Queijo canastra corre risco de extin��o; entenda o motivo
Os queijos da Serra da Canastra podem desaparecer em fun��o do �xodo rural e da falta de legisla��o espec�fica para a produ��o artesanal
Os queijos da Serra da Canastra est�o listados no cat�logo mundial Arca do Gosto, idealizado pelo movimento Slow Food (foto: Victor Schwaner/Divulga��o)
Com sabor levemente picante, denso e com um pouco de acidez, o queijo da Serra da Canastra � uma marca registrada do estado de Minas Gerais, mas que pode acabar em breve. Pelo menos � o que indica a organiza��o sem fins lucrativos Slow Food, que colocou a iguaria mineira no projeto Arca do Gosto, iniciativa que ajuda a evitar que ingredientes e receitas se extingam.
A justificativa para o risco de desaparecimento do queijo canastra tem rela��o com a quebra na cadeia de transmiss�o do modo de fazer a del�cia. Isso porque muitos filhos de produtores rurais que atuam na produ��o n�o querem dar continuidade ao trabalho, preferindo ir para a cidade e aprender outras profiss�es.
Diariamente, o professor do Instituto de Ci�ncias Agr�rias da Universidade Federal de Minas Gerais (ICA - UFMG) e doutor em ci�ncia e tecnologia de alimentos Maximiliano Soares Pinto encontra alunos, filhos de produtores rurais, que veem no estudo uma forma de tirar os pais do campo.
“Eles deveriam pensar em estudar para investir no neg�cio do pai no campo. Porque hoje a valoriza��o desses produtos artesanais tem mostrado um caminho inverso”, aponta.
O especialista conta que, h� 20 anos, Minas Gerais tinha apenas quatro regi�es reconhecidas como produtoras de queijo minas artesanal. Agora passam de 20.
Produtor de Delfin�polis, Humberto de Oliveira tem duas filhas que, por ora, n�o pensam em seguir a tradi��o (foto: Acervo pessoal/Reprodu��o)
“� um neg�cio que est� em risco de extin��o, mas que tamb�m est� muito longe ainda de ter conseguido chegar ao �pice de produ��o, porque ele vem crescendo muito nas regi�es. Com a valoriza��o do queijo minas artesanal, a gente consegue ver produtores com renda o suficiente para fazer com que os filhos continuem esse neg�cio”, pontua.
Outro motivo que levaria � extin��o do queijo canastra � que, como o processo � feito artesanalmente e com leite cru, h� uma dificuldade em seguir a legisla��o sanit�ria para a produ��o de latic�nios, uma vez que as normas foram criadas para grandes ind�strias. As regras ainda equiparam pequenos e grandes produtores quanto ao pagamento de tributos, identifica��o e cuidado com os animais.
A falta de legisla��o pr�pria acaba levando a produ��o do queijo canastra para a informalidade, n�o permitindo, assim, a rastreabilidade do alimento e podendo levar riscos � seguran�a alimentar.
Maximiliano explica que a legisla��o atual � muito rigorosa e que existe um debate sobre o quanto essas normas poderiam ser aplicadas ao pequeno produtor para garantir um equil�brio. Ele destaca que qualquer queijo feito com leite cru apresenta certo risco e, por isso, a legisla��o federal estabelece que um queijo tem que ficar pelo menos 60 dias maturando para matar os microrganismos patog�nicos.
“Deve ser feito um estudo cient�fico de tempo de vida de prateleira para saber com quanto tempo esse queijo pode ser comercializado. A� entra o debate, porque existem estudos inconclusivos e outros divergentes. De um lado fica o produtor, que depende da produ��o, e do outro lado as autoridades, que t�m a vis�o do risco para a popula��o quando se fala em risco de contamina��o”, explica o professor.
Para reverter o quadro, Maximiliano aponta dois caminhos: o primeiro � o da valoriza��o do produto pelo pr�prio mercado brasileiro, com repasse maior do valor do queijo para o produtor; j� o segundo diz respeito � cria��o de pol�ticas p�blicas voltadas especificamente para o morador da �rea rural.
“� um caminho l�gico: a gente n�o quer que o queijo desapare�a, ent�o temos que ter boa vontade pol�tica. Isso � importante porque gera muito emprego, muita renda e muitos dividendos para o governo”, argumenta.
Legisla��o � importante
O produtor de queijo canastra Humberto Gontijo de Oliveira, de 59 anos, atua h� 20 no ramo. Ele comanda a queijaria Queijo Vale da Bateia, de Delfin�polis, no Sul de Minas, e produz uma m�dia de 30 pe�as por dia. Para ele, a legisla��o tem um lado importante. “Tem que ter essa lei, porque o povo faz queijo falsificado e diz que � canastra. Ou o cara que n�o quer respeitar a vigil�ncia sanit�ria. Isso a� � b�sico”, defende.
Por outro lado, Humberto entende que parte da legisla��o � muito espec�fica, como a proibi��o das “lanterninhas” (aberturas no teto) no espa�o de matura��o. E esses pontos acabam atrapalhando. “Eu n�o sou contra a legisla��o no geral, mas os caras que est�o atr�s da mesa em Bras�lia nunca fizeram um queijo, nunca pisaram numa bosta de vaca”, diz, com certa indigna��o.
Humberto � pai de duas filhas, que foram para a cidade, formaram-se em medicina e, pelo menos � primeira vista, n�o v�o seguir o trabalho do pai. Apesar de desejar que a produ��o continue, ele diz n�o se importar caso a tradi��o n�o siga na fam�lia. “N�o vou me aposentar. Enquanto for vivo, vou viver de queijo. Se eu der baixa, elas � que v�o resolver, eu n�o vou estar aqui para ver. Gostaria de manter a tradi��o, mas elas podem ser o que quiserem”, argumenta.
Para o produtor, as novas gera��es realmente n�o seguem a tradi��o. “J� esteve pior, mas deu uma melhorada. Hoje tem muita gente nova fazendo veterin�ria e assumindo o neg�cio do queijo”, conta, ressaltando que os casos ainda s�o poucos. Humberto acredita que o queijo canastra n�o corre risco de extin��o, mas que � preciso investir em um queijo bom.
Novas gera��es
Na contram�o do esperado, Filipe Samir T�rres Campos, de 34 anos, assumiu a produ��o da fazenda da fam�lia na queijaria Queijo da Santa, em Bambu�, Regi�o Centro-Oeste do estado. O neg�cio j� passou por tr�s gera��es: come�ou com os av�s, continuou com um tio e agora � ele quem comanda. Mas, agora, com um diferencial: produz queijo canastra.
Filipe chegou a deixar a fazenda para estudar, mas, depois de se formar em medicina veterin�ria, resolveu tocar o neg�cio da fam�lia. “Desde pequeno, vivi aqui na fazenda e sempre gostei da atividade leiteira, sempre quis trabalhar com isso. Mas n�o imaginava trabalhar com queijo. Quando descobrimos que Bambu� � um dos munic�pios que produz queijo canastra, vimos uma oportunidade de sair da m�o das empresas que compram leite”, conta o fazendeiro.
O produtor reconhece que as novas gera��es est�o mais distantes da produ��o do queijo, mas n�o por falta de interesse. “Muitos n�o t�m propriedade rural para iniciar na atividade. E os investimentos s�o muito caros”, justifica. Os gastos a que ele se refere s�o os referentes �queles necess�rios para se adaptar � legisla��o sanit�ria atual, que pode pesar no bolso do produtor.
“Hoje em dia, n�s temos muitos protocolos sanit�rios (nos animais e na produ��o do queijo) que auxiliam na diminui��o do riscos sanit�rios para o consumo humano. Essas normas sanit�rias demandam alguns investimentos e eu acho que esse custo pode aumentar o risco de extin��o. Mas, com a valoriza��o do nosso queijo, conseguimos recursos para esses investimentos”, pontua.
O que � Arca do Gosto
Idealizada pelo movimento Slow Food, a Arca do Gosto � um cat�logo mundial que identifica, localiza, descreve e divulga alimentos especiais amea�ados de extin��o. Desde o in�cio da iniciativa, em 1996, 5979 produtos de dezenas de pa�ses foram listados. os crit�rios s�o: qualidades gastron�micas especiais, liga��o com a �rea geogr�fica local, produ��o artesanal e com �nfase na sustentabilidade, e o risco de extin��o.