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Estado de Minas ENTREVISTA

'A impunidade � o mal de todos os males', diz o cineasta Walter Salles

Cineasta fala sobre o filme que fez a respeito da trag�dia de Mariana, que completa quatro anos nesta ter�a. 'Quando a terra treme' ser� exibido pelo Canal Brasil


postado em 05/11/2019 04:00 / atualizado em 05/11/2019 09:16

Lucas de Godoy/Divulgação
Walter Salles (� dir.) com o mineiro Andr� Novais Oliveira (� esq.) durante as filmagens de 'Quando a terra treme' (foto: Lucas de Godoy/Divulga��o)
O horror da destrui��o e o drama do luto incompleto. G�neros cinematogr�ficos que se unem no curta-metragem ficcional Quando a terra treme, de Walter Salles. � fic��o, mas poderia ser um document�rio. A produ��o da Videofilmes reconstitui, com a uni�o de atores profissionais com moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, as cicatrizes e pesadelos dos atingidos pela lama que devastou os vilarejos, deixando 19 mortos, um desaparecido e centenas de desabrigados.

“O maior crime ambiental da hist�ria do Brasil at� aquele momento”, destaca Salles no encerramento do curta-metragem, que ser� exibido no Canal Brasil, �s 21h50 desta ter�a-feira (5), quatro anos depois do rompimento da barragem da Samarco. S� que, em 25 de janeiro de 2019, veio a trag�dia de Brumadinho – e em escala muito mais devastadora.

“Foi como um pesadelo que teimava em nunca acabar. � uma repeti��o t�o absurda que nem os piores roteiros de filmes sobre cat�strofes teriam coragem de usar m�o dela”, compara o cineasta, que volta ao passado em busca de explica��es. “S�o quest�es estruturais que nos afligem h� s�culos. O extrativismo, o desterro, o desamparo, e a impunidade – o mal de todos os males”, opina, em entrevista ao Estado de Minas.

''Os ataques constantes � democracia criam um quadro de instabilidade institucional que n�o v�amos desde os anos de chumbo''

Walter Salles, cineasta


Com roteiro da realizadora Gabriela Amaral Almeida (diretora de longas de horror como A sombra do pai e O animal cordial), o curta-metragem rodado em 2017 � centrado em uma fam�lia fraturada depois da passagem da lama: a m�e e o filho sobrevivem. O pai desaparece. E, como no longa-metragem mais conhecido do cineasta, Central do Brasil, acompanhamos – e nos afligimos – com os efeitos da aus�ncia da figura paterna na vida de uma crian�a.

Em vez do sert�o nordestino, contudo, as ru�nas ainda enlameadas do que sobrou dos povoados mineiros s�o o cen�rio percorrido pela protagonista, Maeve Jinkings. Apesar da refer�ncia do t�tulo ao filme A terra treme (1948), de Luchino Visconti, o curta de Walter Salles n�o decalca o neorrealismo italiano. Narra, de forma impressionante, a realidade brasileira. Do som perturbador da cat�strofe ao sil�ncio do desamparo.

''Gosto da forma como o cinema mineiro traz o homem comum para o centro da narrativa''

Walter Salles, cineasta


Walter Salles tamb�m assina uma produ��o recente baseada em fatos reais: Irm�os Freitas reconstitui a trajet�ria do pugilista baiano Acelino “Pop�” e de seu irm�o, Luis Claudio. Produ��o da Gullane em oito epis�dios, com exibi��es semanais no canal Space, a s�rie foi criada por Salles com o baiano S�rgio Machado, que dirige os oito epis�dios com Aly Muritiba.

“O boxe �, como o futebol, uma das poucas formas de romper as barreiras sociais no Brasil, e h� tamb�m nessa hist�ria um drama humano raro, que fala de busca de pertencimento e de identidade”, acredita o diretor de Terra estrangeira e Di�rios de motocicleta.

O que o motivou a dirigir Quando a terra treme?
Quando Jia Zhangke me convidou para fazer parte de um filme coletivo sobre o tempo em que estamos vivendo, a trag�dia de Mariana me pareceu o reflexo mais revelador daquilo em que o Brasil se transformou. No rompimento da barragem da Samarco h�, como diz Ailton Krenak, um exemplo irrefut�vel da banaliza��o da vida, em que tudo virou mercadoria – a come�ar pela natureza. Dezenove pessoas mortas, uma desaparecida, 600 quil�metros de um rio que emudeceu, afetando centenas de milhares de pessoas. Ali est�o quest�es estruturais que nos afligem h� s�culos. O extrativismo, o desterro, o desamparo, e a impunidade – o mal de todos os males.

Quando a terra treme vai do horror ao drama social. Os dois g�neros s�o particularmente adequados para tentar reproduzir, na fic��o, o impacto do que ocorreu com os atingidos pela lama da Samarco?
O curta retoma um t�tulo do cinema de Visconti, figura central do neorrealismo italiano. S� que, em Mariana, a trag�dia n�o foi trazida por um abalo s�smico, e sim pelo homem. Hesse dizia que “o homem � o lobo do homem”. � em momentos como esse que essa frase adquire toda a sua signific�ncia.

Ver galeria . 13 Fotos Walter Salles
(foto: Walter Salles )

No final do curta voc� ressalta que a trag�dia de Mariana era “o maior crime ambiental da hist�ria do Brasil at� o momento”. Tr�s anos depois, veio o rompimento da barragem de Brumadinho. O Brasil n�o aprende com os erros cometidos? 
Ao longo das filmagens, ficamos pr�ximos de v�rios desabrigados de Paracatu de Baixo e de Bento Rodrigues. Ouvimos relatos individuais que nos marcaram profundamente. Acabamos rodando um document�rio registrando esses depoimentos, no final da filmagem, intitulado Vozes de Paracatu e Bento. Ali, pessoas que viveram o drama na pele perguntavam: “O que garante que aquilo que aconteceu aqui n�o vai se repetir?”. Quando veio a trag�dia de Brumadinho, foi como um pesadelo que teimava em nunca acabar. � uma repeti��o t�o absurda que nem os piores roteiros de filmes sobre cat�strofes teriam coragem de usar m�o dela. Cabe a pergunta: � esse o “progresso” que se quer para o pa�s?.

O dia e a noite dos desabrigados em um gin�sio de esportes rendem uma sequ�ncia particularmente memor�vel. Parecem exilados e desterrados no pr�prio pa�s. Como avalia o tratamento recebido pelos atingidos at� agora?
Ali est�o n�o atores que haviam vivido a experi�ncia que est�vamos filmando. Esse era um momento crucial do filme, o tempo suspenso que se segue � trag�dia. Personagens exilados de suas casas, entre mundos: um pouco como os personagens de Still life, de Jia Zhangke. Pedimos que eles revivessem aqueles momentos em tempo real e procuramos captar cenas e express�es com urg�ncia. Filmamos mais de 50 planos por dia, guiados pelos nossos personagens. A intelig�ncia e a sensibilidade de Maeve Jinkings permitiram filmar fic��o como se estiv�ssemos num registro documental.

Como os moradores locais participaram do curta-metragem?
Frente � c�mera, tamb�m nos norteando no set. V�rios desabrigados que foram atores do curta estavam voltando para Paracatu pela primeira vez em mais de um ano. A terra de origem n�o � apenas um espa�o geogr�fico, mas tamb�m afetivo. Participar do filme foi uma forma de reatar esses la�os: muitas pessoas estavam se reencontrando depois de um longo per�odo.

H�, no curta, a participa��o de Andr� Novais Oliveira, da Filmes de Pl�stico. O que voc� destaca na produ��o dos realizadores mineiros? Qual o trabalho, entre curtas e longas, da produtora que mais o impressionou da produ��o recente de Minas?
Gosto de v�rias vertentes do cinema mineiro. Sou f� de Cao Guimar�es, um dos realizadores mais geniais do cinema brasileiro, artista de uma sensibilidade incomum. Gosto muito da obra de Helv�cio Marins, de Girimunho, codirigido por Clarissa Campolina, e de Quer�ncia, seu novo filme. Sou f� do Andr� Novais desde Ela volta na quinta, tamb�m gostei muito de Temporada, com Grace Pass�. E Ar�bia, de Affonso Uchoa e Jo�o Dumans, � um dos melhores filmes sobre a quest�o da precariza��o do trabalho no Brasil. Admiro a forma com que o tempo � tratado na maioria desses filmes, assim como gosto da forma como o cinema mineiro traz o homem comum para o centro da narrativa. O excelente O homem das multid�es, que Cao realizou com Marcelo Gomes, vai nessa mesma dire��o.

“Eu vim procurar meu pai”, diz o menino Guto em Quando a terra treme. De imediato, vem � lembran�a Josu� (Vinicius de Oliveira), em Central do Brasil. O efeito do tempo na aus�ncia da figura paterna � uma das conex�es do curta com seus longas anteriores? Por que o tema lhe interessa tanto?
� algo que me vem de uma forma mais intuitiva do que racional. Talvez pelo fato de a aus�ncia do pai ser constitutiva da forma��o do Brasil, e pela sensa��o de orfandade que nos perpassa. Confundo at� hoje as palavras “pai” e “pa�s”, e isso acaba reverberando ao longo dos trabalhos.

Voc� mostra o esfor�o de an�nimos, mesmo cercados pela dor e desamparo, para socorrer um animal soterrado na lama. A uni�o coletiva � uma possibilidade de esperan�a para o pa�s?
Amos Gitai falou recentemente na Mostra de S�o Paulo que um pa�s n�o � apenas um governo, mas sim algo muito mais complexo e polif�nico, formado por diversas camadas e correntes de pensamento. Em momento t�o complexo quanto o que estamos vivendo, � fundamental n�o ficar a reboque dos fatos e continuar a criar ideias originais e divergentes, que desvendem outras possibilidades de vida. E penso que as mais fecundas, no cinema e na vida, s�o aquelas que surgem de forma coletiva. J� no seu nascimento, o cinema � o resultado de um trabalho realizado a quatro m�os – as dos irm�os Lumi�re.

Quando a terra treme
Curta-metragem de Walter Salles
 Videofilmes, 26 minutos
Exibi��o nesta ter�a (5), �s 21h50, no Canal Brasil


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