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Estado de Minas 50 ANOS DE HIST�RIA/ESPECIAL

"Clube da Esquina": lan�amento com sabor de vidro e corte

A fria recep��o da cr�tica ao disco e o fracassado show de estreia geraram o anticl�max que logo seria revertido com a ajuda de um astro iinternacional


10/03/2022 04:00 - atualizado 11/03/2022 06:36

Foto de Milton Nascimento em 1972
Milton Nascimento em 1972, quando foi chamado de "taquara rachada" por cr�ticos ao lan�ar "Clube da Esquina" (foto: Vieira Queiroz/O Cruzeiro/Arquivo EM/1972)
No dia 12 de mar�o de 1972, o Di�rio da Tarde, jornal dos Di�rios Associados em Belo Horizonte, anunciou: “Milton Nascimento lan�a oficialmente outro mineiro talentoso, L� Borges, no �lbum ‘Clube da Esquina’. Est�o dizendo que o disco de Milton � um novo marco na hist�ria da nossa m�sica”. Foi um dos registros mais favor�veis ao disco � �poca do lan�amento. A verdade � que “Clube da Esquina”, que agora completa 50 anos, n�o nasceu cl�ssico. Pelo contr�rio, algumas cr�ticas iniciais foram bem �cidas.

Sem citar nomes – “at� porque pelo menos tr�s deles j� morreram”–, o compositor M�rcio Borges relembra que o estranhamento � obra gerou at� xingamentos por parte de alguns jornalistas.

“Li que Bituca tinha voz de taquara rachada, L� era um adolescente insignificante que n�o sabia o que estava fazendo dentro daquele disco, meus versos entravam feito pedras rolando pelos ouvidos... Imagina a gente vendo essas cr�ticas depois de todo o trabalho? Foi um horror, uma decep��o”, rememora o letrista em entrevista ao Estado de Minas, que publica hoje a quinta parte da s�rie de reportagens dedicada aos 50 anos do �lbum.


Ou�a o podcast especial "Nada foi como antes"

As cr�ticas negativas, segundo M�rcio, acabaram decretando o fracasso do show de lan�amento. Pelo menos no primeiro momento. Ele conta que gravadora e investidores n�o quiseram bancar teatro de grande porte para acomodar o concerto, e o resultado foi o pequenino Fonte da Saudade, no Rio de Janeiro, com cerca de 100 lugares, e or�amento baix�ssimo.

“Ningu�m nem sabia daquele teatro escondido”, diz ele. Para completar o cen�rio, crises pessoais de Bituca, alguns m�sicos estressados e pira��es gerais geraram o anticl�max. Com menos de um m�s, os shows foram suspensos.

“Bituca, Robertinho e Tavito se curaram, eu e Ronaldo tamb�m. Voltamos pro mesmo teatrinho, porque n�o tinha outro. O show era esplendoroso. Hoje, seria um palco milion�rio, mas ali estava todo mundo come�ando. Milton, Beto, L�, Tavito, Luiz Alves, Robertinho Silva, Wagner Tiso, Toninho Horta, era gente talentosa demais pra um teatro de 100 pessoas. Tinha dia com mais gente no palco que na plateia. A gente raramente 'enchia'”, detalha M�rcio.

Foi um come�o tenebroso para “Clube da Esquina”. Mas a� veio o acaso. O grupo norte-americano de jazz fusion Weather Report fazia temporada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e os m�sicos queriam saber o que estava rolando nas noites cariocas. Algu�m deu o toque. “T� tendo um show maravilhoso com um tal de Milton Nascimento, que est� estra�alhando, e quase ningu�m sabe”, conta M�rcio.

Eram noites de afli��o para Milton e banda. Haveria p�blico? Eis que um belo dia o contrarregra avisa a Bituca: “Hoje voc� tem que caprichar, porque t� assim de gringo na plateia”. Pela coxia, eles viram os m�sicos do Weather Report, entre eles o afamado saxofonista Wayne Shorter, que havia tocado com o lend�rio Miles Davis. Nervos � flor da pele n�o impediram que Milton e companhia entregassem uma apresenta��o bel�ssima. Ao final, Wayne Shorter foi ao camarim se apresentar e cumpriment�-los.

Nos Estados Unidos, Shorter j� ouvira sobre Milton Nascimento. Uma amiga recomendou que fosse a uma loja de discos e colocasse o �lbum do brasileiro para tocar.

“Quando fui ao Brasil e assisti ao ‘Clube da Esquina’, eu estava � frente dos outros m�sicos do Weather Report, pois j� tinha sido introduzido ao som do Milton”, conta Shorter em entrevista por videochamada ao Estado de Minas.

Grande estrela, Wayne Shorter seguia sendo entrevistado sobre a temporada carioca do Weather Report. E n�o perdeu tempo: avisou que havia um show genial rolando. Assim, o saxofonista ajudou a consolidar a reputa��o e o sucesso dos mineiros. O americano convidou Milton para dividir um disco com ele, o que ocorreu dois anos depois.

Músicos do grupo de jazz americano Weather Report
Weather Report, aclamado grupo de jazz, assistiu e recomendou o show de Milton Nascimento para lan�ar ''Clube da Esquina'' (foto: Reprodu��o)


M�rcio diz que os ventos come�aram a mudar a partir dali, e mesmo a turma que havia falado mal do disco tentou se retratar. Os shows passaram a ter fila e, finalmente, mais gente fora do que dentro do teatrinho. A demanda foi tamanha que as apresenta��es foram transferidas para o est�dio de v�lei do Botafogo, onde cabiam 5 mil pessoas. Depois, o concerto ancorou no Maracan�zinho. “At� hoje a gente vive dessa fama. Nossa hist�ria � uma epopeia”, vibra M�rcio.

“Realmente, foi um come�o muito dif�cil, a cr�tica da �poca bateu muito no disco”, concorda Milton, em entrevista ao EM. “Quando a gente fez o disco, ningu�m estava pensando nessa coisa de ser reverenciado e tal. Mas fico muito feliz que tudo tenha acontecido dessa forma e que a mensagem tenha chegado nas pessoas como a gente sonhava.”


Voc� ainda pensa e � melhor do que nada

Kanye West e Pharrell Williams
Kanye West e Pharrell Williams curtiram "Tudo o que voc� queria ser", em Miami (foto: Youtube/reprodu��o)
Das can��es mais executadas de Milton Nascimento nos �ltimos 10 anos, segundo o Escrit�rio Central de Arrecada��o (Ecad), duas est�o no disco de 1972: “Clube da Esquina nº 2”, em segundo lugar, e “Nada ser� como antes”, em oitavo. Entre as mais regravadas da obra de Bituca, “Cais” aparece em terceiro lugar – � a primeira do letrista Ronaldo Bastos, cuja obra se diversificou e transcendeu o Clube da Esquina. Entre as 10 mais tocadas de L� Borges, cinco pertencem ao �lbum duplo: “Paisagem da janela”, “Clube da Esquina nº 2”, “O trem azul”, “Um girassol da cor do seu cabelo” e “Tudo o que voc� podia ser”.

Certamente, “Tudo o que voc� podia ser”, de L� e M�rcio, � umas das can��es mais emblem�ticas do projeto. Em 2021, ela ganhou os holofotes novamente ao ser executada durante desfile da Louis Vuitton, nos Estados Unidos, em que os astros do hip-hop Kanye West e Pharrell Williams se deliciam com a vers�o gravada pelo Quarteto em Cy.

Quando o v�deo viralizou, o filho de L� ligou para o pai, quase chorando: “Meus �dolos vibraram com sua m�sica”. M�rcio Borges conta que Kanye j� havia pedido autoriza��o para usar um sample da can��o, mas n�o chegou a lan�ar. “Esses caras s�o formadores de opini�o. Ent�o, fiquei muito satisfeito. E a m�sica voltou a fazer muito sucesso popular”, diz o letrista.

Mas “Tudo o que voc� podia ser” n�o � uma can��o sobre a leveza. Ela surgiu nos anos sombrios da ditadura militar e seus versos fazem men��o ao her�i nacional mexicano Emiliano Zapata.

“Eu era muito influenciado pelo cinema e totalmente apaixonado pela vers�o hollywoodiana do Zapata, interpretado por Marlon Brando em ‘Viva Zapata!’, de Elia Kazan”, detalha M�rcio.

“Assisti ao filme dezenas de vezes e resolvi citar essa coisa braba de uma gera��o que estava desistindo de lutar e de seus sonhos, se entregando ao neoliberalismo e deixando todos os ideais socialistas para tr�s”, conta o letrista.

� sua maneira, M�rcio Borges fez uma can��o de protesto, imprimindo em “Clube da Esquina” o vi�s politizado. Mas o protesto de M�rcio � sutil, n�o t�o expl�cito quanto em outras can��es do g�nero. “‘Tudo o que voc� podia ser’ � protesto rom�ntico, cinematogr�fico, algo mais cerebral, uma refer�ncia ao mito revolucion�rio e ao her�i hollywoodiano”, diz o autor. “Sei um segredo/ Voc� tem medo/ S� pensa agora em voltar/ N�o fala mais na bota e do anel de Zapata/ Tudo que voc� devia ser/ Sem medo...”

Cantor Lenine, cantor e compositor
(foto: Flora Pimentel/divulga��o)
 

"Esse disco marca minha aproxima��o com a m�sica brasileira, at� ent�o meu interesse estava no rock. A amplitude daquele coletivo de criadores, a exuber�ncia e ousadia musical de todo o projeto, a produ��o e os arranjos, tudo me fascinou. � imposs�vel, dentro desse repert�rio de cl�ssicos, escolher uma can��o s�, mas vamos tentar: 'Cais', 'O trem azul', 'Tudo o que voc� podia ser', 'Um girassol da cor do seu cabelo', 'Nada ser� como antes', 'Cravo e canela'. Realmente n�o d�, sou apaixonado pelo �lbum"

Lenine, cantor e compositor

 
 
Leia nesta sexta-feira (11/3): O mutir�o criativo que Milton Nascimento mobilizou, m�ltiplo como as p�talas de um girassol, formado por talentos brasileiros e internacionais.
 
 


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