Obra de Portinari 'Baile na roça' (1923), em exposição no  CCBB-BH

"Baile na ro�a" (1923), �leo sobre tela pintado por Portinari aos 20 anos, com o qual se inscreveu em concurso de estudos na Europa

Projeto Portinari/Cole��o Maria Candida Peixoto Palhares/Divulga��o

Em 1923, ent�o com 20 anos, Candido Portinari (1903-1962) pintou o �leo "Baile na ro�a". Esperava que com o trabalho vencesse o Pr�mio de Viagem � Europa, da Escola Nacional de Belas Artes, que levaria o jovem humilde de Brodowski a uma temporada de estudos no Velho Continente. O trabalho foi recusado por suas pinceladas soltas e cores vibrantes. Portinari, desgostoso, n�o quis mais saber dele.

Passaria muitos anos procurando a tela seminal – morreu dando-a por perdida. Em 1980, um ano ap�s o nascimento do Projeto Portinari, fundado por seu �nico filho, Jo�o Candido, o "Globo rep�rter" realizou um especial sobre o artista. Amigo de col�gio do diretor do programa, o documentarista Eduardo Coutinho (1933-2014), Jo�o Candido pediu que ele inclu�sse uma fotografia em preto e branco que havia rec�m-descoberto da obra – era a �nica pista que tinha.

Uma semana ap�s a exibi��o, uma senhora fez contato com Jo�o Candido. Acreditava ter encontrado a tela. Era uma restauradora do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan), que estava trabalhando na cole��o de um industrial morto havia pouco tempo. Jo�o Candido descobriu com ela "Baile na ro�a", um pouco rasgada, suja e com a assinatura pouco identific�vel.

Exatamente um s�culo ap�s seu "nascimento", "Baile na ro�a", uma tela de 97cm por 134cm, destaca-se em sua plenitude em uma das salas do Centro Cultural Banco do Brasil, na Pra�a da Liberdade. A pintura, a primeira com tem�tica nacional do artista, � uma das joias da exposi��o "Portinari raros", que ser� aberta ao p�blico nesta quarta-feira (14/6).

Obra de Portinari 'Roda infantil', em exposição no  CCBB-BH

"Roda infantil" (1932), �leo sobre tela, � uma das obras da sala "Inf�ncia"

T�lio Santos/EM/D.A Press

Infinito

Em seus 59 anos de vida, Portinari produziu mais de 5 mil obras. "Queria uma mostra que conseguisse dar conta desse personagem infinito com todas as nuances que ele tem", afirma Marcello Dantas, curador da exposi��o no CCBB.

A maneira para atingir esse objetivo � engenhosa. O visitante vai conhecer, por meio de um trajeto tem�tico, trabalhos de per�odos e estilos diversos. As salas do terceiro andar do centro cultural s�o divididas por temas:  “Paisagens”, “Fauna”, “Gr�fica”, “Inf�ncia”, “Desenhos”, “Caraj�”, “Fora de s�rie” e “Flores”. S�o 49 trabalhos do artista, boa parte deles vindos de cole��es privadas.

Mas a conta da exposi��o � muito maior: s�o apresentadas cerca de 200 obras. Isso porque a mostra traz tamb�m muita coisa em formato digital. O c�none, por exemplo, com os grandes pain�is situados em importantes espa�os p�blicos do Brasil e do exterior, poder� ser visto no "Portinari imensos". 
 
 

Assim que entardecer, em todos os dias da mostra, o p�tio do CCBB vai exibir um v�deo de 24 minutos, no modelo de exposi��es imersivas que v�m apresentando obras de grandes mestres mundo afora. Na fachada interna do pr�dio, o p�blico ver� a proje��o de trabalhos conhecidos de Portinari, como o painel "Guerra e paz", feito para a sede das Organiza��es das Na��es Unidas (ONU), em Nova York (e que foi visto no Cine-Theatro Brasil Vallourec, em BH, 10 anos atr�s).

Al�m disso, ao longo da exposi��o (f�sica), haver� salas dedicadas ao ambiente virtual. Uma delas, "A Maria de Portinari", traz diferentes retratos de sua mulher, Maria Martinelli (1912-2006). Estas imagens foram animadas. O p�blico ouve a pr�pria Maria falando, por meio das grava��es que integram o acervo do Projeto Portinari. 

"(Nos retratos de fam�lia) Ele fazia uma coisa moderna, n�o fazia acad�mico mais. Ent�o eu estranhava um pouco, mas, aos poucos, fui gostando. Entendendo n�o digo, mas gostando, sim", � o que se ouve Maria dizer sobre a mudan�a de estilo do marido. 

Outro ambiente interativo prop�e um quebra-cabe�as com retratos de amigos dele – Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Maria Clara Machado, entre eles. Enquanto se tenta montar as pe�as, ouve-se a voz desses personagens falando sobre Portinari.   
 
Obra de Portinari 'Menino soltando pipa', em exposição no  CCBB-BH

"Menino soltando pipa" (1958) � a �nica escultura produzida por Portinari

T�lio Santos/EM/D.A Press
 

Maquetes

H� duas salas que fogem da expografia tradicional. "A cidade imagin�ria" traz maquetes de edifica��es p�blicas que t�m murais de Portinari – o Pal�cio Gustavo Capanema, no Rio; a Igreja da Pampulha, em BH; o Memorial da Am�rica Latina, em S�o Paulo; o pavilh�o do Brasil na Feira Mundial de Nova York (1939); a Biblioteca do Congresso Norte-Americano, em Washington; e a j� citada sede da ONU. As maquetes s�o todas brancas – as �nicas cores v�m dos pain�is do artista reproduzidos em cada uma delas. 

J� a sala "As cores de Portinari" � uma instala��o. O artista deixou desenhada sua pr�pria paleta de cores, que � exibida numa parede. Dezenas de pinc�is s�o presos no teto e a sala vai, de tempos em tempos, mudando de cor – cada uma delas remetendo � palheta do artista.  
 

"A mostra traz pesquisa, raridades, diversidade e, ao mesmo tempo, utiliza as tecnologias atuais para potencializar aquilo que n�o poder�amos trazer. O Portinari de 'Guerra e paz', de 'Tiradentes', vem de uma encomenda pol�tica. Quer queiram ou n�o, ali era um artista a servi�o de um momento hist�rico. Quando voc� coloca todo o foco neste lugar, voc� perde esse lugar singelo, mas poderoso, que o ramifica como artista. N�o negligenciamos o personagem hist�rico, mas potencializamos o artista que estava escondido", explica Dantas a respeito do recorte curatorial.

Obra de Portinari 'Guerra' (1942) , em exposição no  CCBB-BH

"Guerra" (1942) integra a cole��o de p�steres produzidos pelo artista

T�lio Santos/EM/D.A Press

 
Quando se fala em raridades, remetendo ao t�tulo da exposi��o, fala-se da �nica obra escultural feita por Portinari, a cer�mica de 1958 que traz uma singela pintura de um menino soltando pipa (o t�tulo da obra). A pe�a est� na parte central da sala "Inf�ncia", que re�ne telas com diferentes leituras.

A por��o artista gr�fico de Portinari � revelada em uma sala com v�rios p�steres. Um deles, "Guerra" (1942), traz uma su�stica sangrando sobre o Brasil. Outro aspecto pouco conhecido do artista destaca sua paix�o por documentar animais. S�o v�rios desenhos, estudos e pinturas. 

Na sala "Fauna" est� desde o desenho "A Morte cavalgando" (1955) – t�tulo literal, pois apresenta um esqueleto vermelho em cima de um cavalo – at� o painel a �leo "Fauna e flora brasileiras" (1934), obra-prima que integra a Cole��o Roberto Marinho. 

Vem da cole��o da mineira Angela Gutierrez uma avis rara de Portinari, o �leo "Pra�a" (1939), o maior destaque da se��o "Fora de s�rie". "� uma obra �nica, totalmente De Chirico (pintor italiano), sob sombras e luz, com uma pra�a como base, que n�o se referencia a nada (do que Portinari criou)", explica Dantas.
 
Pôsteres de Portinari expostos no CCBB-BH

Mostra no CCBB revela o talento de Portinari tamb�m como artista gr�fico

T�lio Santos/EM/D.A Press
  

A mostra ainda destaca a �ltima tela do artista, a pintura inacabada de 1962 de uma ind�gena caraj�. A tela est� no hall da exposi��o. Um estudo dela integra a se��o dedicada aos povos origin�rios, que compila v�rias obras nas quais ele representou ind�genas.

"Portinari muda de estilo e de assunto com enorme facilidade. Isto � motivo de uma cr�tica absolutamente inadequada. Ele era um virtuoso, tem a ver com seu jeito antropof�gico, de 'me d� um jazz que eu transformo em samba'. Isto � ser brasileiro", observa o curador.

Nada veio f�cil para Portinari, vale dizer. O artista esperou cinco anos, mas conseguiu o Pr�mio de Viagem � Europa. Venceu em 1928, com a tela "Retrato de Oleg�rio Mariano", o que o levou para uma temporada de dois anos em Paris. A bomba que levou por "Baile na ro�a", no fim das contas, foi positiva. Os anos na capital francesa foram decisivos para sua arte e sua vida – foi em Paris que conheceu a uruguaia Maria Martinelli, sua mulher por toda a vida.
 

“PORTINARI RAROS”

Exposi��o no Centro Cultural Banco do Brasil, Pra�a da Liberdade, 450, Funcion�rios, (31) 3431-9400. Abertura nesta quarta (14/6), �s 10h. Visita��o de quarta a segunda, das 10h �s 22h. Entrada franca. Os ingressos devem ser retirados na bilheteria ou no bb.com.br/cultura. At� 7 de agosto.