
O m�dico e o paciente. Victor Hugo Barcelos e Yves Saliba se encontraram no pior momento de sua vida. O m�dico trabalhava exaustivamente no CTI de um hospital no auge da pandemia. O paciente chegou em estado grave e precisou ser intubado.
Um ano depois, eles brindam juntos a vida como s�cios do Restaurante Per Lui. Al�m da paix�o pela gastronomia, compartilham a vontade de oferecer uma experi�ncia �nica com menu degusta��o cheio de surpresas.
Victor leva para o restaurante sua experi�ncia como cliente. O que n�o � pouco. Como um apaixonado pela gastronomia, ele sai para comer fora cotidianamente e j� viajou para 100 pa�ses em busca de novos sabores. “Sempre falei que queria ter um restaurante onde teria prazer em ser cliente, do atendimento ao card�pio, passando pelo pre�o.”
Yves imaginava um restaurante onde tivesse liberdade para criar. O que n�o faltam s�o ideias. “Acredito que a criatividade pode ser desenvolvida. Quanto mais refer�ncias voc� busca, mais capacidade criativa tem. Por isso, gosto de consumir muita informa��o.”

N�o s� de gastronomia, mas arquitetura, design, artes e o que mais interessar. S� assim para abrir a mente e propor o diferente, ele acredita.
Os dois decidiram que a melhor forma de surpreender seria com menu degusta��o. Victor entende que esse formato vai al�m da comida, � uma experi�ncia que conta uma hist�ria e mexe com todos os sentidos.
Na estreia, eles colocam fogo em um dos pratos, fazem o cliente comer com as m�os, transpirar com a pic�ncia da pimenta e ser envolvido pelo cheiro do cupua�u.
O chef acrescenta que o ser humano � motivado por descobertas e o jantar dividido em v�rios tempos abre espa�o para o desconhecido. “Menu degusta��o � isso. Voc� se torna ref�m de uma experi�ncia que n�o se preparou para viver, porque n�o escolhe o card�pio. Sou eu que vou guiar o seu paladar.” As luzes baixas ajudam a criar um clima de mist�rio.
M�dico e ma�tre
Victor � quem recebe os clientes, apresenta os pratos e est� sempre interessado em ouvi-los sobre a experi�ncia. Segundo ele, n�o h� muita diferen�a entre ser m�dico e ma�tre. “O que muda � que s�o clientes em vez de pacientes, mas o servi�o no restaurante � muito parecido com o do consult�rio. Tenho que mostrar empatia e saber ouvir”, aponta.
Yves trabalha na cozinha para que a experi�ncia seja �nica e memor�vel. At� as lou�as de cer�mica (produzidas pelo ateli� Le Due) ele desenhou.

“Todo mundo tem um show favorito, ent�o quero que esse seja o jantar favorito de muitas pessoas. Que elas sempre se lembrem do que comeram aqui”, diz o chef, que escolheu o nome Per Lui em homenagem ao pai, seu maior incentivador. A express�o em italiano significa “por ele” ou “para ele”.
O menu de estreia se chama Ciclos e fala sobre recome�os. Na hist�ria de Yves e Victor, s�o v�rios: a abertura do restaurante, o renascimento depois de vencer uma doen�a, e a decis�o de se arriscarem em um novo trabalho.
Na primeira etapa, que tem fogo e cinzas, faz-se um paralelo com o cerrado, que precisa passar pelas queimadas para renascer. Assim como eles tiveram que passar pela COVID-19, cada um � sua maneira, para ressignificar a vida.
O prato tem uma mandioca cozida com manteiga de garrafa e tingida com tinta de lula, ent�o parece um peda�o de carv�o. Para finalizar, babaganoush. “Tostamos a berinjela e deixamos a pele porque queremos que as pessoas sintam gosto de queimado na boca”, explica o chef.
Depois do primeiro impacto, v�m as surpresas do trio de snacks, que representam a �gua, a terra, o ar e o sol, elementos que s�o essenciais para a vida.
Inunda��o na boca
Destaque para o tartar de peixe branco com coentro e alga nori servida em um cone com uma esfera de ma�� verde. Quando voc� morde, sente uma inunda��o de �gua na boca. J� a broa de fub� com tartar de tomate defumado e gelatina de piment�o vermelho tem um p� de pimenta que eleva a temperatura do corpo e nos faz sentir o calor do sol.
O in�cio da vida � representado pelo prato que mostra a cenoura, uma raiz, em tr�s vers�es: creme com gengibre, farofa e picles. Na sequ�ncia, o chef traz um pouco da Bahia ao servir o peixe trilha, que chega toda semana fresco do Rio de Janeiro, com espuma de moqueca, pururuca de coentro, farofa de dend� e sorvete de banana-da-terra feito na casa.
Assim como o peixe, a carne vermelha escolhida para o menu n�o � comum em BH. O butter aged � um fil�-mignon enrolado com manteiga e curado. “Queremos acabar com o mito de que fil� � macio, mas n�o tem sabor. Por causa do processo de cura, ele absorve a manteiga e os temperos.”
O prato fica bem colorido com quatro vegetais que passam por preparos diferentes. Yves faz pur� com baroa, mil-folhas com beterraba defumada, picles com ab�bora e tartar com chuchu e capim-lim�o.
A sobremesa se mostra complexa ao combinar dul�or, amargor e acidez de forma bem equilibrada. Seus elementos s�o mousse de chocolate 70%, mousse de cupua�u, farofa de baru e calda de cupua�u, servida na mesa. Al�m de perfumar o ambiente, ela mexe com o paladar pela acidez acentuada.
O plano de Yves � mudar os menus, no m�ximo, a cada dois meses. “Gosto de criar pratos novos. Os desafios me movem e quero sempre trabalhar com cores e sabores diferentes”, destaca o chef, que se sente realizado vivendo intensamente a cozinha. Em breve, o restaurante vai lan�ar um menu � la carte.
Da dor � alegria
A paix�o pela gastronomia � o que alimenta a rela��o de Yves e Victor. No caso do chef, surgiu meio sem querer. Aos 13 anos, ele j� trabalhava na lanchonete da m�e fazendo empadas.
Cinco anos depois, decidiu seguir seu caminho sozinho e chegou a ter uma rede de lanchonetes em col�gios e faculdades. Al�m de salgados, servia almo�o. “Fui me descobrindo cozinheiro. Como nunca gostei de rotina, todo dia criava um card�pio diferente.”
Decidido a ser cozinheiro, ele se matriculou em um curso na It�lia e, com muita insist�ncia, conseguiu trabalhar por cinco meses no Restaurante Villa Maiella, em Guardiagrele, que tem uma estrela “Michelin”.

Yves diz essa foi a melhor experi�ncia da sua vida. Enfrentou um chef extremamente rigoroso e uma rotina exaustiva, mas era o que precisava para aprender. “Foi muito intenso tudo o que vivi e l� decidi viver de cozinha”, conta.
J� de volta ao Brasil, o chef abriu o Restaurante A Casa – Cozinha Criativa, com card�pio que mudava todos os dias. Victor era um frequentador ass�duo. O m�dico � assumidamente apaixonado por gastronomia: gosta de cozinhar, viaja o mundo para conhecer novos sabores, frequenta muitos restaurantes, faz cursos e pesquisa sobre comida.
“Tenho mais livros de gastronomia do que de medicina em casa, mas nunca pensei em ser chef. Sou um entusiasta da gastronomia.”
Em mar�o do ano passado, Victor estava de plant�o no CTI do hospital onde Yves deu entrada, 15 dias depois de perder o pai com COVID-19, com falta de ar e precisou ser intubado. Quando soube do nome do paciente, lembrou-se na hora de que era o chef do restaurante onde almo�ava.
Encontro inesperado
Uma semana depois da alta, o encontro inesperado com o ex-paciente. “Disse para ele: estou muito feliz de te ver aqui, fui um dos m�dicos que cuidaram de voc� no CTI.” Naquele momento, eles se conheceram verdadeiramente, sem m�scara nem outro equipamento de prote��o.

Victor passou a acompanhar Yves no Secreto, projeto que ele criou depois de deixar o hospital e vender o restaurante. O chef queria desacelerar e teve a ideia de oferecer jantares em casa com menu degusta��o surpresa.
“Era como um laborat�rio para mim, porque podia criar o que quisesse”, relembra. Um dos pratos memor�veis � o macaron de bacon com polvo, guacamole e tomate defumado.
Com o tempo, os dois ficaram muito pr�ximos e Yves sentiu confian�a de convidar Victor para abrir um restaurante. “Esse era um sonho que pensava que n�o realizaria t�o cedo, mas o Yves acabou antecipando”, comenta o m�dico, que n�o pensa em deixar o consult�rio.
Victor aceitou o convite com a condi��o de que viajassem juntos para se conhecer melhor. Em Fernando de Noronha, selaram a parceria. Quem diria que um encontro em um momento de tanta dor levaria alegria para a vida deles.
Broa de fub� com tartar de tomate defumado e gelatina de piment�o
Ingredientes
500g de leite; 3 ovos; 200g de fub�; 200g de a��car; 100g de �leo; 250g de queijo canastra curado; 10g de sal; 10g de fermento qu�mico; 500g de tomate holand�s; p� de serragem ou alguma lenha frut�fera; 300g de piment�o vermelho; 16g de gelatina; 100g de �gua; 20g de a��car; 2g de sal
Modo de fazer
Processe todos os ingredientes da broa (leite, ovos, fub�, a��car, �leo, queijo, sal e fermento qu�mico) por 5 minutos em um liquidificador, at� obter uma mistura l�quida e homog�nea. Unte uma f�rma com um pouco de �leo e fub� e despeje a base l�quida da broa. Asse a 160 graus por 40 minutos. Antes de retirar do forno, verifique o ponto espetando um palitinho (se sair limpo, j� est� �timo). Deixe a broa esfriar naturalmente no forno desligado. Depois de 30 minutos, desenforme. Para o tartar de tomate defumado, ferva �gua em uma panela e coloque �gua com gelo em outro recipiente. Fa�a cortes em X na parte de baixo dos tomates. Coloque os tomates na �gua fervente por 20 segundos e logo depois resfrie-os na vasilha com �gua gelada. Retire a pele e as sementes. Depois coloque o tomate picadinho em uma vasilha, acrescente brasa/carv�o/erva em chamas e tampe. Deixe infusionar por 20 minutos. Para a gelatina, asse o piment�o vermelho por 15 minutos a 160 graus. Na sequ�ncia, processe o piment�o com a �gua, o a��car e o sal no liquidificador. Depois coe e leve a uma panela em fogo baixo com a gelatina por 2 minutos. Despeje o l�quido em uma f�rma fina com 3mm de altura e resfrie na geladeira por 2 horas. Coloque a broa cortada no aro por baixo, o tartare de tomate logo acima com uma pitada de flor de sal e cubra tudo com a gelatina de piment�o tamb�m cortada no aro.
Servi�o
Rua Muzambinho, 608, Serra
(31) 98365-9397