
Luis Miranda entra na cozinha e fala com uma s�rie de cozinheiros e gar�ons, estes vestidos com minissaias que lembram os figurinos provocativos das atendentes de diners americanos. As polos brancas que eles usam s�o igualmente coladas, real�ando o desenho de seus fortes peitorais.
Para o espectador, � um banquete – literal, por causa dos pratos sendo preparados ao redor, e tamb�m no sentido figurado, j� que aqueles personagens s�o servidos de bandeja para quem quiser sexualizar todos eles. O ator enfim chega a uma mulher, que parece chefiar aquele ambiente.
''Eu sou machista, porque fui criada assim. Ele est� na nossa neurologia, � um sistema''
Anna Muylaert, diretora
Ainda sem data de lan�amento, o longa vai suceder “Alvorada”, document�rio em que a cineasta se debru�ou sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff, apontado por muitos dos defensores da ex-presidente como fruto do machismo na sociedade brasileira.

Machismo estrutural em foco
Muylaert v� “O Clube das Mulheres de Neg�cios” como uma trama “com um fundo de vingan�a”, como ela conta entre a grava��o de uma cena e outra, num clube de iatismo da zona sul de S�o Paulo.
“Mas n�o entendo o machismo como algo dos homens. O machismo est� na estrutura da nossa sociedade. Eu sou machista, porque fui criada assim. Ele est� na nossa neurologia, � um sistema. Agora o estamos enfrentando, com as mulheres � frente porque, claro, s�o as que mais sofrem com isso”, afirma a cineasta.
No clube onde ela dirige seus atores, as paredes s�o cobertas por grandes placas met�licas que listam os nomes dos ex-presidentes do local – todos, como era de se esperar, s�o homens. � curiosa e um tanto ir�nica a escolha da loca��o, t�o masculina, que agora faz as vezes de sede da organiza��o feminina � qual o nome do filme se refere.

N�o � como se “O Clube das Mulheres de Neg�cios” escrevesse uma utopia na qual a paridade de g�nero foi finalmente alcan�ada. A trama p�e mulheres em posi��o de poder, mas reproduzindo tudo o que h� de errado no mundo real, tradicionalmente comandado por homens – espere ver todas elas praticando corrup��o, ass�dio sexual e gaslighting.
“O maior problema est� na estrutura de poder. Quem est� acima dos outros tende a reproduzir esse comportamento. Sim, acho que se as mulheres comandassem o mundo, ele estaria melhor, porque temos visto muitas lideran�as femininas respons�veis por a�, mas o problema est� na estrutura que rege nossa sociedade”, diz Muylaert, lembrando os caminhos da pandemia em pa�ses administrados por mulheres, como a Nova Zel�ndia e a Finl�ndia.
A conversa ocorreu na manh� seguinte ao primeiro debate entre os presidenci�veis da corrida eleitoral, organizado por Folha de S.Paulo, UOL, Band e TV Cultura. Nele, Jair Bolsonaro disparou falas apontadas como mis�ginas � jornalista Vera Magalh�es e � candidata Simone Tebet, do MDB.
Muylaert estava no set de filmagem desde cedo pela manh�, seguindo agenda que a privou de acompanhar a transmiss�o. Mas n�o demonstrou surpresa ao tomar conhecimento dos ataques.
Embora “O Clube das Mulheres de Neg�cios” tenha sido concebido antes da ascens�o de Bolsonaro, o presidente “com certeza influenciou” o projeto, diz. “Muito al�m de um indiv�duo, por�m, foram as ideias que ele representa.”
No filme, mistura de suspense e com�dia, Luis Miranda e Rafael Vitti se infiltram naquele grupo feminino e, aos poucos, come�am a descobrir seus podres. Cada membro representa um dos setores que hoje definem os rumos do Brasil – h� a defensora do agroneg�cio, outra ligada � Igreja Evang�lica, outra � pol�cia e por a� vai.
Elas s�o vividas por Louise Cardoso, Cristina Pereira, Irene Ravache, Grace Gianoukas, �tala Nandi, Polly Marinho, Shirley Cruz, Ver�nica Debom, Maria Bopp e Katiuscia Canoro, que navegam numa zona cinzenta na qual humor, drama e suspense colidem.
“O Clube das Mulheres de Neg�cios” pode lembrar o sucesso mais ou menos recente da Netflix, “Eu n�o sou um homem f�cil”. O filme quase desmotivou Muylaert a seguir com sua ideia, mas ela percebeu que era preciso ir al�m da mera com�dia de costumes, politizando ainda mais a discuss�o que o par franc�s havia proposto.
� como se o objetivo fosse armar um cavalo de Troia. O verniz de com�dia, descrito por alguns do elenco como quase chanchada, vai ajudar o filme a estrear em mais salas. Com o p�blico j� diante das telas, ent�o, o tom pol�tico deve escalar para propor debates s�rios e urgentes.
''� um filme que me deixa solid�rio em rela��o a todas as agress�es que as mulheres vivem, que vai propor ao p�blico discutir a mulher num outro contexto''
Rafael Vitti, ator
Rafael Vitti: unhas pintadas e autocr�tica
“Existe um deboche nesses personagens, porque o drama do filme � constru�do a partir da com�dia. N�o d� para contar uma hist�ria t�o perversa sem humor”, diz ele. “� um filme que me deixa solid�rio em rela��o a todas as agress�es que as mulheres vivem, que vai propor ao p�blico discutir a mulher num outro contexto”, afirma o ator.