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Estado de Minas LAN�AMENTO

Estranha e bela vertigem: Eucana� Ferraz lan�a seu novo livro

Em lan�amento, o poeta carioca utiliza o lirismo para fazer o leitor mergulhar em abismos entre o c�u e as sombras


postado em 05/06/2020 04:00 / atualizado em 05/06/2020 07:36

Eucanaã Ferraz, sobre Retratos com erro: %u201CO título funciona como uma imagem guia; depois de escolhido, não consigo trocá-lo%u201D(foto: Guanabaratejo/divulgação)
Eucana� Ferraz, sobre Retratos com erro: %u201CO t�tulo funciona como uma imagem guia; depois de escolhido, n�o consigo troc�-lo%u201D (foto: Guanabaratejo/divulga��o)
Em Retratos com erro, o poeta carioca Eucana� Ferraz percorre mundos concretos e imaginados, fala do dito e do n�o dito, fala de segredos e fatos. No novo livro, Eucana� descreve, com um lirismo ao mesmo tem- po restrito e amplo, os abismos e o absurdo do amor, do indiz�vel desejo que nos concerne. Ele se encanta com a beleza e a perfei��o que a tudo se cola, tamb�m “ilumina” o horror, as sombras, o medo, a loucura, tudo isso numa miscel�nea �mpar que s� mesmo a poesia � capaz de engendrar.  

“N�o fui eu quem fez o mundo/ e sei que isso conta a meu favor”; “s� o sil�ncio que reluz � ouro”, o poeta sugere. A vida n�o se submete, n�o se deixa fixar de forma alguma. Todo retrato mente, � suscet�vel aos olhos que ali pousam, que ali dormem. A vida apenas ri. De tudo, e de todos. Ela, a vida, sabe, nos de dentro e nos de fora, que tudo est� incompleto, tudo que medra busca algum tipo de reden��o

Dividido em “dobras”, o livro come�a na segunda parte. A primeira, como uma esp�cie de aus�ncia essencial ao contexto dos erros, empresta um dinamismo �nico e especial � estrutura po�tica. O poeta, a cada verso, confirma o imponder�vel e se contradiz, sem qualquer preju�zo para ambas as partes. Cabe ao leitor mergulhar em um sentimento de vertigem e estranhamento.

Eucana� vai do lirismo puro ao c�tico, ao pesado, sem perder o prumo, com os olhos voltados para a del�cia – e para o “terror” – da escrita. A poesia apazigua e fere, e o poeta transita como poucos entre o c�u e as sombras. Chama a aten��o a maturidade po�tica do dono de uma poesia feita para “gente grande”, em todos os sentidos. Esp�cie de samurai nordestino, ou carioca, � um poeta forte e exige que os seus poss�veis leitores tamb�m sejam. 

Quase tudo cabe no universo po�tico de Eucana�, o amor l�rico, o desejo, como tamb�m o s�rdido, o nada, tudo isso misturado numa miscel�nea que em nada atrapalha a excel�ncia dos poemas do livro. “O sol forte dos dias” serve muito para a poesia, que exerce exemplarmente sua fun��o. Euca- na� � dono de uma sintaxe musical. Ler os poemas de Retratos com erro em voz alta funciona e dinamiza esse processo de sentimentalidades. Nada de rimas. Nada de f�ceis constru��es. Certas poesias v�o dos “�ureos anos mil e setecentos”, ou de bem antes, ao infinito, e al�m. 

Eucana� parece que torce para o time advers�rio, tor�e e vela pela fantasia e � capaz de falar sobre “aberra��es”, entre elas o pr�prio amor, talvez a maior de todas aberra��es contempor�neas. A po�tica de Eucana� n�o se restringe a porqu�s e conclus�es. Ele sabe bem dos seus deslimites no �mbito da literatura e transita � vontade dentro desse universo que se expande e brilha a cada novo livro. 

Rever�ncias e pr�ncipes h�ngaros

Em Retratos com erro, o poeta reverencia outros poetas e fala de pr�ncipes h�ngaros com a mesma desfa�atez, com a mesma gra�a, com a mesma delicadeza com que chama a nossa aten��o para as coisas da ci�ncia e as del�cias e os mist�rios que moram num mero e singelo muro pintado de branco. O nada, desta forma, ganha um estatuto de estrela. Um tipo de poesia �nica feita sob a luz do encantamento. � preciso predisposi��o e f�lego para captar os enigmas, para perceber o sil�ncio que emana das “rosas completas”. 

Nenhuma resenha, nenhuma cr�tica vai estar � altura da poesia. N�o cabe aqui o mar, a amplitude de signos e sentidos que cada poema mostra e revela, revela e mostra, numa ciranda marcada principalmente pelo afeto.  Retratos com erro eleva o paradoxo que s� a poesia � capaz de produzir num grau m�ximo. 

A partir do t�tulo (cada poema pode ser uma foto), os retratos n�o enganam, quando muito oscilam os olhos de acordo com as vertigens que cada pintura, que cada imagem suscita e sugere. Poemas s�o perigosos demais. “Erram”, dessa forma, os textos, por serem, natural e simplesmente, poemas. Uma poesia feita de am�lgamas, de pedras sobre pedras, de flores sobre flores. Um tipo de poesia dura, bem-vinda da pr�pria vida. 

ENTREVISTA

Eucana� Ferraz

‘‘Escrever poemas significa uma escuta do mundo’’

‘‘Como voc� ‘‘trabalha’’ os poemas? Voc� os reescreve?
Trabalho muito. Costumo fazer as primeiras vers�es dos poemas a l�pis, em cadernos. S� passo para o computador quando sinto que o poema est� pr�ximo de uma vers�o final ou quando j� n�o consigo entender o que est� escrito entre setas e sob uma intrincada rede de rabiscos, c�rculos, asteriscos. � o que mais gosto de fazer, embora me envolva com alegria na tarefa de montar os livros. 

E no caso do seus livros? Como se d� esse processo?
No caso do livro, entra em cena a sensa��o de que estou construindo algo definitivo e isso gera uma enorme inseguran�a, que pode ser assustadora. J� o poema permite uma infinita possibilidade de acertos, ajustes, variantes, e isso faz com que as desconfian�as e vacila��es pare�am menos intimidadoras. O trabalho de fazer o poema � algo que me d� grande prazer, o que n�o exclui o sofrimento. Mas � um sofrimento buscado.

Como surgem os t�tulos dos seus livros?
Em certo momento, compreendo que a escrita dos poemas se encaminha para uma esp�cie de ponto comum. H�, nisso, tanto uma surpresa quanto uma coincid�ncia com certas inquieta��es minhas, que s�o de ordem est�tica, mas tamb�m, digamos, existencial. A escolha do t�tulo quase sempre se d� a�. Mais que um nome, portanto, o t�tulo funciona como uma imagem guia. Assim, depois de escolhido, n�o consigo troc�-lo. O livro fica sendo aquele, o do t�tulo. Sinto isso de modo t�o forte que n�o posso fazer de outro modo. Na melhor das hip�teses, penso que o t�tulo leva o livro para o lado que ele, o livro, quer, e sei que n�o devo desobedec�-lo. 

H� uma rotina de trabalho para escrever poesia?
N�o tenho rotina de trabalho. Comigo n�o funciona assim (n�o sei se com algum poeta funcionar� de outro modo), com hor�rios, disciplina. Costumo passar semanas seguidas trabalhando nuns versos, dia e noite, por dentro das madrugadas, numa exaust�o f�sica e emocional quase torturante, e muitas vezes posso levar meses sem escrever nem um verso sequer.

Qual a sua an�lise do cen�rio pol�tico-cultural do nosso pa�s?
O cen�rio pol�tico e cultural no pa�s � muito complexo. Sempre foi, eu diria. Agora, passamos por um momento pol�tico medonho, que busca afetar diretamente a vida art�stica e cultural com sua mesquinharia e sua ignor�ncia. A estupidez arrogante da vida pol�tica bate-se explicitamente contra a intelig�ncia e a liberdade, a mem�ria e a cr�tica. Mas a vida cultural no Brasil � forte; ela sobreviver�, n�o porque temos espe- ran�a, mas porque temos formas consolidadas e capacidade de renova��o. Julgo que nem sabemos ao certo a for�a que temos. E se � preciso ter consci�ncia dela, intuo que tamb�m servir� a nosso favor “n�o saber”. Penso que � bom ser um pouco irrespons�vel, infantil. � importante n�o ter convic��es fortes demais. 

Poderia citar as suas refer�ncias liter�rias?
Minhas refer�ncias liter�rias s�o muitas. In- cluem, claro, j� na minha forma��o, os grandes modernos brasileiros: Cec�lia Meireles, Manuel Bandeira, Drummond, Jo�o Cabral. Mais recentemente, Vinicius de Moraes. N�o faltou o onipresente Fernando Pessoa. E houve a prosa de Clarice Lispector e os ensaios de Roland Barthes. Mas nada teria relev�ncia sem a voz de minha m�e cantando as can��es de Maysa ou de Dolores Duran. Minha grande inclina��o, no entanto, sempre foi pl�stica. Muito cedo descobri e amei Piero della Francesca e Giotto. E minha primeira experi�ncia com a arte moderna aconteceu quando vi a reprodu��o de um �leo de Matisse. 

Quais s�o seus livros de cabeceira?
Minha cabeceira passou muito tempo ocupada com a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, sobre quem acabo de escrever um ensaio. Sempre estou lendo algum ensaio. Tenho me voltado agora para o tema da pai- sagem, desenvolvido quase que integralmente por estudiosos franceses. E me mantenho curioso acerca da poesia que se escreve hoje. No momento, leio Talvez precisemos de um nome para isso, de Stephanie Borges.

Qual a fun��o do poeta no Brasil contempor�neo?
Um poeta tem hoje a fun��o que sempre teve: escrever poemas. Isso significa uma escuta do mundo. � uma aposta absoluta na liberdade e na dignidade das coisas.

Poema selecionado

*

Foto

Eis o retrato sem nenhum retoque:
agora � o tempo da can��o im�vel
sob a sombra do teu rosto assim quieto
o que era o sol agora � sono e t�dio
o que vibrava agora � vidro opaco
agora � o tempo do verso estragado
pela ilus�o de nos bastarmos nele
a madrugada se apagou na pele
o meu caminho agora � um gesto seco
� o teu sil�ncio que me diz � o tempo
de um c�u deserto c�u sem c�u o certo
� fecharmos as portas esquecermos
a hora � grande agora e nos separa
por letras mortes como um dicion�rio
entre os teus dedos foram-se as cidades
e h� muitas pedras nos meus olhos �ridos.
Este retrato sem nenhum retoque.


Retratos com erro
De Eucana� Ferraz
das Letras
126 p�ginas
R$ 49,90


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