Escritor Dalton Trevisan em foto tirada nos anos 1970

Dalton Trevisan, o escritor que rejeita holofotes e entrevistas, em fotografia de junho de 1970

O Cruzeiro/Arquivo EM/D.A Press/11/6/70

Muito se fala das obras consagradas de Dalton Trevisan (“O vampiro de Curitiba” e “A guerra conjugal”) e do impacto do autor paranaense na literatura brasileira. Por�m, pouco se fala do Dalton Trevisan, de 98 anos, que vive recluso em Curitiba e continua publicando. N�o s� por grandes editoras, mas tamb�m produ��es independentes.


Depois de ver sua “Antologia pessoal” sair pela Record em abril, organizada pelo poeta, professor de literatura da USP e editor Augusto Massi, Dalton Trevisan lan�ou “Gente em Curitiba”, livro que nem sequer foi divulgado na imprensa.


“� como se ele dissesse que a vida de autor profissional caminha com a vida de autor guerrilheiro, militante, clandestino, que subverte a pr�pria trajet�ria de algu�m j� consagrado”, observa Massi.

Nesta ter�a-feira (22/8), o poeta e editor vai debater a obra de Trevisan com o jornalista e escritor Jos� Eduardo Gon�alves, no Centro Cultural Unimed-BH Minas. Eduardo Moreira, ator do Grupo Galp�o, far� a leitura dramatizada de contos. Com entrada franca, o evento � promovido pelo projeto Letra em Cena… Como Ler.

 

Capa do livro Gente de Curitiba

Livro 'Gente de Curitiba' foi lan�ado sem qualquer alarde por Dalton Trevisan, recentemente

Reprodu��o
 

Homenagem aos Joaquins

Prof�cuo e minimalista, Trevisan se destacou pelos contos curtos e cr�ticos, tendo como alvo o conservadorismo e o reacionarismo da classe m�dia de Curitiba, sua cidade natal. Em 1945, lan�ou o livro “Sonata ao luar”. Em 1948, publicou “Sete anos de pastor”, obras que at� hoje renega, dizendo que sua estreia na literatura ocorreu somente em 1959, com “Novelas nada exemplares”.

 

• Leia tamb�m: Ailton Krenak explica por que � importante a elei��o de um ind�gena para a Academia Brasileira de Letras


Na �poca em que publicou os livros que rejeitou, Trevisan editou a revista liter�ria Joaquim, t�tulo dado “em homenagem a todos os Joaquins do Brasil”.


“Fico pensando como ele deve ter trabalhado dialogando com o poema ‘Jos�’, do Drummond”, afirma Augusto Massi. “Ambos t�m aquela coisa de pegar o que � apequenado, quase an�nimo – no caso da revista, o nome que de alguma maneira � signo dessa vida rebaixada, emparedada, enterrada viva –, e transformar em estrutura muito profunda”, emenda.


V�rios contos se passam em botequins, bares, alcovas e bord�is. “Ele aborda muito a frustra��o”, destaca Massi. “A frustra��o no casamento, a frustra��o profissional. � um autor negativo, desse ponto de vista, mas a negatividade � temperada com muita ironia e humor”, acrescenta.

 

'Ele aborda muito a frustra��o. A frustra��o no casamento, a frustra��o profissional. � um autor negativo, desse ponto de vista, mas a negatividade � temperada com muita ironia e humor'

Augusto Massi, editor e professor de literatura da USP


Trevisan coloca o leitor em posi��o discreta, como se estivesse atr�s da porta escutando uma conversa. Isso cria atmosfera ideal para inserir toques de erotismo na narrativa, o que se v�, sobretudo, em suas primeiras publica��es.


O Trevisan “er�tico” n�o descreve cruamente a sexualidade dos personagens, mas exp�e mecanismos e engrenagens sociais do pr�prio erotismo, destaca Augusto Massi.


“Diria que o Dalton � um autor que tem um p� na dimens�o social e pol�tica, com realismo formal est�tico muito agu�ado. Ele foi depurando formalmente algo que, para al�m do papel pol�tico de radiografar a vida conservadora, tem no polo oposto, est�tico, um avan�o no sentido de ser mais econ�mico, de poder dizer muitas coisas por poucas palavras”, analisa Massi.

Longe dos holofotes e rep�rteres

Dalton Trevisan nunca comenta as cr�ticas que recebe. Avesso a entrevistas e a fotografias, das poucas vezes em que fez declara��es p�blicas, disse que sua obra fala por si s�.


E realmente fala, garante Massi. “Sempre que ele montava uma antologia, procurava evitar repetir algum conto. Era como se fizesse um balan�o da pr�pria produ��o e, a partir da�, planejasse os rumos de suas novas produ��es”, observa.

 

'Fico pensando como ele deve ter trabalhado dialogando com o poema %u2018Jos�%u2019, do Drummond. Ambos t�m aquela coisa de pegar o que � apequenado, quase an�nimo, e transformar em estrutura muito profunda'

Augusto Massi, editor e professor de literatura da USP

 

 

De acordo com o professor a partir dos anos 2000, com a publica��o de “Macho n�o ganha flor” (2006) e “O man�aco do olho verde” (2008), o paranaense passa a fazer uma literatura em que os contos est�o interligados, como se fosse romance experimental.


Ele tamb�m aborda de maneira mais constante a entrada das drogas em Curitiba, com viciados, pequenos bandidos e estupradores como personagens. “� como se aquela classe m�dia de que ele falava nos anos 1960 e 1970 tivesse baixado tanto o padr�o que agora est� em outra realidade”, compara Augusto Massi.

LETRA EM CENA. COMO LER DALTON TREVISAN

Com Augusto Massi e Jos� Eduardo Gon�alves. Leitura de textos por Eduardo Moreira. Ter�a-feira (22/8), �s 19h, no Caf� do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Entrada franca, mediante retirada de ingressos no site Sympla. Informa��es: (31) 3516-1360.