
A voz negra de Elza Soares se calou, deixando o Brasil de luto. “A m�sica nunca mais ser� a mesma”, avisa Milton Nascimento. “A voz do mil�nio, v� em paz Elza Soares”, lamentou o rapper Mano Brown. “Quando Elza lan�ou 'Se acaso voc� chegasse', a for�a da sua voz e a sua personalidade conquistaram todos de uma s� vez. Uma mulher que lutou desde muito cedo contra v�rias formas de opress�o e cuja contribui��o vai al�m do universo da m�sica brasileira”, despediu-se Paulinho da Viola.
“Honro Elza Soares. Honro a mulher, a artista, a cidad�, a amiga. Ela � foda! Sempre foi e sempre ser�! Dura na queda, nos ensinou a levantar a cabe�a a cada tombo e depois seguir”, afirmou a atriz Ta�s Ara�jo, outro talento negro do Brasil, que, como Elza, n�o se cansa de combater o racismo e o machismo.
“Ela nos ensinou que � a gente quem leva a vida, que o comando � nosso e quando a gente perde o rumo, cabe a n�s mesmos encontrar o caminho de volta. Perdi uma �dola e ganhei uma ancestral forte, firme, uma luz. Alterno l�grimas com risos, lembrando as hist�rias e me pego pensando no legado deixado por Elza: cabe�a erguida e passos firmes. Te amo, Elza! Vc � pra sempre”, postou Ta�s.
"Elza Soares foi uma concentra��o extraordin�ria de energia e talento no organismo da cultura brasileira. Tendo sido f� de sua voz e musicalidade desde os meus anos de gin�sio, tive a honra de ser procurado por ela quando de sua iminente decis�o de abandonar a carreira e/ou o Brasil. Fui capaz de convenc�-la a ficar porque entendi que aquilo era uma esp�cie de pedido de socorro. Compus o samba-rap 'L�ngua' e a convidei para cantar a parte mel�dica. Assim ela voltou a cantar e a receber aten��o. Voltou � televis�o e, depois, figuras t�o d�spares quanto Lob�o e Z� Miguel Wisnik fizeram quest�o de trabalhar com ela. Recentemente, jovens m�sicos paulistanos (e ao menos um carioca que vive em Sampa) t�m feito com ela o que ela merece. Morreu na gl�ria a que fazia jus, numa idade respeit�vel, afirmando a grandeza poss�vel do Brasil"
Caetano Veloso, cantor e compositor
L�GRIMAS E AGRADECIMENTO
"Elza Soares foi uma concentra��o extraordin�ria de energia e talento no organismo da cultura brasileira. Tendo sido f� de sua voz e musicalidade desde os meus anos de gin�sio, tive a honra de ser procurado por ela quando de sua iminente decis�o de abandonar a carreira e/ou o Brasil. Fui capaz de convenc�-la a ficar porque entendi que aquilo era uma esp�cie de pedido de socorro. Compus o samba-rap 'L�ngua' e a convidei para cantar a parte mel�dica. Assim ela voltou a cantar e a receber aten��o. Voltou � televis�o e, depois, figuras t�o d�spares quanto Lob�o e Z� Miguel Wisnik fizeram quest�o de trabalhar com ela. Recentemente, jovens m�sicos paulistanos (e ao menos um carioca que vive em Sampa) t�m feito com ela o que ela merece. Morreu na gl�ria a que fazia jus, numa idade respeit�vel, afirmando a grandeza poss�vel do Brasil"
Caetano Veloso, cantor e compositor
L�zaro Ramos, um dos raros astros negros do pa�s e marido de Ta�s Ara�jo, tamb�m se despediu da musa: “Elza. Elza. Elza. S� l�grimas neste momento. Tanto que queria falar e agradecer, mas n�o h� palavras suficientes que possam expressar o tanto que sinto com sua partida. Obrigado por inspirar tanto e por n�o se calar nunca. Obrigado, Deusa maior”.
A atriz mineira Erika Januza tamb�m tem a cantora como refer�ncia em sua carreira, lutando por espa�o para os negros na TV e no cinema. “Elza Soares se foi, no mesmo dia de Garrincha. Chove t�o forte l� fora, n�o h� gota que n�o sinta”. E a cantora Preta Gil, filha de Gilberto Gil, relembrou a vida “simplesmente incr�vel” da artista. “Nossa 'Voz do Mil�nio' nos deixou hoje”, lamentou.
O rapper Rashid era outro f� inconsol�vel. “Dona Elza Soares descansou. Gigantesca. Inspiradora. A voz do mil�nio! Dedicada � arte at� agora. Das maiores de nossa hist�ria, s� agrade�o por tudo que fez”, afirmou.
Cantora e parlamentar, Leci Brand�o disse que o Brasil perde um exemplo. “Perdemos n�o s� uma das melhores cantoras e vozes mais potentes do Brasil, mas tamb�m uma grande mulher, que sempre defendeu a democracia e as boas causas.”
MINAS NO CORA��O
Querida em Minas Gerais, Elza dizia que suas ra�zes est�o aqui. “Minha fam�lia � toda mineira: av�s, pais, marido, h� toda uma rela��o com o povo mineiro, que sempre me recebeu muito bem!”, afirmou, quando recebeu o t�tulo de Cidad� Honor�ria de BH, em 2019.
Em 2016, Elza encerrou a programa��o da Virada Cultural de Belo Horizonte, na Pra�a da Esta��o. A multid�o a ovacionou, assim como ocorrera em show no Sesc Palladium, meses antes.
“Maria da Vila Matilde” foi cantada com emo��o pela artista e pela plateia: “Cad� meu celular?/ Eu vou ligar pro 180/ Vou entregar teu nome/ E explicar meu endere�o/ Aqui voc� n�o entra mais/ Eu digo que n�o te conhe�o/ E jogo �gua fervendo/ Se voc� se aventurar”, diz a can��o, recado visceral para os machistas, abusadores e assediadores sexuais.
Depois de sofrer um tombo, apresentou-se amparada por uma cadeira no Festival I Love Jazz, promovido pelo Estado de Minas, na Pra�a da Papa, em 2010. N�o perdeu o tom uma vez sequer.
Em outras ocasi�es, o cantor, compositor e multi-instrumentista mineiro Maur�cio Tizumba subiu ao palco v�rias vezes com ela. “Grande artista, um exemplo de resist�ncia, enquanto mulher, enquanto negra. Lembro-me de um baterista que tocava com o C�lio Balona e, na �poca, estudava em um terreiro na casa do meu av�, tocando em cima do disco dela. Naquela �poca Elza j� cantava as coisas de resist�ncia”.
Em outras ocasi�es, o cantor, compositor e multi-instrumentista mineiro Maur�cio Tizumba subiu ao palco v�rias vezes com ela. “Grande artista, um exemplo de resist�ncia, enquanto mulher, enquanto negra. Lembro-me de um baterista que tocava com o C�lio Balona e, na �poca, estudava em um terreiro na casa do meu av�, tocando em cima do disco dela. Naquela �poca Elza j� cantava as coisas de resist�ncia”.
CONVIDADA DO TAMBOR MINEIRO
Tizumba se orgulha de ter trazido Elza para BH para participar do festejo do Tambor Mineiro, dividindo o palco com a cantora. “Elza foi homenageada pela Mocidade Independente, fui convidado para desfilar na escola. Tive uma hist�ria muito bonita com ela”, diz o mineiro.
Elza foi madrinha da carreira de Vander Lee (1966-2016). A cantora Regina Souza, ex-mulher dele, lembra o carinho da cantora pelo mineiro. “A �ltima vez que me encontrei com ela foi no Rio, quando fui assistir � estreia de Elza e ela ficou muito emocionada. Levei a minha filha Clara, que estava na minha barriga quando a gente se conheceu, num show do Vander Lee no Pal�cio das Artes. Emocionada, ela falou com a Clara assim: “Eu amava seu pai, ele est� no meu cora��o”. E se emocionou de ver a Clara j� grande”, lembrou Regina.
O compositor Makely Ka abriu para Elza em um show. “Um dos maiores orgulhos foi uma vez quando cheguei a Nova York e tinha um show dela no Central Park. Elza estava na capa do caderno de cultura do New York Times. Voc�, como brasileiro, chega em outro pa�s e v� uma artista nessa situa��o, d� o maior orgulho”, diz ele.
Para Makely, Elza atravessou praticamente o s�culo 20, cantou todos os estilos, lan�ou v�rios artistas. “E desafiou o status quo, os preconceitos todos, desde o programa do Ary Barroso”, lembra. “Uma cantora negra que sempre fez quest�o de dizer de onde vinha e de estabelecer essa rela��o com a periferia, com a negritude, de sempre levantar essas bandeiras. Uma perda lastim�vel para a cultura brasileira”, conclui.
"Alterno l�grimas com risos, lembrando as hist�rias e me pego pensando no legado deixado por Elza: cabe�a erguida e passos firmes. Te amo, Elza! Vc � pra sempre"
Ta�s Araujo, atriz
A musa (sofrida) de Garrincha
"Alterno l�grimas com risos, lembrando as hist�rias e me pego pensando no legado deixado por Elza: cabe�a erguida e passos firmes. Te amo, Elza! Vc � pra sempre"
Ta�s Araujo, atriz

Elza Soares teve forte liga��o com o futebol. Mais especificamente com um jogador, ou melhor, um craque: ningu�m menos que Garrincha, o Anjo das Pernas Tortas, bicampe�o com a Sele��o Brasileira em 1958 e 1962, com quem foi casada de 1966 a 1982 e teve o filho Manoel Francisco dos Santos J�nior, o Garrinchinha.
Eles se conheceram no fim de 1961 e, segundo Ruy Castro, na biografia “Estrela solit�ria”, a cantora n�o se impressionara, at� por considerar o jogador “um menino” – era tr�s anos mais velha do que ele. O romance engatou depois da conquista do bi no Chile, no ano seguinte, quando ambos ainda estavam comprometidos – ela com o m�sico Milton Banana, inventor da bateria da bossa nova, ele com Nair.
Tinham mais em comum do que serem pessoas p�blicas e adoradas pelos f�s. Nasceram em fam�lias pobres, trabalharam em f�bricas, venceram adversidades e se tornaram expoentes de suas profiss�es.
A paix�o foi tamanha que o craque praticamente s� aparecia no Botafogo em dia de jogo. Elza, por sua vez, passou a se negar a fazer shows fora do Rio por medo de “o avi�o cair”. Na verdade, o tempo deles era dedicado a muito sexo, regado a �lcool. Afinal, Garrincha era famoso tanto pelos dribles quanto pelos porres.
Elza foi acusada de ter “destru�do uma fam�lia” pelos conservadores. E tamb�m de estar com o jogador s� por dinheiro, ao defender que Garrincha n�o aceitasse renovar contrato com o Botafogo por menos que o pretendido. Perseguidos e amea�ados, mudaram-se para a It�lia.
De volta ao Brasil com o fim da carreira do craque se aproximando e o alcoolismo batendo � porta, come�aram os problemas. As discuss�es n�o raramente terminavam em agress�es verbais e tamb�m f�sicas.
Nada disso impediu Elza de guardar boas recorda��es do companheiro. “O Man� (Garrincha) era alegre e feliz, apesar das maldades que faziam com ele. Ele era muito brincalh�o e estava sempre sorrindo. Se n�o fosse a maldita bebida, talvez o Man� ainda estivesse aqui conosco”, afirmou, em certa ocasi�o.
O casamento chegou ao fim depois de 16 anos, ela abriu m�o de receber pens�o. Quis apenas a guarda do filho, concedida pela Justi�a.
O casamento chegou ao fim depois de 16 anos, ela abriu m�o de receber pens�o. Quis apenas a guarda do filho, concedida pela Justi�a.
Pouco depois da separa��o, Garrincha morreu, em 20 de janeiro de 1983, em decorr�ncia de cirrose hep�tica. Elza Soares nunca mais se casou, mas namorou muito.
Nem mesmo a morte de Garrinchinha, em 1986, em acidente de carro, tirou a for�a desta mulher, cantora e artista. Ela ainda perdeu o filho G�lson, de 59 anos, v�tima de complica��es decorrentes de infec��o urin�ria, em 2015.