
Interessante a conversa com o ator Rui Rezende – “Rui com i, Rezende com z”, conforme explica, logo no in�cio, com a voz firme e clara. Com quase seis d�cadas dedicadas ao of�cio de representar, ele mostra, em cada frase, que sabe separar fic��o e realidade, pessoa e personagem, passado e presente, vida e arte, embora ao longo do tempo esses v�rios lados tenham se misturado e ganhado for�a para pavimentar o caminho e conquistar o p�blico.
Em “O coadjuvante”, Rezende narra, em tons autobiogr�ficos, a trajet�ria de um ator permeada pelos altos e baixos da profiss�o, mazelas e sucessos, com foco nos bastidores.
“N�o posso dizer que � uma biografia, mas tem muito das minhas experi�ncias”, revela o autor de “Um lobisomem passado a limpo”, lan�ado em 2008.
No livro, ainda sem data de conclus�o e publica��o, Rui Rezende tem empregado a m�xima de um bom texto: escrever � cortar palavras. E tantos cortes t�m tomado a maior parte do tempo do ator, que, depois de quase 20 anos morando no Bairro Floresta, em BH, decidiu se transferir, por uma quest�o de comodidade, para o Retiro dos Artistas, em Jacarepagu�, no Rio de Janeiro, institui��o que acolhe atores e atrizes.
“Trabalho muito � tarde. Imagina que o livro tem 600 p�ginas e preciso cortar muito ainda. A cada hora, me deparo com umas coisas cabeludas, horrorosas, encontro erros. Preciso enxugar o texto para ficar bom. Na verdade, vou tirando as gorduras e colocando musculatura.”
No momento em que o rep�rter ligou para o ator, no in�cio da tarde, ele estava de sa�da para o supermercado. “Engra�ado, antes de existir celular, quando s� havia telefone fixo, a gente n�o precisava levar o aparelho para a rua, n�? � um saco isso”, brinca. Mas deixa claro que n�o � avesso � tecnologia. “Escrevo no computador. Durante muitos anos, at� usei m�quina de escrever, mas dava tanto trabalho trocar a fita que abandonei de vez.”
''N�o fiquei rico com a profiss�o, mas tive sorte. Levo a vida de um jeito mais leve, sem drama''
Rui Rezende, ator
SA�DE DE FERRO
Quando morou em BH, Rui Rezende se tornou ass�duo frequentador de restaurantes vegetarianos, em especial um na Avenida Afonso Pena, no Centro. “H� 40 anos, fiz o plano de sa�de que me acompanha at� hoje. Deixei de comer carne vermelha. S� consumo carne branca – frango ou peixe.”
O h�bito alimentar, acredita, serviu para livr�-lo de maiores consequ�ncias da COVID-19 que contraiu, sem maiores problemas e sequelas. O ator n�o precisou ficar hospitalizado, apenas cumpriu a quarentena recomendada pelos m�dicos.
“Tenho sa�de de ferro, felizmente n�o precisei de intuba��o, nada disso. Sempre fui magro, mas perdi peso com a doen�a”, afirma.
Resistente a fazer planos e prestes a completar 83 anos, em 18 de novembro, Rui acaba de participar da segunda temporada da s�rie “Bom dia, Ver�nica”, contracenando com o ator Reynaldo Gianecchini, e espera a estreia de uma novela da Rede Globo, gravada em 2019.
A chegada do novo formato da teledramaturgia, na sua avalia��o, veio para ficar. “N�o sou muito de ver s�ries brasileiras. Esta (“Bom dia, Ver�nica”) quero ver, at� para n�o ficar parecendo preconceito. J� assisti a s�ries at� da Turquia e de outros pa�ses. S� n�o gosto de dublagem, embora d� emprego a muita gente, pois � ind�stria. Futuramente, n�o haver� muito espa�o para novelas longas demais, como as feitas atualmente.”
Com passagens pelo teatro e cinema, foi na televis�o, especialmente nas novelas, que Rui Rezende mostrou seu talento e caiu nas gra�as do p�blico. Imposs�vel n�o se lembrar do professor Astromar Junqueira, que virava lobisomem nas noites de lua cheia em “Roque Santeiro”, exibida pela Globo em 1985 e 1986.
Rui n�o gosta de viver do passado, mesmo do alto de seu vasto curr�culo, que come�ou aos 27 anos, quando era locutor de uma r�dio para jovens em S�o Paulo (SP). Hist�ria � o que n�o falta.
“N�o me esque�o de quando o produtor do programa no qual eu trabalhava chegou � r�dio de manh� com uma novidade. Na verdade, ele sempre chegava com uma novidade e pedia ao locutor para colocar no ar. Desta vez, trazia um compacto simples (antigo disco de vinil com duas m�sicas), contendo as ent�o recentes grava��es dos Beatles, 'She loves you' e 'I wanna hold your hand'”, relembra.
PONTE
O orgulho maior na profiss�o � ter participado de dois marcos da tev� do pa�s: as novelas “Beto Rockfeller” (1968-1969), na antiga TV Tupi, protagonizada por Lu�s Gustavo, falecido em 19 de setembro, e a c�lebre “Roque Santeiro”. As duas produ��es, ressalta, “s�o as colunas importantes na ponte da teledramaturgia brasileira”.
Sobre “Roque Santeiro”, ele se lembra de uma hist�ria dos tempos pr�-celular, que demostra a tranquilidade do ator ao separar a vida pessoal da profissional. Estava de viagem para passar uns dias na fazenda de um amigo em Araguari, quando o telefone fixo de sua casa no Rio de Janeiro, onde morou de 1972 a 1991, quebrou. H� dias o diretor Paulo Ubiratan estava atr�s dele para lhe oferecer o papel do professor Astromar Junqueira. “S� trabalhei na novela porque recebi um telegrama”, comenta Rui.
Dizendo-se o tipo de ator que n�o fica desesperado quando termina um trabalho, como ocorre com muitos colegas, ele reconhece: gra�as �s novelas, muitos artistas conseguem sobreviver. “N�o fiquei rico com a profiss�o, mas tive sorte. Levo a vida de um jeito mais leve, sem drama.”
VIAGEM
A pandemia prendeu todo mundo em casa, o que Rui Rezende considera uma l�stima. Vacinado, planeja para dezembro uma viagem aos Estados Unidos, onde moram a companheira, Eva Dias, e a filha, Ana Marta, casada com um brasileiro.
Quando o rep�rter pergunta se ele tem �dolos, vem a resposta, na ponta da l�ngua: “Eva Dias, que n�o � atriz e me suportou durante muitos anos. Eu a admiro e amo”. E cita Ana Marta. “Ficarei hospedado uns dias na casa de Eva, outros na casa da minha filha”.
No universo art�stico, os �dolos dele s�o do passado. No altar das admira��es pontificam Marlon Brando, Al Pacino e Robert De Niro. Morando no Rio, Rui Rezende conta que n�o vai mais � praia. “Isso � coisa do passado”, garante.

MINHA HIST�RIA
Com dezenas de atua��es em produ��es na televis�o, cinema e teatro, Rui Rezende escolhe seus trabalhos preferidos:
TV
Novelas “Beto Rockfeller” (1968-1969), “O espig�o” (1974), “Sinal de alerta” (1978-1979) e
“Roque Santeiro” (1985-1986)
CINEMA
“Dona Flor e seus dois maridos” (1976)
TEATRO
“A paix�o segundo N�lson” (2016)