
“O momento da efetiva ruptura com Lisboa n�o foi necessariamente planejado. A quest�o que se coloca, a partir da convoca��o da Constituinte brasileira, � como aquela ideia de independ�ncia moderada defendida por Jos� Bonif�cio, em que se mantinha fidelidade ao rei ao mesmo tempo em que se rompia com as Cortes, derivou para a ideia de emancipa��o total”, considera H�lio Franchini Neto. Segundo ele, o passo da independ�ncia mo- derada para a soberania definitiva do Brasil ocorreu entre julho e agosto de 1822, com a agudiza��o do conflito com as Cortes, a tal ponto que, mesmo n�o desejando a separa��o, este destino se tornou inevit�vel. A guerra civil na Bahia foi, nesse sentido, vari�vel determinante, principalmente com a recusa do governador de Armas leal a Lisboa, o brigadeiro Ignacio Luiz Madeira de Mello, de acatar ordem de Dom Pedro para que embarcasse com as suas tropas para Portugal. Em resposta ao desacato, Dom Pedro enviou do Rio de Janeiro for�as mi- litares para atacar as tropas europeias aquarteladas na Bahia. Assim, deu mais um passo para a ruptura com Portugal.
Dias antes de partir em viagem do Rio para S�o Paulo, em 14 de agosto de 1822 – para pacificar diverg�ncias entre conservadores e liberais, integrantes da junta do governo provis�rio e consolidar apoios ao seu projeto de emancipa��o –, Jos� Bonif�cio redigira um manifesto dirigido �s na��es estrangeiras, que dava o tom do que estava por vir. “Nesse manifesto, ele procurava legitimar o Brasil dentro do concerto de na��es, fazendo com que os outros Estados enviassem representantes diplo- m�ticos, cuja presen�a era mais um s�mbolo do reconhecimento da Independ�ncia pol�tica brasi- leira”, avalia o historiador H�lio Franchini Neto.
Nos 12 primeiros dias de viagem, Dom Pedro percorreu 634 quil�metros, alcan�ando, em 24 de agosto, a Penha de Fran�a, �ltimo pouso antes de entrar em S�o Paulo. Seguiu para Santos, onde inspecionaria as fortalezas e visitaria pessoas da fam�lia de Jos� Bonif�cio. De regresso a S�o Paulo, no s�bado, 7 de setembro, por volta das 16h, quando Dom Pedro e comitiva se encontravam no alto de colina pr�xima ao riacho do Ipiranga, foram alcan�ados pela correspond�ncia real: o major Ant�nio Ramos Cordeiro e Paulo Bregaro – hoje Patrono dos Carteiros – trazia diversas cartas, entre as quais da esposa, Leopoldina, e de Jos� Bonif�cio; duas de Lisboa – uma de seu pai, Dom Jo�o VI, e outra, com instru��o das Cortes, exigindo o regresso imediato do pr�ncipe e a pris�o e processo de Jos� Bonif�cio.
Escreveu-lhe dona Leopoldina: “As not�cias de Lisboa s�o p�ssimas: 14 batalh�es v�o embarcar nas tr�s naus, mandou-se imprimir suas cartas e o povo lisboense tem-se permitido toda a qualidade de express�es indignas contra sua pessoa, na Bahia entraram 600 homens e duas ou tr�s embarca��es de guerra”. A esposa, que, na aus�ncia de Dom Pedro presidia as reuni�es do Conselho de Estado, trabalhava pol�tica e intelectualmente pela forma��o de um Imp�rio brasileiro. Essa Habsburgo nascida nos estertores do absolutismo e sob a raz�o do Iluminismo, argumentava ao marido: “O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele far� a sua separa��o. O pomo est� maduro, colhei-o j�, sen�o apodrece”.
Integrante da comitiva, o padre Belchior Pi- nheiro deixou o seu testemunho do 7 de Setembro:
“Dom Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas m�os os pap�is e, amarrotando-os, pisou-os, deixou-os na relva (ent�o n�o estava sobre o ca- valo). Eu os apanhei e guardei. Depois, virou-se para mim e disse: ‘E agora, padre Belchior?’. E eu respondi prontamente: ‘Se V. Alteza n�o se faz rei do Brasil ser� prisioneiro das Cortes e, talvez, deserdado por elas. N�o h� outro caminho sen�o a independ�ncia e a separa��o’. Dom Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro, Carlota e outros, em dire��o aos animais que se achavam � beira do caminho. De repente, estacou j� no meio da estrada, dizendo-me: ‘Padre Belchior, eles o querem, eles ter�o a sua conta. As Cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois ver�o agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante est�o quebradas as nossas rela��es; nada mais quero com o governo portugu�s e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal.”
H� controv�rsias em rela��o �s exatas palavras empregadas por Dom Pedro em rela��o � cor- respond�ncia das Cortes Constituintes portuguesas, registra o historiador H�lio Franchini Neto, lembrando que Francisco de Castro Canto e Mello, au- xiliar de Dom Pedro que o acompanhava na via- gem, sustentou que o regente, ap�s ler os despachos do Rio de Janeiro, teria gritado: “� tempo! Independ�ncia ou morte! Estamos separados de Portugal!”.
Mesmo com a proclama��o da independ�ncia, Dom Pedro manteve o t�tulo de regente do Reino do Brasil at� 12 de outubro, quando foi oficialmente aclamado imperador do Brasil; a coroa��o seguiu-se em 1º de dezembro. Efetivou-se, assim, a constitui��o de uma nova unidade soberana. Ali nascia o embri�o do Imp�rio de dimens�o continental, um projeto anunciado por Dom Pedro em manifesto ‘aos povos deste Reyno’, datado de 1º de agosto de 1822: “N�o se ou�a pois entre v�s outro grito que n�o seja – uni�o do Amazonas ao Prata – n�o retumbe outro �cho que n�o seja – INDEPENDENCIA. – Formem todas as nossas prov�ncias o feixe mysterioso, que nenhuma for�a p�de quebrar”. Foi nas guerras que tal prop�sito se consolidou.