Rosiska Darcy de Oliveira leva a crise da democracia para a revista da ABL
Integrante da Academia Brasileira de Letras, escritora diz que guetos virtuais e o avan�o exponencial do feminic�dio amea�am as liberdades democr�ticas
Pensamento bin�rio estimulado pelas redes sociais representa perigo para a democracia, adverte Rosiska Darcy de Oliveira, editora da Revista Brasileira
Miguel Darcy/divulga��o
A Revista Brasileira, a mais antiga do pa�s, vinculada � Academia Brasileira de Letras (ABL) e cuja primeira edi��o remonta a 1855, est� sob nova dire��o desde o ano passado. A escritora, ensa�sta e jornalista carioca Rosiska Darcy de Oliveira, que em 2013 se tornou a oitava mulher a ocupar uma cadeira na ABL, assumiu a publica��o com o intuito de torn�-la contempor�nea.
Rosiska vem a Belo Horizonte participar do projeto Sempre um Papo, nesta segunda-feira (5/6), para lan�ar a nova edi��o da Revista Brasileira, cujo tema � a democracia. O encontro dela com o p�blico ter� media��o da escritora mineira Carla Madeira (autora do best seller “Tudo � rio”) e de Afonso Borges, criador do projeto.
A acad�mica e jornalista promoveu mudan�as no projeto gr�fico, no formato e no conte�do da publica��o. Agora, cada edi��o coloca em foco um assunto cr�tico da realidade do pa�s, por meio de textos escritos por importantes pensadores, estudiosos e artistas.
Al�m da pr�pria Rosiska, a Revista Brasileira – Democracia traz colabora��es de Caetano Veloso, Itamar Vieira Junior, Antonio Cicero, S�rgio Abranches e Eug�nio Bucci, entre outros articulistas.
Reforma radical
A jornalista e escritora observa que a publica��o tem lastro important�ssimo, mas, ao longo de mais de um s�culo, acabou perdendo o compasso de seu tempo.
“Ela j� teve como colaboradores Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha e por a� vai. Posteriormente vieram Jorge Amado, Jo�o Cabral de Melo Neto, Guimar�es Rosa, enfim, todos os grandes nomes que j� compuseram a Academia. Com o passar do tempo, foi se tornando uma revista n�o muito contempor�nea. Fiz uma reforma radical, de forma e conte�do”, destaca.
A editora ressalva que a Revista Brasileira mant�m a heran�a do que sempre foi, com destaque especial para a literatura e a cultura em geral. “Ela debateu, historicamente, a sociedade e os costumes de sua �poca. Hoje estamos discutindo o nosso tempo, colocando em pauta quest�es prementes da atualidade, chamando para isso aquelas pessoas que atendem, no nosso entendimento, ao crit�rio de excel�ncia”, pontua.
A pertin�ncia do tema do novo n�mero reside no fato de que a democracia est� em crise, de acordo com Rosiska. “Existe a dificuldade em dar conte�do preciso para esta palavra e a dificuldade em transform�-la de um conceito abstrato em realidade cotidiana, da vida real. Isso se faz enraizando a democracia em demandas de direitos – direitos humanos e todos os direitos constitucionais, por exemplo”, destaca.
'Estamos discutindo o nosso tempo, colocando em pauta (na Revista Brasileira) quest�es prementes da atualidade, chamando para isso aquelas pessoas que atendem, no nosso entendimento, ao crit�rio de excel�ncia'
Rosiska Darcy de Oliveira, escritora
A publica��o da ABL n�o se limita ao tema central. Dois artigos do novo n�mero, assinados por S�rgio Rodrigues e por Jom Tob Azulay, tratam da dicotomia entre a l�ngua portuguesa e a l�ngua brasileira.
“A l�ngua portuguesa, que � base de nossa forma��o, n�o d� conta de toda a l�ngua brasileira, que est� em constru��o, porque as coisas est�o sendo nomeadas ainda. N�s temos heran�a africana, temos heran�a ind�gena, quer dizer, s�o interfer�ncias na l�ngua, ou melhor dizendo, enriquecimentos para al�m da l�ngua portuguesa cl�ssica”, diz Rosiska.
“Os dois artigos tratam desse jogo entre tradi��o e inova��o na l�ngua que se fala no pa�s”, pontua. Tal discuss�o vai ao encontro do que ocorrendo, em �mbito estadual, na Academia Mineira de Letras (AML).
O escritor e l�der ianomami Davi Kopenawa na Flip: avan�o das conquistas ind�genas refor�a a l�ngua brasileira, com impactos sobre a l�ngua portuguesa
Fernando Fraz�o/EBC
Em mar�o, Ailton Krenak se tornou o primeiro ind�gena a ocupar uma cadeira da AML. O novo presidente da institui��o, professor Jacyntho Lins Brand�o, propor� mudan�a estatut�ria para que a Academia n�o s� preserve, estude e divulgue a l�ngua portuguesa, mas tamb�m as outras l�nguas do Brasil.
Rosiska Darcy de Oliveira afirma que o enriquecimento da l�ngua brasileira por parte de povos ind�genas sempre foi discutido na ABL, mas ao longo dos �ltimos anos isso vem tomando outros contornos.
“Na medida em que os pr�prios povos origin�rios come�am a ser mais reconhecidos como cidad�os, ocupando lugares de destaque na sociedade, suas diferentes l�nguas passam a ganhar import�ncia muito maior”, destaca.
'A agress�o permanente �s mulheres n�o pode persistir, a agress�o f�sica, o assassinato. Isso � uma pauta que mudou, no sentido de se tornar mais urgente e mais grave'
Rosiska Darcy de Oliveira, escritora
Feminismo e democracia
Com a reformula��o da Revista Brasileira, � de se esperar que pautas feministas ganhem maior destaque, pois Rosiska � uma das principais pensadoras do feminismo no Brasil, tema que perpassa praticamente toda a sua obra.
A escritora ressalta que houve mudan�as ao longo dos �ltimos anos – e tamb�m perman�ncias. “Quest�es referentes ao corpo e � sexualidade a partir do lema do movimento feminista nos anos 1970, ‘nosso corpo nos pertence’, acho que isso se afirmou em termos de maior liberdade sexual e de maior difus�o da contracep��o”, observa.
Por outro lado, aponta, o feminismo ainda n�o conseguiu quebrar o que ela considera “uma das mais desastrosas barreiras”: a criminaliza��o do aborto. O recrudescimento da viol�ncia contra a mulher – a despeito de avan�os como a Lei Maria da Penha – tem lugar central na pauta feminista na atualidade, refor�a.
“O fen�meno do feminic�dio � inacredit�vel, � inadmiss�vel que esteja acontecendo da maneira como est�. Ele � o sintoma mais claro da chaga que segue latente, e da necessidade da luta cont�nua”, aponta.
De acordo com Rosiska, o movimento feminista foi e continua sendo um grande sucesso. “Foi uma das revolu��es mais importantes – sen�o a mais importante – do s�culo 20. Por outro lado, creio que foi e continua sendo uma das raz�es da onda conservadora. O sucesso do movimento criou medo muito grande em toda a ala conservadora, que passou a evocar os costumes e a opor uma rea��o extremamente violenta, inclusive no sentido f�sico, contra a liberdade das mulheres”, ressalta.
Atualmente com 79 anos, Rosiska foi exilada na Su��a em 1969, depois de denunciar a tortura infligida a opositores da ditadura civil militar. Participou da cria��o do movimento feminista naquele pa�s e, de volta na d�cada de 1980, encampou essa luta no Brasil.
Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher no governo Fernando Henrique Cardoso, ela criou o Centro de Lideran�a da Mulher. Sua trajet�ria est� contada no document�rio “Elogio da liberdade”, dirigido pela atriz Bianca Comparato e lan�ado em 2019.
Autora dos livros “A liberta��o da mulher” (1975), “O elogio da diferen�a: o feminino emergente” (1991) e “Liberdade” (2019), Rosiska considera a viol�ncia o principal n� a ser desatado no que tange aos direitos femininos.
“A agress�o permanente �s mulheres n�o pode persistir, a agress�o f�sica, o assassinato. Isso � uma pauta que mudou, no sentido de se tornar mais urgente e mais grave. Temos isso entranhado em uma pauta nova, a luta contra o conservadorismo, a luta antifascista”, ressalta.
Avan�o tecnol�gico e retrocesso pol�tico
O pr�ximo n�mero da Revista Brasileira vai abordar a intelig�ncia artificial (IA). A editora considera que essa � a ponta de lan�a dos fen�menos relativos ao avan�o tecnol�gico. Tamb�m diz que outro fen�meno – o das redes sociais – se imp�s como debate incontorn�vel na atualidade.
Para ela, as redes sociais foram utilizadas “no sentido de se promover determinadas lavagens cerebrais”. A cria��o de guetos virtuais, que n�o dialogam entre si ou o fazem de forma agressiva, � outro malef�cio, aponta.
“O pensamento bin�rio que as redes sociais instauram quando colocam o 'curtiu' e o 'n�o curtiu' sem nenhuma nuance – � sim ou n�o – torna tudo muito pobre, muito pouco complexo. Mas a vida real � complexa, ela tem uma gama, e � justamente essa gama que a democracia representa. Se h� um efeito redutivo disso, estamos falando, sim, de amea�a � democracia”, destaca.
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA
• Lan�amento de novo n�mero da Revista Brasileira, no Sempre um Papo • Nesta segunda-feira (5/6), �s 19h30, na Livraria Jenipapo (Rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi) • Entrada franca
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