'O legado de Portinari � tamb�m �tico e humanista', diz o filho do artista
O matem�tico Jo�o Candido comenta sua decis�o de criar um projeto dedicado � preserva��o e difus�o da obra do pai e anuncia nova edi��o do cat�logo raisonn�
Jo�o Candido no CCBB-BH, em frente a fotografia de 1941 na qual ele, com 2 anos, brinca com o pai, Candido Portinari
T�lio Santos/EM/D.A Press
'Fomos para a casa de um colecionador e n�o sab�amos o que ele tinha. Encontramos l� uma tela, 'Retrato de um homem'. Olhamos no canto inferior e estava escrito: 'Meu primeiro trabalho'. Foi uma emo��o ver aquilo'
Jo�o Candido Portinari, idealizador do Projeto Portinari
�nico filho do casal Candido Portinari e Maria Martinelli, Jo�o Candido, aos 84 aos, soma 44 dedicados ao Projeto Portinari, ponto de partida para a realiza��o da exposi��o "Portinari - raros".
O projeto, pioneiro no Brasil, nasceu em 1979 para o resgate da obra do artista. Na �poca, a imprensa destacava que 95% de sua produ��o estava guardada em cole��es privadas – portanto, distante dos olhos do p�blico. Em suas quatro d�cadas, a iniciativa catalogou (e localizou) mais de 5 mil obras (hoje todas digitalizadas) e 25 mil documentos.
Para dar conta do projeto, Jo�o Candido deixou sua carreira acad�mica. Ele � um dos fundadores do Departamento de Matem�tica da PUC-Rio, onde � professor em�rito. Sua carta de inten��es para o Projeto Portinari veio a p�blico por meio de um texto que ele dirigiu ao pai, 17 anos ap�s sua morte.
"Tentei fugir de voc�, criar o meu pr�prio destino. Dez anos de estrangeiro, outros dez de Brasil, procurando um caminho livre de tua monumental presen�a… Aos poucos foi se esbo�ando em mim a necessidade de te buscar. Buscar voc�, buscar o Brasil", escreveu Jo�o Candido.
. Marcello Dantas e Jo�o Candido falam sobre Projeto Portinari
Hoje mais do que estabelecido, mas sempre lutando por verba – "Dinheiro � sempre o problema, n�o temos lastro financeiro" –, o projeto continua dando visibilidade ao legado de Portinari por meio de diferentes iniciativas. Jo�o Candido, que fica em Belo Horizonte at� s�bado (17/6) acompanhando os primeiros dias da exposi��o no CCBB, afirma que a educa��o � o eixo fundamental.
Quando o senhor come�ou o projeto, 44 anos atr�s, qual era a sua inten��o?
Era colocar a obra de Portinari acess�vel para pesquisadores e estudantes. Mas quando terminamos o trabalho mais t�cnico, 25 anos depois, veio o 'e agora'? Temos tudo estruturado, um cat�logo, ent�o qual a miss�o? E ela surgiu claramente para mim. Eram as crian�as e os jovens, em um trabalho educativo. Por uma raz�o simples: a arte dele � completamente comprometida com o social, o humano, tem valores, proposta de n�o viol�ncia, de esp�rito comunit�rio, de justi�a social, de respeito � vida. Em um mundo convulsionado pela viol�ncia, ficou muito claro que o legado dele n�o era s� pict�rico, mas tamb�m �tico e humanista. Ent�o nossa miss�o principal, com a��es recentes, como o 'Portinari nas quebradas' (realizado em v�rias comunidades cariocas, Cidade de Deus, Complexo do Alem�o e Rocinha, entre elas), tem sido lev�-lo a lugares onde est�o as pessoas mais exclu�das.
N�o fosse o Projeto Portinari n�o haveria a exposi��o "Portinari - raros" nem outras iniciativas em torno da obra dele, certo?
Acho que correria o risco. Quando comecei o projeto, os companheiros de gera��o estavam todos indo embora. Ou seja, a mem�ria viva que traziam dentro de si. Conseguimos ent�o depoimentos de Drummond, Jorge Amado, Luis Carlos Prestes... Pegamos 74 pessoas que conviveram intensamente com ele. Por outro lado, Graciliano (Ramos), Manuel Bandeira j� tinham partido. Se o Projeto Portinari tivesse come�ado 10 anos depois, perder�amos 90% da mem�ria. Muito mais do que desejo, come�amos naquele momento por necessidade.
Sua iniciativa foi pioneira no Brasil. Tanto por isto, n�o deve ter sido f�cil come�ar o projeto.
Quando come�amos, a profiss�o de museologia tinha acabado de ser criada. Ent�o, n�o era tradi��o empregar muse�logos em projetos culturais e art�sticos. E isto � muito importante para a quest�o da metodologia. Tivemos que partir do zero, pois n�o havia equipes com experi�ncia. Ent�o bebemos em v�rias fontes para buscar orienta��o. At� ficha de uma obra, por exemplo. O que � essa ficha? � onde voc� vai ter t�tulo, altura, largura, t�cnica, suporte. Na �poca, n�o era uma coisa �bvia.
Candido Portinari e obras que comp�em 'Guerra e paz', cria��o do brasileiro para a sede da ONU, em Nova York
Antonio Rudge/O Cruzeiro/Arquivo EM/ 15/11/1955
Desde a publica��o do cat�logo raisonn�, em 2004, at� agora, houve novas descobertas?
De 400 obras, que aconteceram das formas mais inesperadas. Fomos para a casa de um colecionador e n�o sab�amos o que ele tinha. Encontramos l� uma tela, 'Retrato de um homem'. Olhamos no canto inferior e estava escrito: 'Meu primeiro trabalho'. Foi uma emo��o ver aquilo. Talvez n�o tenha sido realmente o primeiro, mas sim o primeiro que ele considerou completo. Como o cat�logo (que venceu o Jabuti em 2005) completa 20 anos em 2024, vamos fazer uma nova edi��o para dar conta de todas as novidades.
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