
George Falconer � um t�pico ingl�s perfeccionista. Tamanho zelo se revela em suas abotoaduras, terno bem cortado e barba impec�vel. Da casa no Beco da Canforeira, onde mora h� anos, ele observa o mundo exterior com a curiosidade de estrangeiro, mas n�o por ser forasteiro na ensolarada Los Angeles. Ele � um homem solit�rio de meia-idade e homossexual, discreto, vivendo entre a casa e o trabalho.
Embora tenha constru�do parte da vida onde est�, a vis�o descortina para al�m dos olhos o t�pico sonho americano: crian�as barulhentas e seus pais invasores daquele bols�o id�lico. George precisa se levantar do trono, seu ref�gio, para refletir e espionar sem ser visto, come�ar o dia e ir para a ribalta, onde dar� um discurso inspirador sobre medo e Aldous Huxley.
O medo, segundo ele, � o instrumento de controle da sociedade americana. N�o por acaso, o livro foi lan�ado nos EUA em 1964, d�cada que vivia os efeitos colaterais do macarthismo e da crise dos m�sseis.
Em “Um homem s�”, romance de Christopher Isherwood relan�ado depois de d�cadas no esquecimento, o leitor percorre um dia na vida desse professor de literatura, que foi interpretado no cinema pelo tamb�m ingl�s Colin Firth. No Brasil, o filme ganhou o t�tulo ''Direito de amar''.
BERLIM
Conhecido por retratar uma Berlim lend�ria, no per�odo anterior � Segunda Guerra, Isherwood foi um escritor itinerante. Nascido h� quase um s�culo na Inglaterra, ele viveu parte da juventude na efervescente capital da Rep�blica de Weimar, tendo retratado Berlim como centro cosmopolita no velho continente. Acompanhou de perto a eclos�o das vanguardas e a libera��o sexual.
O escritor perscrutou o submundo berlinense dos cabar�s e bares intelectuais, tendo escrito, em 1939, “Adeus a Berlim”, romance t�o bem-sucedido que inspirou o diretor Bob Fosse a realizar o cl�ssico musical “Cabaret”. Nele transitavam mulheres e homens insinuantes, prostitutas e intelectuais.
� essa atmosfera glamourosa que se l� no livro, adaptado para o cinema com Liza Minelli no papel da dan�arina Sally Bowles, e Michael York como o alter ego do escritor.
Enquanto “Adeus a Berlim” diz muito sobre a juventude de Isherwood, o leitor que tem em m�os “Um homem s�”, agora em tradu��o de D�bora Landsberg, notar� um escritor maduro que refinou o retrato do solit�rio na meia-idade.
Ambientado em Los Angeles, onde Isherwood terminou seus dias, nas montanhas de Santa M�nica, a hist�ria joga luz sobre a autodestrui��o trai�oeira que a depress�o provoca em George, ap�s perder seu companheiro de anos.
O p�riplo de um dia na vida do professor � um artif�cio recorrente na literatura. Isherwood, para os padr�es da �poca, inova ao eleger um protagonista queer. Do autor, a Companhia das Letras tamb�m vai relan�ar em breve “Adeus a Berlim”.
Isherwood inspirou contempor�neos a escrever sobre a homossexualidade de seu tempo, alguns deles seus amigos, como Stephen Spender, autor de “O templo”, e o poeta W. H. Auden. Mesmo hoje, escritores aclamados como Alan Hollinghurst (“A biblioteca da piscina”) e Garth Greenwell (“O que te pertence”) revelaram ter Isherwood como refer�ncia.
ANG�STIA
Em “Um homem s�”, a ang�stia interior � o motor da narrativa. Isherwood trouxe para a literatura complexos que atormentam os gays, como a quest�o do culto � imagem, a solid�o, a busca por um ideal perfeito de beleza, como queriam os gregos.
Na trama, o professor se envolve com um de seus alunos, tema n�o inusual na literatura do g�nero, tratado, contudo, com frescor, como fez Greenwell. � imposs�vel n�o perceber a silhueta de Isherwood na hist�ria de Mitko.
As imagens evocadas no romance s�o pensadas com cuidado para dar tom de contraste em um �nico dia, como o jogo de t�nis que exala uma carga homoer�tica e instiga o professor, � luz da manh�, bem como o tr�nsito dele pelas suas reminisc�ncias na juventude e na academia local.
Do Eros, ele decai ao nauseante, simbolizado pela incurs�o em um hospital, ocasi�o em que George vai visitar Doris, uma conhecida. � interessante notar essa disputa entre a vida pulsando, emanando de determinados personagens, versus o f�tido, que contamina o ambiente.
A morte, essa personagem insubstitu�vel na obra do escritor, � uma esp�cie de fim que se alastra ao longo do livro, cedendo espa�o ao breu, ao luar.

“UM HOMEM S�”
• Christopher Isherwood
• Companhia das Letras (160 p�gs.)
• R$ 59,90
