
Antes de entrar na casa do Big Brother Brasil, a psic�loga baiana Lumena Aleluia era conhecida por sua milit�ncia antirracista, mas agora est� sendo acusada de fazer no programa da Globo justamente o que combatia fora dele.
Lumena, que � negra, criticava outra participante, Carla Diaz, uma atriz branca, quando disse: "N�o gosto dessa coisa sem melanina, desbotada".
Isso "foi um caso claro de racismo" para o deputado estadual Anderson Moraes (PSL-RJ).
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Ele disse ter feito uma den�ncia contra Lumena na delegacia especializada em crimes raciais do Rio de Janeiro, cidade onde o Big Brother � gravado. Para o deputado, a declara��o foi "pejorativa e ofensiva � ra�a branca".
O ministro das Comunica��es, F�bio Faria (PSD), tamb�m considerou a psic�loga racista quando ela falou mal de Carla de novo, alguns dias depois.Lumena disse que a atriz tinha um ego muito grande e estava "cagada na merda da branquitude".
"Gente, em que mundo estamos vivendo? Cagada na branquitude? Se fosse o inverso seria crime", tuitou Faria.
Por causa do mesmo epis�dio, o vereador Thammy Miranda (PL-SP) denunciou a participante do Big Brother ao Minist�rio P�blico do Rio de Janeiro.
Ele argumentou que, ao falar da "branquitude" de Carla, Lumena fez refer�ncia a "um comportamento que seria t�pico de pessoas da ra�a branca" e que seria "considerado inferior" por ela.
O vereador afirmou ainda que ela fez um "perigoso incitamento a comportamentos agressivos e humilhantes em rela��o a pessoas de ra�as diferentes". "Racismo � racismo", disse.
O MP-RJ informou � BBC News Brasil ter recebido 17 den�ncias em sua ouvidoria contra a psic�loga, que est�o sendo analisadas, mas n�o especificou se alguma foi por racismo.
Lumena foi racista com Carla ao criticar sua "branquitude"? Afinal, uma pessoa negra pode ser racista contra uma pessoa branca?
O que � racismo
O racismo tem uma longa hist�ria, mas o conceito � relativamente recente. Foi elaborado no s�culo 20 para identificar uma ideologia que divide e hierarquiza uma sociedade com base nas caracter�sticas �tnicas e raciais.
"A constru��o do racismo refere-se a grupos em posi��o de poder que subjugam outros grupos para obten��o de vantagens e privil�gios a partir dessa subordina��o", diz M�rcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de S�o Paulo e coordenadora o N�cleo de Pesquisa e Forma��o em Ra�a, G�nero e Justi�a Racial do Centro Brasileiro de An�lise e Planejamento (Afro-Cebrap).
O preconceito � a vis�o de mundo que deriva dessa ideologia. Mas o preconceito n�o necessariamente se concretiza em atos. Se isso acontece, h� uma discrimina��o.
A lei 7716 foi criada em 1989 no Brasil para combater justamente a discrimina��o baseada no preconceito de ra�a ou cor de pele — ela foi depois alterada para incluir outros tipos de preconceito.
Essa lei criminaliza uma s�rie de atos discriminat�rios, como barrar algu�m de entrar em um restaurante, negar o atendimento em uma loja ou impedir uma matr�cula escolar, por exemplo.
Tamb�m prev� que condutas mais gerais configuram racismo quando elas "praticam, induzem ou incitam a discrimina��o ou preconceito".
Mas o crime de racismo n�o se refere a todo e qualquer gesto de preconceito racial, explica o advogado Thiago Amparo, professor de Direitos Humanos da Funda��o Get�lio Vargas em S�o Paulo (FGV-SP).
"Racismo tem a ver com rela��es de poder. N�o � simplesmente uma ofensa, mas uma ofensa que reproduz rela��es de poder na sociedade que s�o baseadas na ra�a e na cor", afirma Amparo.
'O racismo tem cor e destinat�rios certos'

O advogado recorda que o Supremo Tribunal Federal j� disse em outras ocasi�es que a ra�a n�o existe do ponto de vista biol�gico.
� uma elabora��o criada para hierarquizar as pessoas em uma sociedade. Inferioriza algumas enquanto torna outras superiores.
"Isso n�o pode ser lido fora das nossas rela��es atuais de poder e do contexto hist�rico do Brasil", diz Amparo.
Falar que racismo independe de ra�a desconsidera que houve 300 anos de escravid�o no Brasil e que, historicamente, brancos nunca foram discriminados, defende o advogado: "O racismo tem, sim, cor e destinat�rio certos".
M�rcia Lima concorda: "Como o racismo envolve rela��es de poder, n�o faz sentido dizer que algu�m de um grupo dominante foi discriminado por uma pessoa de um grupo subordinado".
A soci�loga acrescenta que tamb�m n�o � t�o simples fazer uma invers�o de pap�is no que vem acontecendo no Big Brother.
Uma fala semelhante da Carla para a Lumena tem mais impacto pelo fato de Lumena ser de um grupo historicamente discriminado, diz M�rcia Lima.
"S�o duas mulheres que ocupam lugares hist�ricos na sociedade brasileira que n�o s�o iguais ou equivalentes. N�o d� pra apenas supor uma invers�o. � muito mais complexo. Tem um lastro social e hist�rico para uma fala assim ser considerada racista."
Thiago Amparo diz que o pr�prio fato de algumas pessoas fazerem essa troca de pap�is para acusar Lumena de ter sido racista dep�e contra esse argumento.
"N�o precisaria fazer essa invers�o se as situa��es fossem iguais. Racismo reverso n�o existe."
Os dois pesquisadores lembram ainda que atitudes como a de Lumena, embora bastante critic�veis, podem ser fruto da pr�pria discrimina��o que uma pessoa como ela sofreu ao longo da sua vida em uma sociedade na qual o preconceito racial � estrutural, institucional e cotidiano.
Algo que � duplamente v�lido para uma mulher preta, que teve de lidar ao mesmo tempo com o racismo e o machismo. Para se defender, ela teria partido para o ataque.

'Falas como a de Lumena prestam um desservi�o � luta antirracista'
Isso n�o quer dizer que Lumena n�o possa vir a ser cobrada na Justi�a por suas atitudes — nem que seu preconceito n�o seja conden�vel.
"N�o configurar um crime de racismo n�o significa que n�o haja outras vias jur�dicas poss�veis", explica Thiago Amparo.
"Para isso, no entanto, o Judici�rio teria que verificar se se trata de um caso de indeniza��o por dano moral ou um caso de inj�ria simples. Nas duas hip�teses, deveria ser argumentado que a ofensa foi significativa a ponto de ser responsabilizada, o que � controverso dada as rela��es raciais de poder."
Mas talvez a cobran�a mais forte pode vir de quem Lumena menos espera quando ela sair da casa do Big Brother.
"O discurso da Lumena n�o representa movimento nenhum", tuitou a vereadora Erika Hilton (PSOL-SP), que � negra.
"Tanta luta ainda pra mulher negra num pa�s desse. Um governo desse. A� vem uma criatura e gasta nosso discurso, gasta a nossa vela com um defunto ruim desse", disse a cantora Teresa Cristina.
As falas de Lumena s�o preconceituosas, diz a soci�loga M�rcia Lima, e ferem o princ�pio b�sico do antirracismo: n�o se trata de atacar pessoas brancas, mas sim combater o uso de caracter�sticas �tnico-raciais para diferenciar, desqualificar ou preterir qualquer um.
"Tudo isso � uma infelicidade que desqualifica e n�o representa a milit�ncia negra. Falas como esta prestam um desservi�o � luta antirracista."
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