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Estado de Minas DIVERSIDADE

A decis�o sobre quilombolas de 2018 que pode definir futuro de ind�genas

STF decidiu em 2018 que conceito n�o se aplicava � cria��o de territ�rios quilombolas; nesta quarta, corte retoma julgamento sobre aplica��o da tese � demarca��o de terras ind�genas.


01/09/2021 05:59 - atualizado 01/09/2021 12:24


Indígenas protestam em Brasília contra o governo Jair Bolsonaro e propostas legislativas que consideram nocivas, como o PL 490
Ind�genas protestam em Bras�lia contra o governo Jair Bolsonaro e propostas legislativas que consideram nocivas, como o PL 490 (foto: Reuters)

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (1/8) um julgamento que influenciar� o futuro das demarca��es de terras ind�genas no Brasil.

, de Santa Catarina, a corte avaliar� a validade do conceito do chamado "marco temporal".

A decis�o ter� repercuss�es para v�rios outros povos que pleiteiam a demarca��o de territ�rios.

Em 2018, ao analisar o processo de cria��o de territ�rios quilombolas, o STF rejeitou a aplica��o dessa tese, decis�o que pode influenciar o julgamento atual (leia mais abaixo).

O governo Jair Bolsonaro e seus aliados ruralistas defendem que o conceito do marco temporal seja validado pela corte, medida que dificultaria novas demarca��es.

Segundo defensores dessa posi��o, s� podem reivindicar a demarca��o de terras ind�genas as comunidades que as ocupavam na data da promulga��o da Constitui��o: 5 de outubro de 1988.

A tese vem sendo adotada formalmente pelo governo federal desde a gest�o Michel Temer.

Na pr�tica, a postura paralisou novas demarca��es, j� que grande parte dos processos pendentes trata de casos em que as comunidades dizem ter sido expulsas dos territ�rios antes de 1988.


Criança xokleng em acampamento na floresta, em 1963
Crian�a xokleng em acampamento na floresta, em 1963 (foto: Acervo SCS)

Cerca de 6 mil ind�genas est�o acampados em Bras�lia h� semanas em protesto para que o Supremo rejeite a tese.

A validade do conceito ser� abordada em um julgamento sobre uma reivindica��o territorial do povo ind�gena xokleng, de Santa Catarina.

A corte vai avaliar se a Terra Ind�gena Ibirama La-Kl�n� — habitada pelos xokleng e por outros dois povos, os kaingang e os guarani — deve incorporar ou n�o �reas pleiteadas pelo governo de Santa Catarina e pelos ocupantes de propriedades rurais.

A �rea em disputa se tornou formalmente parte da terra ind�gena em 2003, mas est� parcialmente ocupada por planta��es de fumo.

O governo de Santa Catarina diz que essa terra era p�blica e foi vendida a propriet�rios rurais no fim do s�culo 19 — a �rea n�o estava, portanto, ocupada por ind�genas em 1988.

J� ind�genas afirmam que aquele territ�rio era usado pela comunidade para a ca�a, pesca e coleta de frutos, mas que d�cadas de persegui��es e matan�as for�aram o grupo a deixar a �rea.

Os xokleng foram um dos povos mais impactados pela a��o de bugreiros — mil�cias contratadas at� a d�cada de 1930 para expulsar ind�genas de territ�rios entregues a imigrantes europeus na regi�o Sul.


Jovens xokleng durante apresentação na Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ
Jovens xokleng durante apresenta��o na Terra Ind�gena Ibirama La-Kl�n� (foto: Prefeitura de Ibirama)

O caso ganhou import�ncia porque o STF determinou que a decis�o sobre os xokleng ter� repercuss�o geral.

Ou seja, se reconhecer que a demanda do grupo � leg�tima, haver� margem para que outras comunidades reivindiquem territ�rios dos quais dizem ter sido expulsas antes de 1988.

O julgamento j� foi adiado e interrompido repetidas vezes — e � poss�vel que volte a ser postergado mais uma vez.

Isso acontecer� se algum ministro pedir vista do processo, solicitando mais tempo para analisar o tema. Nesse caso, n�o haveria prazo para a retomada do julgamento.

Ind�genas acampados em Bras�lia pressionam para que o caso seja julgado antes que a C�mara dos Deputados vote o Projeto de Lei 490, que est� em fase final de tramita��o.

Entre outros pontos, o projeto estabelece 1988 como marco temporal para a demarca��o de terras ind�genas.

Se o STF invalidar a tese do marco temporal no julgamento, por�m, � prov�vel que a C�mara tenha de alterar ou descartar o projeto.


Mapa da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ após a ampliação de 2003
Mapa da Terra Ind�gena Ibirama La-Kl�n� ap�s a amplia��o de 2003 (foto: ISA)

Afinal, as decis�es da corte se d�o no n�vel da Constitui��o, que est� acima de qualquer projeto de lei.

J� ruralistas pressionam para que o STF postergue o julgamento para depois da decis�o da C�mara sobre o PL 490.

Eles esperam que, assim, o projeto seja aprovado na C�mara e que a decis�o dos deputados estimule a corte a validar o marco temporal.

Outra possibilidade, caso o STF rejeite o princ�pio do marco temporal, seria enviar ao Congresso uma Proposta de Emenda � Constitui��o (PEC) — mas a aprova��o dessa medida seria mais dif�cil, por exigir mais votos do que um Projeto de Lei.

Em 11 de junho, o relator do processo sobre os xokleng no STF, ministro Edson Fachin, votou contra a tese do "marco temporal", mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Desde ent�o, o julgamento foi remarcado outras duas vezes, mas jamais conclu�do.

Como surgiu o conceito de 'marco temporal'?

O conceito de "marco temporal" entrou no vocabul�rio ruralista em 2009. Na �poca, o ent�o ministro do STF Ayres Britto prop�s a ado��o da tese ao julgar um caso sobre a demarca��o da Terra Ind�gena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

A proposta de Ayres Britto buscava tra�ar uma linha temporal que restringisse as possibilidades de demarca��es.

Um conceito semelhante, por�m, j� vigorava no decreto presidencial 3.912, de 2001, que regulamentava a cria��o de territ�rios quilombolas.

Segundo o decreto, s� poderiam ser reconhecidas como quilombos as terras ocupadas pelas comunidades em 5 de outubro de 1988 — data de promulga��o da Constitui��o.


Posto do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) dedicado aos Xokleng no fim dos anos 1920
Posto do Servi�o de Prote��o ao �ndio (SPI) dedicado aos Xokleng no fim dos anos 1920 (foto: Acervo SCS)

O decreto, por�m, foi revogado por outro decreto presidencial (na gest�o do presidente Lula) publicado dois anos depois, de n�mero 4.887.

O novo documento extinguiu a exig�ncia de que as comunidades estivessem no local reivindicado em 1988.

Em 2018, o STF foi chamado a decidir se esse novo decreto cumpria as exig�ncias constitucionais, provocado por uma A��o Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo ent�o PFL, atual DEM.

O caso teve como relator o ent�o ministro aposentado Cezar Peluzo, que votou pela inconstitucionalidade do decreto.

Durante o julgamento, o ministro Dias Toffoli adotou uma posi��o intermedi�ria: ele votou pela constitucionalidade do decreto, mas prop�s a ado��o de um marco temporal para o reconhecimento de quilombos.

Segundo Toffoli, a falta de um marco temporal dificultava a demarca��o dos territ�rios e provocava inseguran�a jur�dica.

"N�o � ampliando, numa interpreta��o extensiva, sem limite temporal futuro, que se vai efetivar esse relevante direito (das comunidades quilombolas ao territ�rio)", disse Toffoli.

"Pelo contr�rio, talvez tenha sido exatamente essa tentativa de se ampliar em demasia seu alcance que tenha retardado e tornado mais complexa a demarca��o e a titula��o definitiva dessas terras", prosseguiu.

O ministro Gilmar Mendes concordou com Toffoli e tamb�m defendeu a ado��o de um marco temporal.

Mas a posi��o dos dois em prol do marco temporal foi rejeitada pelos oito ministros restantes, que tamb�m decidiram pela validade do decreto presidencial que regulamentava as demarca��es.

Em 2020, a ministra Rosa Weber julgou embargos de declara��o (pedidos de esclarecimento) sobre o julgamento feitos por ONGs aliadas dos quilombolas.

Weber ficou encarregada da an�lise por ter sido a primeira ministra a divergir do voto do relator, inaugurando a posi��o que acabou vencedora no julgamento.

Com os embargos, as organiza��es pediam que o STF rejeitasse explicitamente a validade da tese do marco temporal.

Elas argumentavam que, embora a tese tivesse sido derrotada no julgamento, o ponto acabou exclu�do da ementa, a s�ntese da decis�o.

O objetivo das organiza��es era fazer com que a corte rejeitasse formalmente a tese do marco temporal — o que poderia consolidar um entendimento para julgamentos futuros ("criar jurisprud�ncia", no linguajar jur�dico).

Mas Rosa Weber avaliou que as organiza��es n�o poderiam ter feito os embargos de declara��o, porque esse tipo de recurso n�o se aplica a A��es Diretas de Inconstitucionalidade — caso do julgamento sobre os quilombos


Mulheres e crianças xokleng capturadas por bugreiros e entregues a freiras em Blumenau; duas mulheres e duas crianças conseguiram fugir, voltando à floresta.
Mulheres e crian�as xokleng capturadas por bugreiros e entregues a freiras em Blumenau; duas mulheres e duas crian�as conseguiram fugir, voltando � floresta. (foto: Acervo SCS)

Ainda assim, Weber afirmou que no julgamento a corte "rejeitou a incid�ncia da tese do marco temporal � possibilidade de reconhecimento da tradicionalidade das terras, aptas a configurar a propriedade coletiva das �reas pelos remanescentes de comunidades quilombolas".

A decis�o da corte no julgamento sobre os quilombolas sinaliza uma mudan�a da postura do STF em rela��o ao tema.

Em 2014, a Segunda Turma da corte rejeitou tr�s demandas territoriais ind�genas com base no marco temporal.

Quatro anos depois, por�m, a tese foi derrotada no julgamento sobre os quilombolas.

E, em abril deste ano, a corte acolheu uma a��o rescis�ria sobre um dos casos de 2014, abrindo o caminho para a anula��o da decis�o.

A mudan�a ocorre em um momento em que a quest�o ind�gena figura como um dos principais pontos de atrito entre o STF e o governo Jair Bolsonaro.

Em decis�es recentes, a corte determinou que o governo elaborasse planos para combater a covid-19 entre as comunidades e expulsar invasores dos territ�rios.

Na semana passada, Bolsonaro indicou que poder� n�o respeitar uma decis�o do STF contra o marco temporal.

"Se aprovado (o cancelamento do marco temporal), tenho duas op��es, n�o vou dizer agora, mas j� est� decidida qual � essa op��o, � aquela que interessa ao povo brasileiro, aquela que estar� ao lado da nossa Constitui��o", afirmou.

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