escapar da persegui��o dos romanos no s�culo 2° d.C. Ela inclui prensas de olivas, cozinhas, sal�es, reservat�rios de �gua e um columb�rio, para depositar urnas funer�rias.

A apenas 66 metros de dist�ncia da entrada da caverna, a temperatura nos t�neis cai significativamente em compara��o com o lado externo. Mas a umidade tamb�m � o dobro dos 40% verificados fora da caverna.

Um dos motivos pode ser o fato de que o sistema de cavernas foi constru�do em rocha porosa, em uma �rea de plan�cie. Nestas condi��es, a tend�ncia � de que o volume de �gua subterr�nea seja maior. E seus corredores estreitos e entradas limitadas fazem com que haja pouco fluxo de ar.

Mas, em Coober Pedy, constru�da sobre 50 metros de arenito poroso, as condi��es s�o �ridas at� nos subterr�neos.

“Aqui � muito, muito seco”, afirma Wright.

Po�os de ventila��o garantem o fornecimento adequado de oxig�nio e permitem que a umidade das atividades internas escape do subterr�neo. Mas eles, muitas vezes, s�o simples canos que se estendem atrav�s do teto.

Esses bunkers � prova de calor trazem ainda outras desvantagens. Lewis, por exemplo, mora atualmente na superf�cie, em um parque para trailers. Sua casa subterr�nea ficava embaixo do mesmo ponto onde ele mora hoje, mas ela simplesmente desabou.

“N�o acontece com muita frequ�ncia”, segundo ele. “Ela estava em um local ruim.”

Tamb�m n�o � incomum que os moradores derrubem acidentalmente a parede, atravessando at� a casa do vizinho.

Apesar do contratempo, Lewis sente falta da vida nos subterr�neos. E Wright tamb�m recomenda o ambiente embaixo da terra para pessoas que sofrem em locais com temperaturas absurdamente altas. Para ele, “� moleza quando voc� sente aquele calor”.

De fato, � poss�vel que as curiosas pir�mides de areia de Coober Pedy comecem a pipocar em outros lugares do mundo no futuro pr�ximo.

 

*Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.


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