
O que motivou o nascimento da filosofia na Gr�cia? A partir da pergunta que, ainda hoje, milhares de anos depois, n�o tem uma resposta conclusiva, nasceu o novo livro de Luiz Felipe Pond�. Em “A filosofia e o mundo contempor�neo” (Editora Nacional), o pensador convoca o leitor para debater a dualidade entre espanto (que no livro ele chama de encanto) e desencanto, marcos do pensamento filos�fico.
Por meio de 20 reflex�es, Pond� traz o debate para o tempo presente, destacando tanto quest�es atemporais, como morte, envelhecimento, sa�de mental e nascimento, quanto temas urgentes da atualidade, como redes sociais, marketing e mundo corporativo.
“O desencanto atual � um retorno � percep��o de que a natureza humana n�o est� com essa bola toda”, afirma o fil�sofo na entrevista a seguir.

"H� uma tend�ncia do ser humano de estar sempre pronto para se encantar com tudo o que acontece. E ele se acostumou com as transforma��es, pois a vida � totalmente tomada por elas. O desencanto � a perda da transforma��o ut�pica de que no s�culo 21 o mundo estaria sem guerras, de que as pessoas iriam se entender mais"
Luiz Felipe Pond�, fil�sofo
A Revolu��o Industrial, que acelerou os meios de produ��o e gerou a vida moderna, provocou encantamento. A perspectiva, no final do s�culo 19, in�cio do 20, era de que o mundo s� iria melhorar. Demos com a cara na porta. Com as redes sociais, por exemplo, fomos muito rapidamente do encanto ao desencanto. Concorda?
Sem d�vida, o s�culo 19 foi marcado por muitas transforma��es. A Revolu��o Industrial, o capitalismo colonial pr�-globaliza��o, movimentos sociais violentos que atravessaram a Europa desaguando na Revolu��o Russa (1917). Eram coisas novas acontecendo o tempo todo.
O Brasil (do s�culo 19) discutia o progresso versus regresso. A compreens�o de progresso trazia uma tend�ncia inexor�vel de felicidade. O que chamo de desencanto hoje � um tema largamente tratado por todas as transforma��es t�cnicas que aconteceram.
H� uma tend�ncia do ser humano de estar sempre pronto para se encantar com tudo o que acontece. E ele se acostumou com as transforma��es, pois a vida � totalmente tomada por elas. O desencanto � a perda da ideia ut�pica de que no s�culo 21 o mundo estaria sem guerras, de que as pessoas iriam se entender mais.
Era a rela��o que a gente tinha com a internet nos anos 1990, de que era um espa�o para conversar e discutir. O desencanto atual � um retorno � percep��o de que a natureza humana n�o est� com essa bola toda.
O Brasil (do s�culo 19) discutia o progresso versus regresso. A compreens�o de progresso trazia uma tend�ncia inexor�vel de felicidade. O que chamo de desencanto hoje � um tema largamente tratado por todas as transforma��es t�cnicas que aconteceram.
H� uma tend�ncia do ser humano de estar sempre pronto para se encantar com tudo o que acontece. E ele se acostumou com as transforma��es, pois a vida � totalmente tomada por elas. O desencanto � a perda da ideia ut�pica de que no s�culo 21 o mundo estaria sem guerras, de que as pessoas iriam se entender mais.
Era a rela��o que a gente tinha com a internet nos anos 1990, de que era um espa�o para conversar e discutir. O desencanto atual � um retorno � percep��o de que a natureza humana n�o est� com essa bola toda.
Voc� sugere no livro que aqueles que t�m olhos ver�o que existe uma ruptura no horizonte. O que voc� enxerga?
N�o se trata de uma ruptura como foi, por exemplo, a cria��o da m�quina a vapor, que se desdobrou em v�rias coisas. Vejo no horizonte uma queda vertiginosa da fertilidade. As pessoas n�o querem mais ter filhos. � um tra�o demogr�fico em que pouca gente presta aten��o. Se voc� olhar � sua volta, o n�mero de gr�vidas na rua est� cada vez mais raro.
Tal atitude, em escala demogr�fica, provoca uma redu��o na fertilidade que pode se constituir em uma ruptura. � uma coisa que est� acontecendo diante dos nossos olhos, que implica envelhecimento pesado da popula��o, gerando tamb�m impacto econ�mico. O Jap�o dos anos 1980 e 1990 era o que hoje � a China. Diziam que o Jap�o iria engolir o mundo.
S� que ele fez a op��o pela continuidade �tnica, n�o aceita a imigra��o. Esta resist�ncia � transforma��o �tnica, e a popula��o japonesa n�o tem filhos j� h� muito tempo, impactou a economia, desacelerando-a. Na economia do final do s�culo 20 e in�cio do 21, as rupturas n�o s�o grandiloquentes, como as provocadas pela cria��o do avi�o, do tel�grafo, do �nibus.
Outra ruptura, s� que mais distante, � voc� ter uma separa��o radical entre reprodu��o humana e sexo. A reprodu��o est� cada vez mais mediada pela tecnologia artificial. N�o � mais s� um homem e uma mulher, voc� pode misturar o conte�do gen�tico.
Esta tend�ncia � artificializa��o � fato, mas ainda � cara. J� h� uma discuss�o nos EUA. Um jurista americano, Henry T. Greely, escreveu sobre isso em “The end of sex”. N�o � um livro sobre o fim do sexo do ponto de vista comportamental, mas a reprodu��o passar� para o �mbito t�cnico.
Tal atitude, em escala demogr�fica, provoca uma redu��o na fertilidade que pode se constituir em uma ruptura. � uma coisa que est� acontecendo diante dos nossos olhos, que implica envelhecimento pesado da popula��o, gerando tamb�m impacto econ�mico. O Jap�o dos anos 1980 e 1990 era o que hoje � a China. Diziam que o Jap�o iria engolir o mundo.
S� que ele fez a op��o pela continuidade �tnica, n�o aceita a imigra��o. Esta resist�ncia � transforma��o �tnica, e a popula��o japonesa n�o tem filhos j� h� muito tempo, impactou a economia, desacelerando-a. Na economia do final do s�culo 20 e in�cio do 21, as rupturas n�o s�o grandiloquentes, como as provocadas pela cria��o do avi�o, do tel�grafo, do �nibus.
Outra ruptura, s� que mais distante, � voc� ter uma separa��o radical entre reprodu��o humana e sexo. A reprodu��o est� cada vez mais mediada pela tecnologia artificial. N�o � mais s� um homem e uma mulher, voc� pode misturar o conte�do gen�tico.
Esta tend�ncia � artificializa��o � fato, mas ainda � cara. J� h� uma discuss�o nos EUA. Um jurista americano, Henry T. Greely, escreveu sobre isso em “The end of sex”. N�o � um livro sobre o fim do sexo do ponto de vista comportamental, mas a reprodu��o passar� para o �mbito t�cnico.
Diante deste cen�rio, o que sobrou de encantamento para os dias de hoje?
O comportamento como aquele descrito por Victor Hugo em “Os miser�veis”: o bispo que perdoou Jean Valjean. Ele roubou as pratarias e foi pego. Quando � levado ao bispo, ele diz que havia dado a prataria a Jean Valjean e que ele havia se esquecido de levar os casti�ais.
Ou seja, deu mais prata para ele. Isso transformou Jean Valjean. Ent�o acho que atitudes de miseric�rdia continuam sendo impressionantes, encantadoras e raras. Hoje, ningu�m � culpado de nada sobre um terceiro. A culpa � do capitalismo, do patriarcado, dos pais... Existe uma recusa da responsabilidade sobre qualquer ato mau que uma pessoa pode cometer.
Ou seja, deu mais prata para ele. Isso transformou Jean Valjean. Ent�o acho que atitudes de miseric�rdia continuam sendo impressionantes, encantadoras e raras. Hoje, ningu�m � culpado de nada sobre um terceiro. A culpa � do capitalismo, do patriarcado, dos pais... Existe uma recusa da responsabilidade sobre qualquer ato mau que uma pessoa pode cometer.
E voc� pessoalmente, o que o encanta hoje?
Uma pessoa desarmada. Hoje � algo raro e perigoso, pois no meio competitivo as pessoas est�o sempre mentindo, armando situa��es instrumentais. Quando voc� conhece algu�m menos defendido, estrat�gico, que � capaz de falar exatamente o que pensa, sem estar armado, isso me espanta.
Acho tamb�m um encantamento o nascimento de uma crian�a. S� que a experi�ncia cl�ssica est� cada vez mais rara. A discuss�o maternidade real x ideal, por exemplo. As mulheres idealizam o filho. A� vem a crian�a, que caga, n�o dorme e n�o deixa a mulher trabalhar. Falam de maternidade real como se existisse alguma que n�o fosse real. Hoje, a ordem � a infantiliza��o da experi�ncia. Quando vem a realidade, ningu�m suporta.
Acho tamb�m um encantamento o nascimento de uma crian�a. S� que a experi�ncia cl�ssica est� cada vez mais rara. A discuss�o maternidade real x ideal, por exemplo. As mulheres idealizam o filho. A� vem a crian�a, que caga, n�o dorme e n�o deixa a mulher trabalhar. Falam de maternidade real como se existisse alguma que n�o fosse real. Hoje, a ordem � a infantiliza��o da experi�ncia. Quando vem a realidade, ningu�m suporta.
No in�cio da pandemia, voc� satirizou aqueles que falaram que sair�amos melhores da crise sanit�ria. Estamos saindo dela com uma guerra. Voc� acertou em cheio ent�o.
Aquelas pessoas que falaram que a gente sairia melhor ou � gente desinformada ou mentirosa. A literatura sobre pandemias est� a� para todo mundo. N�o h� nenhum caso de uma epidemia gigantesca em que a humanidade tenha sa�do melhor.
Pelo contr�rio, h� um retrocesso moral e violento. Veja que, no Brasil, a CPI da COVID trouxe � tona o esc�ndalo relacionado ao tratamento de idosos. A tend�ncia da verticaliza��o das operadoras de sa�de � uma tend�ncia � barb�rie. Nunca houve a possibilidade de melhorarmos. Houve, sim, a possibilidade de produ��o de vacinas mais r�pidas, que � o que se aprende em grandes crises, a gest�o de problemas.
O comportamento do Bolsonaro foi terr�vel em rela��o � pandemia. No entanto, h� pesquisas apontando que a popula��o achou que n�o foi t�o ruim assim. Um exemplo � o ex-governador de S�o Paulo Jo�o Doria, que teve um comportamento correto na pandemia. O cara que trouxe a primeira vacina para o pa�s hoje � um cara completamente sem futuro, seja como presidente, seja como governador.
N�o estou falando de ideologias, estou falando de comportamento pol�tico. Isso mostra que a irracionalidade est� entre n�s. A Guerra na Ucr�nia � uma guerra entre outras, mas � importante porque est� na Europa e envolve a R�ssia, um pa�s geopoliticamente importante. Veja a Gripe Espanhola, que matou 40 milh�es, 50 milh�es de pessoas entre 1918 e 1921.
Vinte anos depois, veio a Segunda Guerra Mundial, que matou mais do que tudo. Costumo dizer que o mundo, com a pandemia e agora com a guerra na Europa, mostrou simplesmente que tudo voltou ao normal. Essa maneira de achar que o mundo mudou, que nunca foi assim, � de gente com h�bito cognitivo equivocado. Tudo o que aconteceu � ruim pra cacete, mas n�o h� novidade nisso.
O massacre no mundo continua: na �frica, no Afeganist�o, e ningu�m d� bola. N�o vejo nada de disruptivo nisso. Aqueles que achavam (que o mundo iria mudar com a pandemia) e viram, em 24 de fevereiro de 2022, a invas�o da Ucr�nia, devem ter achado que o mundo acabou.
Pelo contr�rio, h� um retrocesso moral e violento. Veja que, no Brasil, a CPI da COVID trouxe � tona o esc�ndalo relacionado ao tratamento de idosos. A tend�ncia da verticaliza��o das operadoras de sa�de � uma tend�ncia � barb�rie. Nunca houve a possibilidade de melhorarmos. Houve, sim, a possibilidade de produ��o de vacinas mais r�pidas, que � o que se aprende em grandes crises, a gest�o de problemas.
O comportamento do Bolsonaro foi terr�vel em rela��o � pandemia. No entanto, h� pesquisas apontando que a popula��o achou que n�o foi t�o ruim assim. Um exemplo � o ex-governador de S�o Paulo Jo�o Doria, que teve um comportamento correto na pandemia. O cara que trouxe a primeira vacina para o pa�s hoje � um cara completamente sem futuro, seja como presidente, seja como governador.
N�o estou falando de ideologias, estou falando de comportamento pol�tico. Isso mostra que a irracionalidade est� entre n�s. A Guerra na Ucr�nia � uma guerra entre outras, mas � importante porque est� na Europa e envolve a R�ssia, um pa�s geopoliticamente importante. Veja a Gripe Espanhola, que matou 40 milh�es, 50 milh�es de pessoas entre 1918 e 1921.
Vinte anos depois, veio a Segunda Guerra Mundial, que matou mais do que tudo. Costumo dizer que o mundo, com a pandemia e agora com a guerra na Europa, mostrou simplesmente que tudo voltou ao normal. Essa maneira de achar que o mundo mudou, que nunca foi assim, � de gente com h�bito cognitivo equivocado. Tudo o que aconteceu � ruim pra cacete, mas n�o h� novidade nisso.
O massacre no mundo continua: na �frica, no Afeganist�o, e ningu�m d� bola. N�o vejo nada de disruptivo nisso. Aqueles que achavam (que o mundo iria mudar com a pandemia) e viram, em 24 de fevereiro de 2022, a invas�o da Ucr�nia, devem ter achado que o mundo acabou.

“A FILOSOFIA E O MUNDO CONTEMPOR�NEO”
Luiz Felipe Pond�
Editora Nacional (184 p�gs.)
R$ 29,90
