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Estado de Minas LITERATURA

Finalmente em portugu�s a obra completa da poeta Emily Dickinson

Cerca de 1.800 poemas foram traduzidos pelo professor Adalberto M�ller, da Universidade Federal Fluminense, em trabalho que durou sete anos


20/01/2021 04:00 - atualizado 20/01/2021 08:44

A escritora publicou apenas 10 poemas em vida: guardados numa cômoda, cerca de 1.800 foram encontrados por uma irmã após sua morte. Primeiro volume da obra completa acaba de ser editado no país(foto: Emily Dickinson Museum/reprodução)
A escritora publicou apenas 10 poemas em vida: guardados numa c�moda, cerca de 1.800 foram encontrados por uma irm� ap�s sua morte. Primeiro volume da obra completa acaba de ser editado no pa�s (foto: Emily Dickinson Museum/reprodu��o)
A poeta norte-americana Emily Dickinson (1830-1886) era uma mulher solit�ria – raramente sa�a de casa em seus �ltimos anos e publicou poucos poemas em vida: apenas 10, divulgados em jornal. Ap�s sua morte, por�m, sua irm� descobriu um verdadeiro tesouro na c�moda de seu quarto: manuscritos de cerca de 1.800 poemas, escritos ao longo de 30 anos.

Publicados, descobriu-se ali uma voz de sensibilidade delicada e aguda intelig�ncia. Versos que traziam sutileza em seus ritmos, concis�o nas suas imagens, densidade em suas ideias. Logo, a obra de Emily Dickinson foi al�ada a uma das principais da literatura mundial.

"� uma poesia que concilia um mergulho na linguagem com incurs�es filos�ficas por territ�rios em que poucos escritores foram capazes de chegar", observa Adalberto M�ller, professor de teoria da literatura da Universidade Federal Fluminense e autor de uma in�dita e importante tarefa: a tradu��o de todos os poemas de Dickinson, trabalho que, pela extens�o, foi dividido em dois volumes. Assim, acaba de ser lan�ada Poesia completa, Vol. 1, edi��o dividida entre as editoras da Unicamp e a da UnB, com 888 p�ginas. O pr�ximo tomo ainda n�o tem data de lan�amento.

Trata-se da primeira vers�o em portugu�s da obra completa de Dickinson – at� ent�o, havia apenas antologias em Portugal e no Brasil que n�o somavam mais de 500 poemas. E agora chega um trabalho apurado, com notas explicativas e as chamadas variantes, ou seja, outras vers�es do mesmo poema. 

As margens das p�ginas cont�m as alternativas (palavras ou express�es) que a pr�pria Emily Dickinson anotava, como poss�veis substitui��es a serem feitas. Por fim, o livro traz ainda um posf�cio com apresenta��o dos aspectos editoriais relativos � transcri��o dos poemas e refer�ncias que ajudam o leitor a compreender o contexto em que a obra foi produzida.

"Apesar de haver escrito na segunda metade do s�culo 19, Dickinson � bastante contempor�nea pelos temas que trata (fama, anonimato, fobia social, amor l�sbico, crise religiosa, preocupa��o ambiental, etc.)", comenta M�ller. "Por isso, da mesma forma que buscava a beleza capaz de arrepiar, ela buscava a verdade dos fatos, inclusive cient�ficos – tinha conhecimentos incomuns de bot�nica, astronomia e geologia. Ela escreveu tamb�m sob o impacto da Guerra Civil (1861-1865) e da 'polariza��o' extremista. Seu pai e amigos eram abolicionistas, lutavam pela causa ind�gena e Emily conviveu com imigrantes."

REFINAMENTO 


O que torna os versos de Dickinson t�o singulares � o refinamento de sua linguagem – ao mesmo tempo em que seus poemas trazem ecos de cl�ssicos, como Shakespeare, sua dic��o � moderna, como mostra o uso de pausas, vazios, assimetrias e, principalmente, dos travess�es, recurso gr�fico usado mais para criar intervalos entre palavras do que inserir apostos nas frases e que se tornou uma de suas marcas mais conhecidas.

"Mesmo escrevendo a m�o, Dickinson j� prev� uma poesia bastante 'gr�fica', isto �, em que a escrita reflete as tens�es do corpo (uma 'luta corporal', para citar Ferreira Gullar)", nota o tradutor. 

"Isso incide sobre ritmo e sobre a significa��o. Por exemplo, as pausas e os vazios (elipses) criam furos na linguagem, originando dilemas e paradoxos interpretativos, ao passo que as assimetrias operam como a s�ncope musical, com efeitos harm�nicos inusitados. Muitos m�sicos (como Aaron Copland, que comp�s 12 Poems of Emily Dickinson) perceberam essa musicalidade sincopada de Dickinson, muito moderna. Ela mesma tocava spirituals no piano, um g�nero de origem afro-americana que est� na raiz do blues."

Para além dos livros: Haille Steinfeld interpreta a poeta na série Dickinson, exibida pela plataforma Apple TV(foto: Apple TV /divulgação)
Para al�m dos livros: Haille Steinfeld interpreta a poeta na s�rie Dickinson, exibida pela plataforma Apple TV (foto: Apple TV /divulga��o)

Sete anos de trabalho para a tradu��o

Embora n�o sejam meramente autobiogr�ficos, os poemas deixam claro que Dickinson experimentou ou foi capaz de imaginar profundamente n�o apenas o desespero, a instabilidade ps�quica, a car�ncia e a dor, mas tamb�m os sentimentos mais profundos de amor, de �xtase e de felicidade, observa Cristanne Miller, professora da State University of New York at Buffalo, autora do pref�cio. Segundo ela, foi a partir dos 30 anos que Dickinson se tornou reclusa, e a condi��o de solteira e o afastamento social a ajudaram a se dedicar � escrita mais intensamente, o que ocorreu a partir do final de 1850.

"Como o esp�rito de Dickinson � sempre o da contradi��o, sua poesia ao mesmo tempo espera e desespera", aponta M�ller. "Ela experimentou todas as formas de dor: da do abandono (ela se descreve como uma crian�a trancada no arm�rio) � dor do confinamento sexual e da falta de liberdade social para as mulheres; da desilus�o amorosa � perda de amigos importantes e familiares por doen�as fulminantes; da dor metaf�sica � dor pol�tica dos acontecimentos da Guerra Civil. E, enfim, as dores de todas as doen�as que a acometeram, inclusive da crise renal aguda que lhe causou uma cegueira progressiva. Diante de uma ‘dor – t�o total –’, como ela pr�pria diz, Dickinson busca o prazer no jardim da poesia, e na poesia do jardim." 

Para traduzir os 1.800 poemas de Dickinson, M�ller partiu de uma ideia de equival�ncia, de equil�brio tenso entre o original e a tradu��o. "Se traduzo uma autora que escreveu 90% da poesia seguindo praticamente o mesmo padr�o m�trico e de rimas, tenho de pensar em m�trica e em rimas. Claro, sem abandonar o sentido, ou melhor, os aspectos sem�nticos, e muito menos as imagens, a linguagem figurada", conta ele, que trabalhou durante sete anos nos versos de uma poeta em que o n�o dizer vale tanto quanto o dizer e cuja trajet�ria ainda fascina – pelo menos quatro filmes e s�ries levaram sua vida e a poesia para as telas, como Dickinson, dedicada ao p�blico teen, cuja segunda temporada estreou no dia 8 na Apple TV+.


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