João Campos (Raul) e Elisa Volpatto (Isabel) em cena do filme 'Depois de ser cinza'

Jo�o Campos (Raul) e Elisa Volpatto (Isabel) estrelam "Depois de ser cinza", de Eduardo Wannmacher; longa foi rodado em Porto Alegre e em tr�s diferentes cidades da Cro�cia

Leonardo Maestrelli/Divulga��o
Em meio a arrasa-quarteir�es como “Barbie”, “Oppenheimer” e “Miss�o: imposs�vel – Acerto de contas”, o cinema brasileiro cava espa�o para oferecer ao espectador uma vis�o mais �ntima e pr�xima da realidade cotidiana. Em cartaz em Belo Horizonte e algumas outras poucas cidades do pa�s, “Depois de ser cinza”, dirigido por Eduardo Wannmacher, resulta de um processo de depura��o de quase 15 anos.

O projeto come�ou a tomar forma em 2010, a partir de um roteiro escrito por Leonardo Garcia. A hist�ria foca em tr�s mulheres diferentes que se envolveram com o mesmo homem, Raul (Jo�o Campos). Isabel (Elisa Volpatto), Suzy (Branca Messina) e Manuela (Silvia Louren�o) estiveram com ele em momentos e lugares diferentes, numa trama que transita entre o Brasil (Porto Alegre) e a Cro�cia (Dubrovnik, Zadar e Zagreb).

Por meio desses personagens, o longa faz um retrato dos relacionamentos contempor�neos. Com o passar do tempo, tanto o diretor quanto as tr�s atrizes protagonistas contribu�ram com novos elementos para o roteiro. A hist�ria, segundo Wannmacher, foi ficando cada vez mais enxuta, concentrada em torno dos quatro protagonistas.

Tramas subtra�das 

“A gente foi discutindo ao longo do tempo, e o Leo reescrevia o texto depois das conversas. Nesse per�odo, aconteceram modifica��es, mas o que mudou de fato foi no momento da montagem, que gerou muitas vers�es, ent�o tivemos que abdicar de coisas, tirar algumas tramas que tinham no roteiro, o que tornou a hist�ria mais �ntima, centrada nos relacionamentos”, explica.

As tr�s personagens femininas, de hist�rias e personalidades completamente diferentes, t�m em comum o fato de, em momentos distintos, se relacionarem com Raul. Sob o ponto de vista delas, atrav�s de uma estrutura intrincada, n�o linear, de idas e vindas no tempo, a trama se desenrola com uma cronologia que parte da capital do Rio Grande do Sul para a Cro�cia.

A rota de Raul e Isabel no pa�s europeu banhado pelo mar Adri�tico tem como base uma viagem do pr�prio Leonardo Garcia, que havia feito o mesmo trajeto enquanto escrevia o longa. “Eu sempre imaginei o primeiro cap�tulo do filme acontecendo em algum pa�s long�nquo, n�o t�o conhecido, onde dois brasileiros despeda�ados emocionalmente se encontrariam quase que por acaso”, diz o roteirista.

Trajeto dos personagens 

Foi por indica��o do pai que ele viajou para a Cro�cia, em 2010. “Fiz exatamente o trajeto que os personagens fazem na hist�ria, partindo de Zagreb, passando por Zadar e chegando a Dubrovnik. N�o tenho d�vidas que vivenciar tudo aquilo foi fundamental para entender o clima da hist�ria e as transforma��es pelas quais as personagens passariam”, explica Garcia.

Wannmacher conta que assumiu a dire��o do longa a convite do produtor, Frederico Mendina, que j� vinha trabalhando com o roteirista na constru��o do projeto. “O filme foi sendo viabilizado em fun��o de diferentes financiamentos, a partir de 2010, quando veio o primeiro, que permitiu a viagem do Leo � Cro�cia. Ganhamos um novo edital em 2015, filmamos em 2017 e ainda contamos com uma verba de lan�amento, que saiu este ano”, detalha.

Ele observa que, quando tomou contato com o texto pela primeira vez, ele j� tinha a proposta de n�o linearidade e apresentava os personagens centrais muito bem delineados. “A despeito das mudan�as que aconteceram ao longo do tempo, a gente manteve isso como centro nervoso do filme, essa quest�o do entrela�amento dos protagonistas”, aponta.

� um filme sobre seres humanos, com suas fraquezas, suas virtudes e seus movimentos. As pessoas fazem escolhas que culminam em transforma��es pessoais, profissionais e emocionais. � uma hist�ria de quatro pessoas que trazem bagagens distintas

Eduardo Wannmacher, diretor


Constante transforma��o 


O diretor considera “Depois de ser cinza” uma hist�ria que gira em torno de quatro pessoas que est�o em constante transforma��o durante toda a narrativa. “� um filme sobre seres humanos, com suas fraquezas, suas virtudes e seus movimentos. As pessoas fazem escolhas que culminam em transforma��es pessoais, profissionais e emocionais. � uma hist�ria de quatro pessoas que trazem bagagens distintas”, destaca.

Elisa Volpatto, Branca Messina e Silvia Louren�o j� estavam escaladas para o projeto desde seus primeiros passos, e foram determinantes na constru��o de suas personagens, conforme aponta. Wannmacher diz que as convidou por “escolhas cinematogr�ficas” e por nutrir grande admira��o pelos trabalhos delas em outros filmes.

“As personagens j� estavam muito bem desenhadas no roteiro, mas elas tiveram uma participa��o essencial, tiveram liberdade para criar, porque nosso processo foi muito aberto”, diz. Ele observa que cada uma chegou com um tipo de laborat�rio muito pessoal, de prepara��o. “Percebi que elas tinham quest�es a colocar e fui deixando fluir. Todos tiveram participa��o importante na composi��o dos personagens”, ressalta.

Liberdade de interpreta��o


 Premiado no 3º Festival de Cinema de Alter do Ch�o, “Depois de ser cinza” encontra sua for�a no trio de atrizes, segundo o diretor. “Elas tomaram decis�es sobre toda a constru��o f�sica e emocional das protagonistas. Com isso, surgiram mudan�as e improvisos ao longo das filmagens, o que � estimulante e traz vida para o filme. A liberdade criativa impacta na interpreta��o e aparece na tela”, diz.

Leonardo Garcia explica que um dos maiores desafios do roteiro foi a constru��o do ponto de vista das tr�s personagens femininas. “Muitas mulheres leram o roteiro e ajudaram nesse processo, tanto nas situa��es macro quanto nos detalhes. Importante salientar que quando eu estou criando e desenvolvendo personagens, me esfor�o para me colocar na pele delas, mas, claro, como diferem muito de mim, � sempre um trabalho complexo”, pontua.

Esp�cie de fio condutor da trama, o personagem de Jo�o Campos embarcou na hist�ria j� bem pr�ximo das filmagens, de acordo com Wannmacher. “Foi por uma indica��o do montador, Bruno Carboni. Eu encontrei Jo�o no Rio de Janeiro, a gente conversou e eu senti na hora que seria ele o Raul. Gosto de escolher as pessoas, n�o sou do tipo de diretor que faz testes; passa mais por entender o perfil de um ator em perspectiva com o perfil do personagem”, diz.

Road movie 

Ele conta que filmar em um pa�s distante, que n�o conhecia e sobre o qual tinha poucas informa��es, foi ao mesmo tempo desafiador e estimulante. O diretor salienta que essa foi uma ideia do roteirista que, felizmente, o produtor abra�ou. “Eu mesmo achava que era loucura demais irmos para a Cro�cia, porque era um projeto de baixo or�amento, mas fomos e fizemos esse trajeto, que � uma esp�cie de road movie dentro da trama”, comenta.

Estabeleceu-se, no pa�s europeu, uma din�mica org�nica e natural, conforme aponta. “A gente foi descobrindo como filmar l�, em campo, durante o processo, com as ideias surgindo � medida em que o trabalho ia se desenvolvendo, porque antes era s� muita abstra��o na cabe�a. Fomos andando e filmando e, de maneira geral, resultou melhor do que esper�vamos”, relata.

Com a narrativa que atravessa o tempo e o espa�o, a sintonia com o diretor de fotografia, Leonardo Maestrelli, foi fundamental para a constru��o do filme, segundo Wannmacher. “Buscamos valorizar os rostos e os sentimentos que brotavam das cenas. E t�nhamos a magnitude visual da Cro�cia em contraponto. As imagens do pa�s s�o um personagem � parte. Tamb�m procuramos criar uma Porto Alegre mais universal a partir das imagens”, diz.

Cidades em contraste 

Ele observa, a prop�sito, que sair de uma Porto Alegre “cinzenta e melanc�lica” e se deparar com a exuber�ncia das paisagens croatas foi um impacto, que, de certa forma, reverbera no filme. O t�tulo do longa, ali�s, abarca tamb�m essas caracter�sticas que o diretor atribui � capital ga�cha.

“Mas � um t�tulo que permite m�ltiplas interpreta��es. Numa determinada cena, aparece, sutilmente, o livro ‘Grande sert�o: veredas’, que cont�m a seguinte cita��o: ‘depois de ser cinza sou fogo’. O ‘depois de ser cinza’ � uma tentativa de cada personagem de criar sua pr�pria reden��o. Depois que as agruras da vida acontecem, se tenta dar um passo � frente. Tem essa fun��o, do ponto de vista narrativo”, ressalta.

“DEPOIS DE SER CINZA”
(Brasil, 2019, 92 min., de Eduardo Wannmacher, com Elisa Volpatto, Branca Messina, Silvia Louren�o e Jo�o Campos). Em cartaz na sala 3 do Cine Una Belas Artes (Rua Gon�alves Dias, 1.581 – Lourdes), com sess�es de ter�a a domingo, �s 19h30.