Livro resgata 200 vidas 'apagadas' da mem�ria de Minas Gerais
'Hist�ria para n�o esquecer' revela trajet�rias da inconfidente Hip�lita Teixeira, da sufragista Alzira Nogueira e da maestrina Dinor� Carvalho
Quando soube que Joaquim Jos� da Silva Xavier, o Tiradentes, havia sido preso em 10 de maio de 1789, no Rio de Janeiro, Hip�lita Teixeira enviou da atual cidade mineira de Prados, sua terra natal, a Vila Rica um bilhete ao inconfidente Padre Toledo e outro ao marido, Francisco Ant�nio de Oliveira Lopes. A fazendeira defendia a rea��o armada para salvar a Inconfid�ncia Mineira. H� algum tempo, ela participava das reuni�es de conspira��o contra a Coroa e sua voz tinha certo peso entre os inconfidentes.
“Quem n�o � capaz para as coisas, n�o se meta nelas. E mais vale morrer com honra que viver com desonra”, teria escrito Hip�lita aos dois destinat�rios. No entanto, a Devassa (processo contra os inconfidentes) j� se desenrolava, o que impediu o levante.
A hist�ria de Hip�lita mais parece argumento daqueles filmes que recriam o passado, dando final alternativo ao que de fato ocorreu – Quentin Tarantino fez isso em “Bastardos ingl�rios”; os brasileiros Ana Luisa Azevedo e Jorge Furtado seguiram a cartilha em “Barbosa”.
Contudo, a tentativa de Hip�lita � fato, garante o livro “Hist�rias para n�o esquecer – 200 vidas mineiras”, organizado pelo jornalista e pesquisador Am�rico Antunes.
Longe de Diamantina, fHist se divide
A publica��o ser� lan�ada nesta quinta-feira (1º/12), no Memorial Minas Gerais Vale, na abertura do Festival de Hist�ria (fHist). Inicialmente, o evento seria realizado nesta primeira semana de dezembro. Por�m, quest�es internas fizeram com que a programa��o fosse reformulada. A abertura continua nesta quinta, mas oficinas, mesas-redondas e apresenta��es musicais ocorrer�o em mar�o de 2023.
Am�rico Antunes organizou livro sobre 200 personagens praticamente desconhecidos da hist�ria de Minas (foto: fotos: Acervo pessoal
)
A hist�ria de Hip�lita � apenas uma entre v�rias envolvendo pessoas que contribu�ram para a forma��o de Minas Gerais e do Brasil, mas foram “apagadas” com o passar do tempo.
Ao contr�rio dos envolvidos no levante contra a Coroa punidos com o ex�lio (a �nica exce��o foi Tiradentes, condenado � morte), a fazendeira inconfidente nem sequer foi citada nas investiga��es. Seu pr�prio marido, Francisco Ant�nio de Oliveira Lopes, foi deportado para Mo�ambique, onde morreu. Mas ela continuou vivendo onde hoje fica Prados.
No entanto, causa estranheza que mesmo sem ser citada nas investiga��es, Hip�lita foi punida com a perda do patrim�nio sem mea��o conjugal. Ou seja, algo foi feito para que ela n�o ficasse exposta em t�o escandaloso crime, mas, ao mesmo tempo, n�o fosse inocentada.
Al�m da puni��o discreta por um crime de lesa-majestade, ela usou suas artimanhas para reaver todos os bens que lhe foram confiscados. Morreu dona de seu antigo patrim�nio.
Evitar que hist�rias como a de Hip�lita sejam esquecidas � o que Am�rico Antunes pretende com seu livro. O conte�do da publica��o foi apurado e elaborado por equipe formada pelos jornalistas C�ndida Can�do, Denise Menezes, Felipe Can�do, Juliano Antunes, Marta Vieira, M�nica Santos, Teresa Caram e �ltimo Valadares.
“Nosso corte foi a funda��o da capitania de Minas Gerais, em 1720. S�o pessoas que nasceram no territ�rio mineiro nessa �poca, personagens que tiveram certa relev�ncia num determinado momento hist�rico nos s�culos 18 a 21 nas mais abrangentes �reas: pol�ticos, artistas pl�sticos, economistas, m�dicos, escultores, pintores, escritores e poetas”, explica Antunes, que tamb�m coordena o fHist.
Entre os 200 personagens que constam no livro, est�o Alzira Nogueira (1886-1970), Dinor� Carvalho (1895-1980) e Chiquinho Bomba At�mica (1906-1990).
M�dica formada, apesar da fam�lia e do professor
Natural de Minas Novas, a m�dica feminista Alzira Nogueira rompeu com a tradi��o de sua �poca. Quando �s mulheres eram destinadas as fun��es de esposa e dona de casa, Alzira enfrentou muita resist�ncia (inclusive da fam�lia) para cursar medicina.
O pr�prio diretor da Escola de Medicina de Belo Horizonte tentou, sem sucesso, faz�-la desistir da ideia de se graduar.
Superada essa barreira, Alzira encabe�ou outra luta: o direito ao voto. A exclus�o feminina come�ou a ter fim em 1905, quando Alzira se revoltou contra a estrutura machista da sociedade. Em Belo Horizonte, ela e amigas invocaram a Constitui��o e exigiram participar como cidad�s do processo eleitoral.
Ela conseguiu. E seu tornou a primeira mulher a votar. Por�m, como o sufr�gio feminino n�o era garantido por lei, magistrados recorreram � Justi�a e Alzira Nogueira teve os votos cassados posteriormente.
Orquestra s� de mulheres
Dinor� Carvalho era maestrina em Uberaba. Na d�cada de 1930, criou um conjunto de cordas e percuss�o composto apenas por mulheres, a Orquestra Feminina de S�o Paulo, o primeiro grupo do g�nero na Am�rica do Sul.
“Tem aquela velha hist�ria de que mineiro, para dar certo, tem que sair do estado, n�o �?”, brinca Am�rico Antunes. “Infelizmente, no universo que n�s pesquisamos, isso se confirma. Boa parte morreu no Rio de Janeiro ou em S�o Paulo”.
Chiquinho Bomba At�mica � outro pque segue a regra. Nascido em Ouro Preto, o f�sico Francisco de Assis Magalh�es Gomes ganhou o apelido de “Bomba At�mica” por causa de boato de que no gabinete em que ele trabalhava, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, eram realizadas em segredo pesquisas radioativas e investiga��es b�licas.
Magalh�es Gomes, respeitado professor, sempre negou, assegurando ser inimigo da bomba at�mica. Continuou se dedicando � f�sica e foi o �nico brasileiro da comiss�o criada pelo Papa Jo�o Paulo II para revisar o julgamento de Galileu Galilei, em 1979.
“Esse projeto pretende estabelecer o fio condutor entre o que somos hoje e o que veio antes de n�s. Esse fio condutor � a mem�ria. N�o d� para nos entendermos sem observar quem veio antes, porque a vida dessas pessoas – algumas traum�ticas, vale dizer – � o que forma a nossa identidade”, observa Am�rico.
Caminh�o "atropela" fHist 2022
Al�m do lan�amento de “Hist�rias para n�o esquecer – 200 vidas mineiras”, o fHist promove, nesta quinta (1/12), a mesa-redonda “200 anos p�s-Independ�ncia, que identidade queremos?” e apresenta��o musical do Duo Mitre. As atividades ocorrem no Memorial Minas Gerais Vale.
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Realizado por 10 anos em Diamantina, o fHist estava programado para Belo Horizonte e Ouro Preto nesta edi��o de 2022, com o intuito de ligar a atual e a antiga capitais mineiras por meio da mem�ria. O evento come�aria hoje e seria encerrado no s�bado (3/12). Por�m, as atividades ficaram para mar�o de 2023, ainda sem dias estipulados.
Sob curadoria de Pilar Lacerda, a programa��o contaria com a historiadora Heloisa Starling, coletivos de slam e atra��es musicais. Tamb�m viria � capital mineira, neste in�cio de m�s, o Itiner�rios da Independ�ncia, caminh�o-museu do Projeto Rep�blica da UFMG, coordenado por Starling.
“O caminh�o se transforma em museu, com salas de proje��o e materiais interativos. Ele traz para a discuss�o personagens esquecidos da nossa hist�ria”, explica Pilar.
“A gente abriria o caminh�o-museu na Rua Sapuca�, rua muito hist�rica de BH. Mas a prefeitura demorou demais para liberar o alvar� e, quando garantiu, pediu uma s�rie de atestados e comprova��es que inviabilizaram as atividades em 2 e 3 de dezembro”, afirma a curadora.
O caminh�o do Projeto Rep�blica, que se transforma em museu, em sua temporada de 2013 (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press/24/3/13)
''A gente abriria o caminh�o-museu na Rua Sapuca�, rua muito hist�rica de BH. Mas a prefeitura demorou demais para liberar o alvar� e, quando garantiu, pediu uma s�rie de atestados e comprova��es que inviabilizaram as atividades em 2 e 3 de dezembro''
Pilar Lacerda, curadora do fHist
De acordo com Pilar, grande parte da programa��o dependeria do caminh�o-museu. Por isso, precisou ser adiada para mar�o, quando ser� realizada mesa-redonda com Heloisa Starling, Cidinha da Silva, Marcela Telles e Virg�nia Starling sobre o livro “Independ�ncia do Brasil: as mulheres que estavam l�”, de Heloisa.
Tamb�m ficaram para mar�o as oficinas de hist�ria e educa��o, al�m de apresenta��es do Slam das Minas e da banda Macondos.
(foto: FHIST/reprodu��o)
“HIST�RIAS PARA N�O ESQUECER – 200 VIDAS MINEIRAS”
.Organiza��o: Am�rico Antunes
.Independente
.274 p�ginas
.Distribui��o gratuita pelo site festivaldehistoria.com.br
.Lan�amento nesta quinta-feira (1/12), �s 20h, no Memorial Minas Gerais Vale (Pra�a da Liberdade, 640, Funcion�rios), durante abertura do fHist. Entrada franca. Informa��es: festivaldehistoria.com.br.
NESTA QUINTA (1/12)
18h – Abertura
18h30 – Mesa de debates “200 anos p�s-Independ�ncia, que identidade queremos?”, com Flaviana Lasan, educadora e artista visual; Lara de Paula Passos, poeta e arque�loga; e Felipe Can�do, mediador
20h – Lan�amento do livro “Hist�rias para n�o esquecer – 200 vidas mineiras” e sess�o de aut�grafos
21h – Show do Duo Mitre
. Memorial Minas Vale (Pra�a da Liberdade, 640, Funcion�rios)
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