Duca Leal viu ''Clube da Esquina'' nascer em Mar Azul e nos est�dios da Odeon, no Rio. Em abril, ela lan�a livro sobre aqueles tempos (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Mesmo que a amizade seja uma forma de amor, can��es propriamente rom�nticas n�o s�o dominantes na tem�tica do “Clube da Esquina”. A exce��o � “Um girassol da cor do seu cabelo”, de L� e M�rcio Borges. “Ela se eternizou como a minha principal m�sica rom�ntica. A gente nunca foi de fazer can��es de amor derramadas. Tenho essa e outras poucas”, conta o letrista M�rcio Borges ao Estado de Minas, na quinta parte da s�rie de reportagens dedicada aos 50 anos do �lbum.
“Um girassol da cor do seu cabelo” tem a sua musa. Com 66 anos, ela vive em um s�tio em Betim, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Duca Leal conheceu M�rcio Borges aos 15 anos. Eles se casaram em 1971, viveram mais de uma d�cada juntos e tiveram dois filhos.
“Ele comp�s o ‘Girassol’ quando a gente tinha acabado de se casar. S� participei como inspira��o. Quando cantou para mim, achei linda demais. Ele disse: ‘� pra voc�’”, revela Duca ao EM.
“Eu n�o era loura, mas na noite em que a gente se conheceu, logo ap�s o Brasil ganhar a Copa de 1970, ele pegou a mecha do meu cabelo, botou contra a luz e disse: ‘� da cor de um girassol’”, diz.
J� o vestido que se eternizou no verso “a Terra azul da cor de seu vestido” era real. “Adolescente rebelde, queria me casar em casa vestida de cowgirl, mas nossas fam�lias horrorizaram. Acabamos nos casando na Igreja da Pampulha, sem v�u nem grinalda, mas com um vestido lindo azul-clarinho”, lembra.
Duca Leal est� abra�ada com M�rcio Borges, atr�s de Juscelino Kubitschek, no dia em que o ex-presidente se encontrou com a rapaziada do Clube da Esquina, em Diamantina. L� Borges, Fernando Brant e Milton Nascimento est�o sentados no banco com ele (foto: Luiz Alfredo/O Cruzeiro/EM/3/11/71
)
“As cenas s�o bastante reais”, conta M�rcio. Ele havia recebido a melodia de L� para letrar como uma das tarefas para o �lbum. Passou a semana em Santa Tereza e depois foi viajar com a companheira. A �nica diverg�ncia nas vers�es do ex-casal � que enquanto M�rcio diz que fez a letra quando namorava Duca, ela garante que j� estavam casados. Apenas um detalhe.
Ambos concordam: estavam indo para Nova Era, para a casa de tios dela. Durante a viagem, a melodia n�o sa�a da cabe�a de M�rcio. E os versos foram surgindo.
“A letra funciona como cinema-olho, fui falando das coisas que estava percebendo: o vestido azul jeans desbotado, o campo de girass�is pelo qual passamos na viagem. Fiz uma can��o de amor pra ela e me derramei nesses versos. Era o prot�tipo do otimismo, n�? ‘Se eu morrer…’ Oras, claro que eu vou morrer. ‘Quando eu morrer’ seria o certo (risos). Coisa da juventude. Hoje, aos 75 anos, penso diferente”, observa.
Apelidada de Indiazinha, Maria do Carmo Leal, a Duca, morou com M�rcio nos fundos da casa dos Borges. Depois se mudou com ele para o Rio de Janeiro. Acompanhou as cria��es do ent�o companheiro para o “Clube da Esquina”, assistiu �s grava��es na Odeon. “Eu sa�a do col�gio e ia pra l�. N�o tinha participa��o ativa, mas ficava curtindo o som. Conversava pouco com os meninos, pois estavam todos muito envolvidos”, comenta.
Duca foi com M�rcio para o casar�o da Praia de Mar Azul, em Niter�i, visitar L�, Milton Nascimento e Beto Guedes durante a elabora��o do disco. “Me sentia muito bem com Bituca. Era muito calado, mas eu tinha uma liga��o com ele. Como era muito nova em rela��o aos meninos – nove anos a menos que o Marcinho –, ficava 'voando' nas conversas sobre pol�tica, filosofia, sociologia. Eles n�o interagiam tanto comigo, era uma coisa meio ‘a mulher do Marcinho’”.
Duca e M�rcio se separaram em 1979, reataram e permaneceram juntos at� 1984. Ela se aposentou como bibliotec�ria e massoterapeuta, teve mais um casal de filhos e � av� de cinco netos.
Em abril, Duca lan�a “Hist�rias de outras esquinas”, livro sobre seu envolvimento com o Clube. “Eu e M�rcio n�o somos t�o pr�ximos, mas trocamos mensagens e temos not�cias um do outro por meio de nossos filhos. Tenho muito carinho por ele, al�m de admira��o e respeito por sua obra. Ele escreve muito lindo, n�?”, comenta.
Em 1980, ela reuniu sete dos 11 filhos de Maricota e Salom�o e produziu o disco “Os Borges”. Ali surgiu a compositora Duca, autora de “Outro cais”, parceria com Marilton, o primog�nito. “Era um poema que eu tinha feito pro Marcinho havia anos. Sempre gostei de escrever, depois fui me retraindo.” Elis Regina ouviu, gostou e gravou “Outro cais” em “Os Borges”. “Ela j� tinha gravado 'Cais' e quis essa tamb�m. Hoje, tenho mais no��o do quanto isso � importante”, comenta Duca.
A outra can��o dela � “Pros meninos”, parceria com Nico Borges e participa��o de Milton Nascimento. “Meu filho me disse uma vez: ‘Mam�e, voc� come�ou do alto, Bituca e Elis gravaram m�sicas suas, n�o tem como crescer mais como compositora’”, diverte-se.
M�rcio se casou de novo e mora em Visconde de Mau� (RJ) h� duas d�cadas. “Duca era � frente de seu tempo, andava no meio da rapaziada. Isso n�o era muito comum, ainda mais em BH, capital do estado mais tradicionalista e conservador que pode existir no Brasil’, comenta ele, que se considera uma pessoa rural. “A reclus�o sempre foi o meu forte, ent�o me adaptei bem a estes tempos de isolamento.”
De tudo se faz can��o, comprovou Nana
Nana Caymmi e Milton Nascimento, em 1982: por causa dela, "Clube da Esquina n� 2" ganhou letra de M�rcio Borges (foto: Reprodu��o)
“Porque se chamava mo�o/ Tamb�m se chamava estrada/ Viagem de ventania…”. Os versos da can��o “Clube da Esquina nº 2”, escritos por M�rcio Borges, est�o entre os preferidos do irm�o L�. Por�m, no disco “Clube da Esquina”, a parceria de L� e Milton Nascimento era tema instrumental, sem letra. Os autores n�o queriam preencher a melodia, pois acreditavam que ela n�o precisava disso. Muitos anos depois do disco de 1972, M�rcio foi intimado a escrever a letra.
Rio de Janeiro, 1979. A cantora carioca Nana Caymmi encontra M�rcio em um bar no Baixo Leblon e avisa que est� finalizando o novo LP. “Marcinho, voc� bem que podia fazer uma letra para 'Clube da Esquina nº 2', esse instrumental maravilhoso, pois t� a fim de gravar”, disse ela ao amigo.
O mineiro avisou que Fernando Brant j� havia tentado, mas Bituca e L� o fizeram desistir. Nana insistiu: “Faz para mim, na hora de gravar eu chamo os caras e mostro”. M�rcio aceitou a incumb�ncia e escreveu � revelia dos autores.
“Pressionei o M�rcio. Foi s� eu dar uma apertada e ele me deu a letra”, conta Nana Caymmi, aos risos, em entrevista por telefone ao Estado de Minas. “A press�o que eu fiz foi �tima, tenho certeza de que o Marcinho j� queria fazer. Eu o rodeei, pois acho que era a �nica pessoa que poderia criar essa letra, pela liga��o dele com o Milton e por ser irm�o do L�.”
Nana diz que nunca perguntou a Bituca o que achou dessa aventura, mas acredita que o amigo jamais teria coragem de confront�-la. “Marcinho falou: ‘Ah, eles v�o ficar meio assim’. E eu: ‘Ah, vamos gravar e depois a gente deixa eles gritarem’”, recorda a determinada filha de Dorival Caymmi.
“Clube da Esquina nº 2” foi cantada pela primeira vez com letra em 1979, no LP “Nana Caymmi”. “Achei os versos lindos, lindos, e fui embora gravar, j� estava para fechar o disco. Era doida pela m�sica, a melodia era um esc�ndalo, sabia que vinha coisa boa de um poeta como o M�rcio. Para mim, estava uma beleza. N�o sou chegada a gravar merda, n�o”, dispara. “O arranjo ficou lindo. �s vezes, fico ouvindo ela aqui e babando.”
Quando Bituca e L� fizeram sua primeira parceria, “Clube da Esquina” – gravada por Milton em seu disco de 1970 –, M�rcio se intrometeu e criou os versos c�lebres: “Noite chegou outra vez/ De novo na esquina os homens est�o…”. “Na n�mero 2, eles disseram que a m�sica j� se expressava por si mesma, que eles a queriam instrumental, tanto que a gravaram assim”, conta M�rcio.
Depois do chamado de Nana, ele se esfor�ou para criar uma letra “irrecus�vel”, pois seria feita sem o consentimento dos autores. “Na primeira, eu tinha falado de uma rua suburbana, dos meninos da esquina. Na segunda, queria falar da maturidade, dos mo�os se transformando em homens, e os homens partindo para outras esquinas, embarcando na realiza��o de seus sonhos”, explica M�rcio.
Bituca s� registrou a composi��o com letra em 1993, no disco “Angelus”. L� foi mais r�pido. Poucos meses ap�s a grava��o de Nana, ainda em 1979, ele cantou “Clube da Esquina nº 2” com a irm�, Solange, em “A Via L�ctea”, LP produzido por Milton.
“A letra � uma obra-prima do M�rcio. A frase ‘e sonhos n�o envelhecem’ virou hist�ria. E foi o M�rcio quem inventou”, elogia L�.
“Acho que caprichei legal mesmo”, orgulha-se M�rcio. “A Nana se emocionou muito quando mostrei pra ela. Bituca e L� chegaram, ouviram e entenderam que se tratava de um momento hist�rico pra n�s. Est�vamos consagrando aquela can��o, que ficou mais cl�ssica do que a primeira 'Clube da Esquina'. Bituca, teimoso como ele s�, foi grav�-la s� no 'Angelus'”, diverte-se o letrista mineiro.
(foto: Jos� de Holanda/divulga��o)
"Em 1972, eu tinha 8 anos de idade e comecei a trabalhar em uma loja de discos em Catol� do Rocha (PB). O que mais me chamou a aten��o, primeiramente, foi a capa, que n�o tinha artistas, e sim uma crian�a branca e outra negra, amigos, n�? Os meninos da capa deviam ter mais ou menos minha idade. Minha m�sica preferida � 'San Vicente', por trazer algo de Am�rica Latina que de certo modo j� vicejava em mim. A sonoridade me chama a aten��o tamb�m. Can��es em que n�o apenas as letras e melodias s�o importantes, mas tamb�m os timbres, os arranjos, a liberdade dos m�sicos poderem se expressar com veem�ncia. E tamb�m o fato de ser um coletivo � muito interessante e pedag�gico para quem vem depois, juntar artistas que se identificam, se admiram, n�o precisando estar amarrados por uma banda"
Chico C�sar, cantor e compositor
Leia nesta sexta-feira (11/3): O mutir�o criativo que Milton Nascimento mobilizou, m�ltiplo como as p�talas de um girassol, formado por talentos brasileiros e internacionais.
receba nossa newsletter
Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor