'Medusa Deluxe' bebe na fonte de Hitchcock, Agatha Christie e Almod�var

 

Em meio a pentes e escovas, neblinas de laqu� e um arsenal de outros produtos capilares, mulheres especulam, entre um palavr�o e outro, quem pode ser o respons�vel por um assassinato. Durante a prepara��o para um concurso de penteados, um dos estilistas foi morto e escalpelado. O n�vel de competitividade ali, portanto, pode ser t�o fatal quanto os cabelos esculturais.

"Medusa Deluxe", produ��o de baixo or�amento em que o diretor e roteirista Thomas Hardiman estreia em longas-metragens, traz ecos de diferentes lugares. � primeira vista, nota-se a paix�o do jovem diretor pelo "whodunit", o g�nero de fic��o imortalizado por Agatha Christie em que assassinatos a serem elucidados movimentam as hist�rias secund�rias.

Mas n�o � necess�rio muito tempo para se constatar a verve ferina de Pedro Almod�var em cores exuberantes e mulheres donas de personalidades imensas, al�m do exame da vida interior de quem pega transporte p�blico todo dia para ir ao trabalho, como se v� nos filmes de Mike Leigh.

Pode haver um assassino em s�rie � solta, diz Divine, interpretada por Kayla Meikle, que busca formar sua identidade naquela competi��o. No entanto, o verdadeiro interesse de Hardiman n�o est� exatamente no assassinato, mas nos comportamentos que ele desencadeia nas personagens.

"O filme � muito inspirado na minha m�e, imigrante irlandesa em Londres. Ela vem de uma fam�lia imensa e a experi�ncia dela na capital inglesa reflete muito as mudan�as culturais na Gr�-Bretanha dos anos 1970 em diante", diz Hardiman. "Dois tios meus foram taxistas, outro foi limpador de janelas e outro foi f�sico. � uma intersec��o de vidas incr�vel."

Daquela d�cada em diante, a ilha recebeu imigrantes vindos de v�rios pa�ses, o que transformou as fam�lias da classe oper�ria e a sociedade brit�nica em um caldeir�o multicultural, afirma.

 

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Plano-sequ�ncia ganha destaque

Assim como Alfred Hitchcock fez com "Festim diab�lico", de 1948, "Medusa Deluxe" tamb�m se vale da t�cnica do plano-sequ�ncia aplicada do in�cio ao fim da proje��o. O espectador, assim, tem a impress�o de acompanhar a hist�ria em tempo real, como se fosse uma mosca na parede observando os acontecimentos.

O senso de humor macabro hitchcockiano tamb�m inspira Hardiman. Em uma cena, Angie, vivida por Lilit Lesser, ateia fogo ao pr�prio penteado acidentalmente enquanto fuma um cigarro. Para a vaidosa e explosiva Cleve, a respons�vel pela cabeleira em forma de torre, interpretada por Clare Perkins, isso talvez seja pior do que o destino do pobre defunto naquele pr�dio.

A c�mera de Hardiman flutua pelos bastidores da competi��o, mostrando, por meio do formato 4:3, em que a tela � quadrada, o estado de choque em que algumas mulheres est�o, a fofoca de sal�o de beleza que outras fazem e o figurino repleto de estampas floridas e de oncinha em domin�ncia.

Afinal, fazer parte da classe oper�ria, o recorte social sob mais press�o em meio � desigualdade econ�mica abismal em que a sociedade inglesa hoje se encontra, n�o as impede de exercer a pr�pria express�o.

 

N�o � toa, "Medusa Deluxe" venceu o British Independent Film Award, o mais importante pr�mio do cinema brit�nico independente, na categoria de cabelo e maquiagem – trabalho assinado por Scarlett O'Connell e Eugene Souleiman, que j� desenvolveu penteados para Lady Gaga e v�rias grifes de moda.

Crime sem detetive

Ironicamente, embora o filme seja uma colagem de refer�ncias pop constru�da de maneira meticulosa, o uso do "whodunit" parte do princ�pio da desconstru��o do g�nero. Segundo Hardiman, a hist�ria n�o tem detetive, pois ela � toda sobre mostrar artif�cios, da� a ambienta��o nos bastidores.

"'Medusa' � um cavalo de troia", afirma. "Pode parecer ser um filme inconstante, mas est� tentando romper conven��es da narrativa e se vale da falta de seriedade para te surpreender ali pela metade. Meus filmes prediletos usam a com�dia como subterf�gio para te levar a outro lugar."

“MEDUSA DELUXE”

Inglaterra, 2022.Dire��o de Thomas Hardiman. Com Clare Perkins, Kayla Meikle e Anita-Joy Uwajeh. Centro Cultural Unimed-BH Minas, �s 20h30.