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Estado de Minas ENTREVISTA

Fil�sofo Marcos Nobre: 'A guerra de Bolsonaro n�o � contra o coronav�rus, � para se manter no poder'

Ao lan�ar e-book que inaugura uma cole��o de ensaios sobre a pandemia, fil�sofo e presidente do Cebrap analisa por que o presidente ignorou os cientistas e preferiu adotar estrat�gia militar


05/06/2020 04:00 - atualizado 05/06/2020 07:29

Para Marcos Nobre, Bolsonaro enxerga a esquerda como %u201Cqualquer ator político, força ou movimento social que não pensa como ele%u201D
Para Marcos Nobre, Bolsonaro enxerga a esquerda como %u201Cqualquer ator pol�tico, for�a ou movimento social que n�o pensa como ele%u201D (foto: R�gis filho)
O presidente Jair Bolsonaro tem um projeto autorit�rio para o Brasil de longo prazo, mas, no contexto da pandemia, com perda de popularidade e apoiamentos pol�ticos, encontra-se encurralado: n�o sabe como enfrentar os impactos sanit�rios e econ�micos da doen�a, que atingir�o a sociedade e o seu governo. Diferentemente de Viktor Orb�n, na Hungria, que teve tempo de costurar a inflex�o autorit�ria consumada em seu segundo mandato, Bolsonaro, com um ano e meio de governo, ainda n�o acumulou for�as de igual sentido.  

A avalia��o acima � do fil�sofo Marcos Nobre, professor da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de An�lise e Planejamento (Cebrap).  “Ao mesmo  tempo em que se refugia em sua base mais fan�tica, inicia negocia��es com parte do Centr�o na C�mara dos Deputados para ter prote��o contra o impeachment. Adota um racioc�nio militar: ‘Isso � uma guerra, muita gente vai morrer’. Ele aprofunda a liga��o com as For�as Armadas para a coordena��o e gest�o, j� que se v� como um governo de guerra. S� que a guerra dele n�o � contra o v�rus. � a guerra para se manter no poder”, avalia.

Marcos Nobre lan�a nesta sexta-feira em todo o pa�s o ebook Ponto-final: a guerra de Bolsonaro contra a democracia, da editora Todavia, abrindo a s�rie da Cole��o 2020 - Breves Ensaios sobre a Pandemia. O autor prega uma frente democr�tica ampla, nos moldes do Diretas J�, para evitar que se reimplante no Brasil uma ditadura

Para Marcos Nobre, o momento � o da pol�tica, de duras negocia��es entre todas as for�as democr�ticas do pa�s, da esquerda � direita, o que inclusive inclui as For�as Armadas, para n�o apenas repactuar os limites da disputa pol�tica dentro das regras do jogo democr�tico, como tamb�m reposicionar o enfrentamento �s desigualdades sociais ao centro da agenda brasileira.  “O �nico horizonte regenerador numa frente como essa � o impeachment de Bolsonaro.” Caso contr�rio, podemos ter sa�da destrutiva, afirma o fil�sofo, que adverte ao projetar como o Brasil ser� contado no futuro: “A hist�ria � cruel e � escrita pelos vencedores. Depender� de quem a escreve”.
 
 
Desde o in�cio da pandemia, Jair Bolsonaro mant�m o negacionismo, inclusive com o est�mulo a descumprimento do isolamento social e indica��o de rem�dios ainda sem aval cient�fico.  O que leva o presidente do Brasil a agir dessa maneira?
Bolsonaro n�o tinha projeto para quatro anos de governo, mas para d�cadas:  o modelo dele � a ditadura militar de 64. Foi o candidato antissistema e � um l�der antissistema, de um sistema que identifica como democr�tico. Na vis�o dele, a democracia a ser combatida � a esquerda, pois, para ele, esquerda significa qualquer ator pol�tico, for�a ou movimento social que n�o pensam como ele.

� isto o que fez e faz: implantou um estilo de governo em que ataca permanentemente as institui��es que, supostamente, est� dirigindo. Ao mesmo tempo, se aproveita do fato de que, apesar disso, o sistema continua funcionando: o SUS continua dando atendimento; a merenda chega �s escolas. Antes da pandemia, Bolsonaro estava num momento de ac�mulo de for�as para implantar esse projeto; estava na fase de destrui��o das institui��es democr�ticas.

Na Hungria, foi a partir do segundo mandato que Viktor Orb�n, de fato, consolida o autoritarismo. Esse era o roteiro. Mas quando a pandemia chegou, Bolsonaro ainda n�o tinha for�a acumulada para dar este salto. Ele se percebe encurralado, pois sabe como a pandemia vai atingir em cheio o governo, tanto no �mbito sanit�rio quanto no econ�mico. Ele tem clareza disso, teve acesso �s proje��es matem�ticas do n�mero de mortes. E a� toma uma decis�o. Quais seriam as duas possibilidades? A primeira seria reorganizar o sistema inteiro para combater a pandemia. Essa seria a atitude que salva vidas. Mas ele optou pelo projeto autorit�rio, j� que n�o vai conseguir combater o impacto da pandemia em seu governo, na linha “isso � uma guerra, muita gente vai morrer”.

Ele aprofunda a liga��o com as For�as Armadas para a coordena��o e gest�o, j� que se v� como um governo de guerra. S� que a guerra dele n�o � contra o v�rus. � a guerra para se manter no poder. As a��es s�o coerentes, mas n�o significa que sejam decentes e aceit�veis, tanto do ponto de vista dos valores democr�ticos, quanto dos valores humanit�rios. Mas se justificam sob o ponto de vista autorit�rio. Ent�o, o que assusta nele � que h� racionalidade.  Embora as atitudes dele nos repugnem, devemos entend�-las para combat�-las.
 
Em sua avalia��o, as institui��es democr�ticas brasileiras v�o resistir ao governo Bolsonaro?
A amea�a autorit�ria � democracia est� presente de forma permanente e temos de estar vigilantes, porque ele � fiel �s suas convic��es autorit�rias. Por isso fez tudo o que fez durante a campanha e em seus 14 meses de governo.  Embora Bolsonaro se venda como n�o pol�tico, � preciso consider�-lo um pol�tico.

A racionalidade dele como pol�tico � de um l�der populista, autorit�rio. Por isso que para os democratas � dif�cil entend�-lo e a tend�ncia seja de cham�-lo de burro ou louco. Ent�o, vamos olhar Bolsonaro como ele �, e n�o projetar nele coisas que n�o seja: pode ser loucura, mas tem m�todo. Por isso, � inevit�vel que se forme uma frente democr�tica ampla para termos uma sa�da positiva. O �nico horizonte regenerador numa frente como essa � o impeachment de Bolsonaro. Caso contr�rio, podemos ter sa�da destrutiva.
 
Na hip�tese de que um impeachment de Bolsonaro se viabilize, o que garantir� que o vice-presidente, Hamilton Mour�o, n�o v� abra�ar as mesmas teses autorit�rias?
O vice-presidente, Hamilton Mour�o, � um pol�tico. Se houver negocia��o ampla para que ele assuma a Presid�ncia, ele vai estar amarrado a essa negocia��o para a preserva��o das institui��es democr�ticas. Ent�o, pouco importa o que ele de fato acha em seu foro �ntimo. Mas que respeite os termos do acordo. Se ele assumir e n�o cumprir o acordo de uma frente ampla, ele pr�prio cai. Vai ser cobrado por uma esmagadora maioria do sistema pol�tico.
 
Como as For�as Armadas se inserem nesse processo?
A quest�o das For�as Armadas � complexa. H� uma divis�o clara entre os militares que decidiram ir para o governo e os militares que permanecem nas For�as Armadas. Essa � uma divis�o important�ssima, e foi uma evolu��o para as For�as Armadas, que n�o ser� perdida facilmente. Os militares que est�o no governo chegaram depois de um longo ostracismo, em que as For�as Armadas se sentiam injustamente discriminadas, porque t�m quadros preparados para ajudar qualquer governo civil e consideram que foram deles indevidamente exclu�das por 35 anos. Pegaram carona na candidatura Bolsonaro para retornar.

Claro que tem gente que � convictamente autorit�ria nas For�as Armadas. Mas n�o � o que guia a institui��o. Se perceberem que o governo se inviabiliza, e ele tende a se inviabilizar, as For�as Armadas n�o v�o deixar o governo de forma desonrosa. Precisam de uma sa�da honrosa. A base fan�tica de Bolsonaro � militarizada, armada e violenta. Ent�o, � preciso incluir as For�as Armadas como atores nesta frente de negocia��o. Isso � mais um elemento.
 
Em recente reuni�o ministerial, Bolsonaro verbalizou seu desejo de armar a popula��o. Aonde chegaremos se tal pretens�o se disseminar?
Por isso, o que falarmos sobre as For�as Armadas � t�o mais importante. Vamos fazer exerc�cio retrospectivo. Comece pelo princ�pio de an�lise de que Bolsonaro � chantagista profissional. Chantageia as For�as Armadas com os grupos de informa��o digital que tem; chantageia a sociedade com as For�as Armadas dizendo que est�o do lado dele. E uma das chantagens, a mais perigosa de todas, era a organiza��o nacional das pol�cias militares. Elas s�o estaduais. Nunca tiveram organiza��o nacional, por boa raz�o: como t�m contingente muito maior, seriam contraponto �s For�as Armadas.

As For�as Armadas s�o superiores em termos de treinamento, armamento t�tico; mas tem contingente enorme de gente armada nas pol�cias. E temos de lembrar do motim do Cear�. Aquilo era o ensaio do tipo de coisa que Bolsonaro queria fazer das pol�cias militares, pois era a partir dali que poderia obrigar as For�as Armadas a entrarem numa aventura golpista. Ele tinha esse projeto de organizar nacionalmente as pol�cias e n�o foi adiante. O que preocupa nesse grupo fan�tico, que � minorit�rio: � aguerrido, armado e est� disposto a praticar viol�ncia de qualquer tipo.

Mais uma raz�o para que a negocia��o da frente ampla democr�tica inclua as For�as Armadas para que tenha contraponto a esse tipo de risco, que est� sempre presente. Os bolsonaristas armados s�o provocadores profissionais e querem produzir o caos. O m�todo de governo do Bolsonaro sempre foi produzir o caos, ainda mais agora que est� acuado.
 
Grupos contr�rios ao governo come�aram a ocupar as ruas nos �ltimos dias. Qual a sua avalia��o a essa rea��o?
Est� se formando uma frente ampla na sociedade que vai progressivamente empurrando os partidos, movimentos sociais, para uma grande mesa de concerta��o da democracia. Agora, � preciso ficar claro que todo movimento dessa amplitude, como o Diretas J�, � polic�ntrico. Pode haver iniciativas diferentes. Temos de ter cuidado para n�o entrar na l�gica da morte, que � a l�gica e o jogo de Bolsonaro, aumentando as taxas de cont�gio, porque vamos em massa para as ruas.

Espero que n�o seja generalizado como t�tica, pois nem sequer sabemos quando ser� o pico da pandemia. Por outro lado, como vemos nos Estados Unidos, � evidente que a raiva, a frustra��o, e a tristeza s�o muito grandes. � claro que � dif�cil, pois a pol�tica nasce na indigna��o, da raiva, mas n�o podemos fazer pol�tica com raiva. Sen�o faremos a pol�tica do Bolsonaro, da guerra dele. Embora seja compreens�vel que as pessoas queiram ir para as ruas, acho muito grave o que pode acontecer em termos de cont�gio. Estamos falando de um momento em que o Brasil est� no topo das estat�sticas mundiais em termos de mortes por semana.

Se os grupos acharem que � absolutamente necess�rio ir para as ruas, � preciso ser organizado, distanciamento f�sico, m�scaras, mecanismos de prote��o. Mas neste momento precisamos contrapor a estupidez do Bolsonaro � serenidade. Temos de construir alian�as, pontes. Como disse o papa, h� quem constr�i muros e h� quem constr�i pontes. � hora de negociar para contrapor � l�gica da guerra.

Em 30 anos, como os historiadores descrever�o o Brasil de 2020?
A hist�ria � cruel e � escrita pelos vencedores. Depender� de quem a escreve. Espero que essa grande frente democr�tica seja tamb�m a frente contra a desigualdade; que seja da parte da direita ou da esquerda democr�tica, a desigualdade volte ao centro da agenda brasileira. Se vencerem a democracia e as for�as democr�ticas, teremos um momento de regenera��o e poderemos contar essa hist�ria como o momento em que perdemos a democracia. Mas se perdemos, quem a escrever� ser�o os autorit�rios. E contar�o, daqui a 30 anos, que bom mesmo seria a ditadura e o populismo autorit�rio.  

Ponto-final: a Guerra de Bolsonaro contra a Democracia
De Marcos Nobre
Todavia
80 p�ginas
Apenas em e-book. R$ 9,90


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