Pintado em 1928 por Tarsila do Amaral, o quadro "Abaporu" se tornou o �cone do modernismo anunciado pela Semana de 22 (foto: Reprodu��o)
O centen�rio da Semana de Arte Moderna de 1922 vai mobilizar, ao longo deste ano, v�rios olhares e reflex�es acerca do importante marco que, pode-se dizer, inaugurou tardiamente o s�culo 20 no Brasil, no �mbito cultural. V�rios autores se debru�am sobre o tema, na esteira da efem�ride, e editoras est�o com obras no prelo, que come�am a vir � luz a partir dos pr�ximos dias.
A Aut�ntica chega com “A revista Verde, de Cataguases: contribui��o � hist�ria do modernismo’, de Luiz Ruffato; “Inda bebo no copo dos outros”, reuni�o in�dita de textos dispersos de M�rio de Andrade, selecionados, organizados e apresentados por Yussef Campos; e a reedi��o de “M�rio de Andrade: ex�lio no Rio”, de Moacir Werneck de Castro.
A Companhia das Letras oferece pacote maior, com relan�amentos e obras que revisitam a Semana de 22 � luz da contemporaneidade – caso de “Modernismos 1922-2022”, que enfeixa 29 ensaios sobre a Semana, seus antecedentes e desdobramentos, privilegiando novas interpreta��es sobre os bastidores do modernismo paulista e a longeva repercuss�o de seus manifestos e produ��es. Organizado pela professora, pesquisadora e tradutora G�nese Andrade, com consultoria de Jorge Schwartz, o livro re�ne autores consagrados em diversos campos da cr�tica.
Outros t�tulos da Companhia das Letras s�o “Di�rio confessional”, documento in�dito da intimidade de Oswald de Andrade, com organiza��o de Manuel da Costa Pinto; as reedi��es de “Serafim Ponte Grande”, romance-chave de Oswald, e “Parque industrial”, que marcou a estreia liter�ria de Patr�cia Galv�o, a Pagu; “O guarda-roupa modernista”, de Carolina Casarin, que investiga o vestu�rio dos protagonistas do modernismo; e “Modernidade em preto e branco”, de Rafael Cardoso, que explicita as tens�es pol�ticas, raciais e sociais por tr�s das representa��es triunfalistas.
A Edusp lan�a “Obra incompleta”, de Oswald de Andrade, que, dividida em dois tomos com 1.656 p�ginas, re�ne parte significativa da produ��o do modernista: toda a poesia, os romances “Mem�rias sentimentais de Jo�o Miramar” e “Serafim Ponte Grande”, al�m de textos diversos sobre o ide�rio antropof�gico – manifestos, textos de tese e de cr�tica.
Coordenada por Jorge Schwartz, a edi��o cr�tica contou com a colabora��o de v�rios pesquisadores, com destaque para G�nese Andrade e Maria Augusta Fonseca.
CR�TICA EM DESTAQUE
G�nese Andrade considera que a reverbera��o da Semana de Arte Moderna de 1922, cem anos depois de sua realiza��o, entre 11 e 18 de fevereiro daquele ano, no Theatro Municipal de S�o Paulo, se justifica pela obra muito consistente constru�da a partir dela.
“O impacto da Semana de 22 se deu mais por um olhar retrospectivo do que no momento em que foi realizada. � medida em que foi sendo revista e revisitada, foi ganhando um espa�o na cr�tica, para o bem e para o mal”, aponta.
Ela ressalta que o grupo protagonista do evento – Oswald de Andrade, M�rio de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Villa-Lobos, Menotti Del Picchia e Pl�nio Salgado, entre outros – tinha a proposta clara de renova��o est�tica, e ousou fazer um evento que n�o era usual, porque reunia v�rias express�es art�sticas.
“Se n�o fosse relevante, n�o seria comemorado com tanta �nfase a cada 10 anos. Por sua ousadia e desdobramentos, ele se tornou perene”, aponta.
G�nese salienta que o verso livre, por exemplo, ganhou for�a a partir de 22, e que o pr�prio Carlos Drummond de Andrade se dizia devedor da poesia que come�ou a circular a partir daquele ano. Aponta que os desdobramentos do movimento s�o claramente observados com a revis�o que houve a partir dos anos 1950, por meio da poesia concreta, da obra de H�lio Oiticica e da Tropic�lia.
Artistas e intelectuais que participaram da Semana de Arte Moderna, no Theatro Municipal de S�o Paulo (foto: Reprodu��o)
VALOR EST�TICO
“A antropofagia tamb�m � revisitada por Z� Celso Martinez Corr�a e pelo Cinema Novo. Isso tudo faz com que o modernismo continue muito forte, continue sendo relido. Ningu�m contesta o valor est�tico de ‘Serafim Ponte Grande’, de ‘Macuna�ma’, da m�sica de Villa-Lobos ou das pinturas de Tarsila. As obras modernistas seguem com alto valor de mercado e com muita visibilidade fora do Brasil, como � o caso dos quadros de Tarsila”, ressalta.
A especialista pondera que releituras sempre trazem novas quest�es, como � o caso de “Modernismos 1922-2022”. “O livro tem o objetivo de preencher lacunas e responder quest�es contempor�neas sobre a Semana. A sele��o dos ensa�stas est� relacionada com suas especialidades em abordagens mais inovadoras, que dialogam com demandas atuais. Chamamos a aten��o para temas que est�o em evid�ncia hoje”, aponta.
Dessa forma, Lilia Schwarcz escreve sobre a representatividade dos artistas negros no �mbito do modernismo. Regina Teixeira de Barros fala da presen�a das mulheres artistas no movimento, tema que tamb�m perpassa o ensaio de Maria de Lourdes Eleut�rio, com foco nas escritoras. Elias Thom� Saliba discute a rela��o dos modernistas com a pol�tica. C�sar Braga-Pinto discute a quest�o da sexualidade de M�rio de Andrade.
Luiz Ruffato diz que a import�ncia da revista 'Verde', de Cataguases, para o modernismo � maior do que se pensou at� agora (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
REVISTA 'VERDE' E VANGUARDA
Alguns ensaios abriram caminho para que autores se aprofundassem no tema abordado e acabassem criando obras aut�nomas. � o caso de Luiz Ruffato, que, a partir do texto “No meio do caminho”, presente em “Modernismos 1922-2022”, desenvolveu “A revista Verde, de Cataguases: contribui��o � hist�ria do modernismo”, que ser� lan�ado pela Aut�ntica.
“Este � um momento em que temos de refletir um pouco sobre o que significou a Semana de 22 para o modernismo brasileiro e qual legado deixou. Escrevi um texto sobre o modernismo em Minas, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul para o livro que a G�nese Andrade organizou. Quando comecei a fazer as pesquisas, pensei que tinha muita coisa que n�o ia caber naquele texto”, diz Ruffato.
O livro dele traz nova contribui��o para a compreens�o do desenvolvimento e consolida��o das ideias modernistas no Brasil, por meio da abordagem do movimento vanguardista de Cataguases (MG), desfazendo a vers�o historiogr�fica de que a “Verde”, bem como toda a efervesc�ncia cultural observada no munic�pio � �poca, foi fruto de um “fen�meno inexplic�vel”.
“N�o � inexplic�vel e nem � fen�meno”, diz Ruffato. “Sempre me incomodou essa coisa de ‘fen�meno inexplic�vel’, porque isso n�o existe. Comecei a tentar entender o que havia em Cataguases naquele momento para proporcionar o aparecimento da revista”, diz, sobre a publica��o que foi importante ve�culo de divulga��o das ideias de M�rio de Andrade e Oswald de Andrade.
“As pessoas olham a Cataguases daquela �poca com os olhos de hoje. Mas voc� tem de olhar o que era Cataguases em 1927, quando a revista surgiu. Em primeiro lugar, n�o era uma cidade pequena, tinha cerca de 17 mil habitantes, ao passo que Belo Horizonte tinha pouco menos de 100 mil. Fiquei pensando nessa rela��o. A diferen�a hoje � incomparavelmente maior. No Brasil totalmente rural, Cataguases era cidade industrial. Voc� tinha revistas modernistas no Brasil inteiro, uma s�rie delas entre 1922 e 1926, mas em 1927 n�o havia publica��o modernista importante circulando, por isso o pessoal de S�o Paulo viu na ‘Verde’ espa�o mais do que adequado para seguir movimentando suas ideias”, aponta.
No final da d�cada de 1920, M�rio de Andrade escreveu cr�nica em um jornal de S�o Paulo em que fazia o balan�o das publica��es modernistas. Deixava claro que Minas teve dois grandes momentos: com “A revista”, em Belo Horizonte, e a “Verde”, em Cataguases.
“M�rio dizia que ‘A revista’ foi importante porque deu pelo menos um grande nome ao cen�rio cultural brasileiro, o Drummond, mas que a ‘Verde’ foi um espa�o democr�tico de movimenta��o de ideias. Isso ficou um pouco esquecido na historiografia brasileira. Muitas pessoas n�o d�o muita import�ncia para a ‘Verde’, mas ela foi muito relevante. Se n�o deu grandes nomes para a literatura brasileira, foi um espa�o muito rico para a discuss�o de ideias”, aponta Luiz Ruffato.
LAN�AMENTOS
(foto: Aut�ntica/reprodu��o)
» A REVISTA VERDE, DE CATAGUASES: CONTRIBUI��O � HIST�RIA DO MODERNISMO