
Desde que o Villa Roberti encerrou suas atividades, em 2016, o empres�rio Daniel Roberti sonhava em reocupar a casa da fam�lia. Nesse meio tempo, o espa�o recebeu eventos e chegou a abrigar o restaurante itinerante Cozinha Nomad.
Quando surgiu uma brecha, ele convidou o chef Gabriel Trillo, que havia sido seu s�cio no neg�cio de delivery Comidaria Belvedere, para desenvolver um novo projeto.
Ambos estavam sintonizados: queriam apostar em um conceito diferente. Daniel tem experi�ncia com a cozinha italiana, mas n�o se imaginava fazendo mais do mesmo. Gabriel serve comida mineira contempor�nea no seu restaurante Omil�a e j� pensava em ampliar as fronteiras.

“Aqui em BH tem restaurante de comida baiana, mineira, nordestina, mas ainda n�o existia um restaurante que englobasse as cinco regi�es do pa�s”, aponta o empres�rio.
Gabriel sempre admirou Alex Atala. Quando entrou para o curso de cozinheiro, aos 18 anos, o chef passou a ser sua refer�ncia gastron�mica. Assim que apareceu a oportunidade de abrir um novo restaurante, o mineiro pensou em fazer em BH o que o paulista faz em S�o Paulo: servir comida do Brasil, de forma ampla e irrestrita.
No Omil�a, ele j� faz um trabalho de valorizar ingredientes e produtores locais, s� que numa escala menor. Seu olhar se concentra em terras mineiras. Agora n�o, ele vai garimpar e buscar preciosidades em todos os cantos do pa�s.
“O que me motiva � colocar em evid�ncia os verdadeiros artistas da gastronomia, que muitas vezes ficam escondidos porque n�o est�o nos grandes centros, e contar a hist�ria deles. � algo maior do que s� vender comida.”
O que eles querem com isso? Despertar um sentimento de pertencimento e orgulho da nossa p�tria. Mostrar que existem riquezas logo ao lado, de pessoas, produtores e sabores.

Para dar valor ao que � nosso, o chef segue dois caminhos. “Transformamos ingredientes brasileiros por meio da gastronomia contempor�nea, mas tamb�m resgatamos pratos t�picos que est�o espalhadas pelo Brasil”, destaca.
Especialidade do Par�, o pato no tucupi � um prato ensopado servido normalmente em “paneladas” para toda a fam�lia. Gabriel faz diferente: apresenta a receita em formato de snack, para ser comido com as m�os.
Preparada com a t�cnica mineira de “pinga e frita”, a carne � desfiada, umedecida com caldo de tucupi, temperada com jambu desidratado e servida por cima de um suflado de sagu.
Sagu � um derivado da mandioca muito consumido no Rio Grande do Sul, de onde vem a conhecida sobremesa sagu de vinho. Mas, pelo menos neste primeiro card�pio, n�o espere encontr�-lo em receitas doces.
Vers�o crocante
O chef subverte seu uso tanto na base do pato no tucupi quanto na salada de polvo com mix de folhas, batatas e redu��o de cerveja de caj� (fruta t�pica do Nordeste). Nas duas receitas, as bolinhas unidas e fritas entregam croc�ncia.

A lasanha de costela e pinh�o � outro exemplo de como o restaurante extrapola o tradicionalismo. Gabriel utiliza a carne caracter�stica do churrasco ga�cho como recheio e transforma o pinh�o em uma farofa crocante. O queijo mineiro do Serro entra na hora de gratinar.
Detalhe: este n�o � um prato principal. Fugindo de todas as conven��es, a lasanha � uma sugest�o de entrada individual.
Como se v�, os pratos unem refer�ncias e ingredientes de v�rias partes do Brasil. E essa � a inten��o do chef quando mostra um trabalho autoral. Partindo da receita de p�o de queijo de Paracatu, considerada patrim�nio da cidade, ele criou algo bem diferente.
“Misturamos carne de lata na massa. Ela fica quase impercept�vel, mas d� um sabor essencial.” Os palitos de p�o de queijo com carne de lata ainda s�o servidos com geleias amaz�nicas, entre elas cupua�u, tapereb� e caj�.
O peixe de �gua doce tambaqui, muito comum nos rios do Norte, ganha a companhia do molho de acerola, arroz caldoso de cebola “queimada” e batatas com pimenta-de-cheiro.

J� o cupim assado em baixa temperatura se mistura a sabores e ingredientes que remetem ao churrasco de fogo de ch�o do Pantanal (da� o nome cupim do Pantanal): batata doce roxa assada na brasa e farofa de banana-da-terra.
O prato batizado de Vegetariano do Sert�o une Minas e o Nordeste ao combinar fava rajada do Vale do Jequitinhonha com gr�o-de-bico, quinoa e queijo coalho tostado. Entre as sobremesas, destaque para o curau de milho verde brul�e com cumaru e puxuri, especiarias que carregam sabores bem brasileiros. Uma lembra baunilha, enquanto a outra se parece com noz-moscada.
Ter um restaurante brasileiro n�o � tarefa f�cil, principalmente pela dificuldade de encontrar ingredientes regionais. Gabriel criou o primeiro card�pio com o que conseguiu comprar em S�o Paulo, mas j� est� se organizando para negociar diretamente com os produtores.
“O nosso objetivo � alcan�ar insumos escondidos por a�. Todo dia chega alguma informa��o e estamos s� come�ando”, avisa o chef, que embarcou com a equipe em um processo cont�nuo de pesquisa e desenvolvimento de receitas.
Por hora, eles est�o quebrando a cabe�a para descobrir o que fazer com a castanha de baba�u (Maranh�o) e a conserva de vit�ria-r�gia (Amaz�nia).
Turista em BH
Al�m de inovar no uso de ingredientes tradicionais, o chef Gabriel Trillo resgata receitas t�picas de todo o Brasil. Parte do card�pio, chamada de “tradi��es brasileiras”, re�ne pratos que servem duas pessoas. � para se sentir turista em BH. “Uma das caracter�sticas dos restaurantes brasileiros, principalmente em cidades tur�sticas, � servir pratos para compartilhar”, justifica.

D� um pulo no Norte com o “pirarucu de casaca”, cl�ssico para paraenses e amazonenses. O peixe passa por um processo de salga, tipo o bacalhau, e se junta � farinha de mandioca Uarini (cidade do Amazonas) hidratada, conhecida como “caviar amaz�nico”, devido ao seu formato. Ambos s�o cobertos por rodelas de banana-da-terra, que remetem visualmente a escamas de peixe.
Continue o passeio dando uma volta pelo Centro-Oeste com o empad�o goiano. A torta que � s�mbolo do Goi�s tem recheio de frango desfiado, lingui�a artesanal, ovo, milho verde guariroba, palmito nativo da regi�o, como se come por l�.
Quando � para reproduzir pratos t�picos, o chef segue as receitas “ao p� da letra”, para que o p�blico viva a experi�ncia mais original poss�vel.
Para quem gosta de praia, um prato, em espec�fico, representa brilhantemente o litoral brasileiro. A brisa do mar chega quando o coco verde surge enfeitado com camar�es. L� dentro n�o tem �gua, n�o. A fruta serve como recipiente para uma receita de camar�o ao leite de coco e tomate. Ainda tem a moqueca de camar�o com legumes ensopados, pir�o de peixe e farofa.

Minas est� muito bem representada entre as “tradi��es brasileiras”. Como mineiro e belo-horizontino, Gabriel n�o deixou de fora o frango caipira ensopado com quiabo e angu de milho fresco.
O restaurante reverencia a cultura do Brasil n�o s� com a comida. A arte popular est� inserida na decora��o. Dois grandes vasos de barro de Concei��o das Alagoas (MG) recepcionam os clientes ainda do lado de fora da casa.
L� dentro, n�o tem como n�o notar o painel de Nila do Cerrado, de Florestal (MG), que exibe todo o colorido do bioma que a artista carrega no nome. Os sousplats que est�o na mesa coletiva s�o de mulheres de Ituber� (BA) que fazem artesanato com pia�ava.
A curadoria das pe�as � de Daphne Carvalho, respons�vel pela administra��o da casa. Os s�cios planejam dar visibilidade a outras manifesta��es art�sticas, como m�sica e literatura.
Pato desfiado com tucupi e jambu sobre suflado de mandioca
Ingredientes
250g de sagu; 1 pato inteiro; 10 flores de jambu desidratadas; 1 litro de tucupi concentrado; cebola, alho, cenoura, pimenta-do-reino, sal, pimenta-de-cheiro, broto de coentro e salsa a gosto
Modo de fazer
Em uma panela, coloque o sagu coberto com o dobro de �gua para cozinhar. Em fogo m�dio, mexa sempre, at� que o sagu cozinhe por completo e fique transl�cido como uma goma. Em seguida, espalhe-o em um silpat ou tapete de silicone e desidrate em forno durante 10 horas a 70 graus. Corte-o em quadrados de aproximadamente 5cm e frite em �leo novo. Reserve. Cozinhe o pato no m�todo “pinga e frita”, utilizando os temperos (capriche na cebola e alho). Toda vez que dourar o fundo da panela, deglace com um pouco de �gua para soltar o caramelizado. N�o � necess�rio gordura, pois o pato libera sua pr�pria gordura nesse processo. Quando o pato estiver soltando do osso, desfie, retire os ossos e cartilagens. Acrescente o tucupi e o jambu, mexendo at� secar novamente. Deglace com um pouco de �gua, at� que o sabor incorpore por completo. Monte o pato sobre o suflado de mandioca. Decore com brotos de coentro ou salsa e, se desejar, alguns legumes laminados.