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Estado de Minas LITERATURA

Fil�sofo afirma que o mundo n�o piorou com a guerra; est� como sempre foi

Luiz Felipe Pond�, que acaba de lan�ar o livro "A filosofia e o mundo contempor�neo", diz que "n�o h� novidade" no fato de que "tudo o que aconteceu � ruim"


12/04/2022 04:00 - atualizado 11/04/2022 23:48

Criança vestida com agasalho vermelho se apoia em janela de trem com cortinas brancas em estação de trem em Donbass
Trem transporta civis que fogem da guerra da Ucr�nia em Kramatorsk (Donbass). Citando demais conflitos em andamento no globo, Luiz Felipe Pond� diz que "a Guerra na Ucr�nia � uma guerra entre outras, mas � importante porque est� na Europa e envolve a R�ssia, um pa�s geopoliticamente importante" (foto: FADEL SENNA / AFP)
 
O que motivou o nascimento da filosofia na Gr�cia? A partir da pergunta que, ainda hoje, milhares de anos depois, n�o tem uma resposta conclusiva, nasceu o novo livro de Luiz Felipe Pond�.  Em “A filosofia e o mundo contempor�neo” (Editora Nacional), o pensador convoca o leitor para debater a dualidade entre espanto (que no livro ele chama de encanto) e desencanto, marcos do pensamento filos�fico. 

Por meio de 20 reflex�es, Pond� traz o debate para o tempo presente, destacando tanto quest�es atemporais, como morte, envelhecimento, sa�de mental e nascimento, quanto temas urgentes da atualidade, como redes sociais, marketing e mundo corporativo. 

“O desencanto atual � um retorno � percep��o de que a natureza humana n�o est� com essa bola toda”, afirma o fil�sofo na entrevista a seguir.

De camisa preta e óculos de aros pretos, Luiz Felipe Pondé olha para a câmera
O fil�sofo Luiz Felipe Pond� (foto: Doca Presen�a Digital/Divulga��o)

"H� uma tend�ncia do ser humano de estar sempre pronto para se encantar com tudo o que acontece. E ele se acostumou com as transforma��es, pois a vida � totalmente tomada por elas. O desencanto � a perda da transforma��o ut�pica de que no s�culo 21 o mundo estaria sem guerras, de que as pessoas iriam se entender mais"

Luiz Felipe Pond�, fil�sofo


A Revolu��o Industrial, que acelerou os meios de produ��o e gerou a vida moderna, provocou encantamento. A perspectiva, no final do s�culo 19, in�cio do 20, era de que o mundo s� iria melhorar. Demos com a cara na porta. Com as redes sociais, por exemplo, fomos muito rapidamente do encanto ao desencanto. Concorda? 

Sem d�vida, o s�culo 19 foi marcado por muitas transforma��es. A Revolu��o Industrial, o capitalismo colonial pr�-globaliza��o, movimentos sociais violentos que atravessaram a Europa desaguando na Revolu��o Russa (1917). Eram coisas novas acontecendo o tempo todo.

O Brasil (do s�culo 19) discutia o progresso versus regresso. A compreens�o de progresso trazia uma tend�ncia inexor�vel de felicidade. O que chamo de desencanto hoje � um tema largamente tratado por todas as transforma��es t�cnicas que aconteceram.

H� uma tend�ncia do ser humano de estar sempre pronto para se encantar com tudo o que acontece. E ele se acostumou com as transforma��es, pois a vida � totalmente tomada por elas. O desencanto � a perda da ideia ut�pica de que no s�culo 21 o mundo estaria sem guerras, de que as pessoas iriam se entender mais.

Era a rela��o que a gente tinha com a internet nos anos 1990, de que era um espa�o para conversar e discutir. O desencanto atual � um retorno � percep��o de que a natureza humana n�o est� com essa bola toda.

Voc� sugere no livro que aqueles que t�m olhos ver�o que existe uma ruptura no horizonte. O que voc� enxerga?

N�o se trata de uma ruptura como foi, por exemplo, a cria��o da m�quina a vapor, que se desdobrou em v�rias coisas. Vejo no horizonte uma queda vertiginosa da fertilidade. As pessoas n�o querem mais ter filhos. � um tra�o demogr�fico em que pouca gente presta aten��o. Se voc� olhar � sua volta, o n�mero de gr�vidas na rua est� cada vez mais raro.

Tal atitude, em escala demogr�fica, provoca uma redu��o na fertilidade que pode se constituir em uma ruptura. � uma coisa que est� acontecendo diante dos nossos olhos, que implica envelhecimento pesado da popula��o, gerando tamb�m impacto econ�mico. O Jap�o dos anos 1980 e 1990 era o que hoje � a China. Diziam que o Jap�o iria engolir o mundo.

S� que ele fez a op��o pela continuidade �tnica, n�o aceita a imigra��o. Esta resist�ncia � transforma��o �tnica, e a popula��o japonesa n�o tem filhos j� h� muito tempo, impactou a economia, desacelerando-a. Na economia do final do s�culo 20 e in�cio do 21, as rupturas n�o s�o grandiloquentes, como as provocadas pela cria��o do avi�o, do tel�grafo, do �nibus.

Outra ruptura, s� que mais distante, � voc� ter uma separa��o radical entre reprodu��o humana e sexo. A reprodu��o est� cada vez mais mediada pela tecnologia artificial. N�o � mais s� um homem e uma mulher, voc� pode misturar o conte�do gen�tico.

Esta tend�ncia � artificializa��o � fato, mas ainda � cara. J� h� uma discuss�o nos EUA. Um jurista americano, Henry T. Greely, escreveu sobre isso em “The end of sex”. N�o � um livro sobre o fim do sexo do ponto de vista comportamental, mas a reprodu��o passar� para o �mbito t�cnico.    

Diante deste cen�rio, o que sobrou de encantamento para os dias de hoje?

O comportamento como aquele descrito por Victor Hugo em “Os miser�veis”: o bispo que perdoou Jean Valjean. Ele roubou as pratarias e foi pego. Quando � levado ao bispo, ele diz que havia dado a prataria a Jean Valjean e que ele havia se esquecido de levar os casti�ais.

Ou seja, deu mais prata para ele. Isso transformou Jean Valjean. Ent�o acho que atitudes de miseric�rdia continuam sendo impressionantes, encantadoras e raras. Hoje, ningu�m � culpado de nada sobre um terceiro. A culpa � do capitalismo, do patriarcado, dos pais... Existe uma recusa da responsabilidade sobre qualquer ato mau que uma pessoa pode cometer.

E voc� pessoalmente, o que o encanta hoje?

Uma pessoa desarmada. Hoje � algo raro e perigoso, pois no meio competitivo as pessoas est�o sempre mentindo, armando situa��es instrumentais. Quando voc� conhece algu�m menos defendido, estrat�gico, que � capaz de falar exatamente o que pensa, sem estar armado, isso me espanta.

Acho tamb�m um encantamento o nascimento de uma crian�a. S� que a experi�ncia cl�ssica est� cada vez mais rara. A discuss�o maternidade real x ideal, por exemplo. As mulheres idealizam o filho. A� vem a crian�a, que caga, n�o dorme e n�o deixa a mulher trabalhar. Falam de maternidade real como se existisse alguma que n�o fosse real. Hoje, a ordem � a infantiliza��o da experi�ncia. Quando vem a realidade, ningu�m suporta.

No in�cio da pandemia, voc� satirizou aqueles que falaram que sair�amos melhores da crise sanit�ria. Estamos saindo dela com uma guerra. Voc� acertou em cheio ent�o.

Aquelas pessoas que falaram que a gente sairia melhor ou � gente desinformada ou mentirosa. A literatura sobre pandemias est� a� para todo mundo. N�o h� nenhum caso de uma epidemia gigantesca em que a humanidade tenha sa�do melhor.

Pelo contr�rio, h� um retrocesso moral e violento. Veja que, no Brasil, a CPI da COVID trouxe � tona o esc�ndalo relacionado ao tratamento de idosos. A tend�ncia da verticaliza��o das operadoras de sa�de � uma tend�ncia � barb�rie. Nunca houve a possibilidade de melhorarmos. Houve, sim, a possibilidade de produ��o de vacinas mais r�pidas, que � o que se aprende em grandes crises, a gest�o de problemas.

O comportamento do Bolsonaro foi terr�vel em rela��o � pandemia. No entanto, h� pesquisas apontando que a popula��o achou que n�o foi t�o ruim assim. Um exemplo � o ex-governador de S�o Paulo Jo�o Doria, que teve um comportamento correto na pandemia. O cara que trouxe a primeira vacina para o pa�s hoje � um cara completamente sem futuro, seja como presidente, seja como governador.

N�o estou falando de ideologias, estou falando de comportamento pol�tico. Isso mostra que a irracionalidade est� entre n�s. A Guerra na Ucr�nia � uma guerra entre outras, mas � importante porque est� na Europa e envolve a R�ssia, um pa�s geopoliticamente importante. Veja a Gripe Espanhola, que matou 40 milh�es, 50 milh�es de pessoas entre 1918 e 1921.

Vinte anos depois, veio a Segunda Guerra Mundial, que matou mais do que tudo. Costumo dizer que o mundo, com a pandemia e agora com a guerra na Europa, mostrou simplesmente que tudo voltou ao normal. Essa maneira de achar que o mundo mudou, que nunca foi assim, � de gente com h�bito cognitivo equivocado. Tudo o que aconteceu � ruim pra cacete, mas n�o h� novidade nisso.

O massacre no mundo continua: na �frica, no Afeganist�o, e ningu�m d� bola. N�o vejo nada de disruptivo nisso. Aqueles que achavam (que o mundo iria mudar com a pandemia) e viram, em 24 de fevereiro de 2022, a invas�o da Ucr�nia, devem ter achado que o mundo acabou. 

capa do livro 'A FILOSOFIA E O MUNDO CONTEMPORÂNEO'

“A FILOSOFIA E O MUNDO CONTEMPOR�NEO”
Luiz Felipe Pond�
Editora Nacional (184 p�gs.)
R$ 29,90  


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