
Nzambi Brito ganhou notoriedade nas redes sociais pelo trabalho de apresenta��o de m�sicas na L�ngua Brasileira de Sinais (Libras).“Apesar de a Libras ser minha primeira l�ngua, isso n�o ficava em evid�ncia. Fui crescendo e n�o via isso como algo legal, e n�o era por n�o gostar da l�ngua, mas sim porque n�o gostava de como as pessoas olhavam para isso”, conta a artista preta da Zona Sul de S�o Paulo que viralizou nas redes sociais interpretando m�sicas como “Homenagem aos Rel�quias”, produzida pelo DJ Matt-D.
Mesmo ainda n�o tendo forma��o profissional em Libras, a jovem de 20 anos do bairro de Parelheiros conhece bem a l�ngua, j� que aprendeu a se comunicar com ela bem antes de come�ar a falar portugu�s. Seus pais s�o surdos e, quando pequena, Nzambi se expressava por meio dessa l�ngua de modalidade gestual-visual, que agrega express�es corporais e faciais, o que levou algumas pessoas a acreditarem que ela tamb�m possu�a algum grau de defici�ncia auditiva.
“Por um tempo, minha fam�lia achou que eu n�o fosse falar”, conta ela, que mora pr�ximo a parentes que s�o ouvintes. “Assim que perceberam que isso poderia acontecer, meu pai come�ou a me levar bastante para a casa da minha av�. Minha tia, que mora junto, at� hoje vive falando que foi ela quem me ensinou a falar”, completa.
Capacitismo e ouvintismo
Um dos v�deos mais recentes em que Nzambi atua como int�rprete � de um show das g�meas Tasha e Tracie cantando a m�sica “Pisando Fofo”, de Gloria Groove, como parte do repert�rio de um baile da DJ Sophia. Nele, as tr�s mulheres compartilham o palco e o zoom � dado �s irm�s, mas Nzambi n�o passou despercebida.
“Gente, � uma int�rprete de LIBRAS no palco?”, questiona uma internauta. “Se isso � comum ou n�o, eu n�o sei, mas � a primeira vez que estou vendo e eu amei” completa ela.
GENTE E UMA INT�RPRETE DE LIBRAS NO PALCO? Caralho se isso � comum ou n�o eu n�o sei mas primeira vez que t� vendo e eu amei https://t.co/sYef90E87S
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Apesar da repercuss�o positiva do v�deo, alguns coment�rios a respeito da apresenta��o carregaram capacitismo - preconceito com pessoas que possuam algum tipo de defici�ncia - e ouvintismo - preconceito com pessoas surdas.
“Vi que v�rias pessoas tiveram argumentos n�o muito legais, questionando o que uma pessoa surda faria num evento como esse ou se, de fato, teve gente surda l�”, comenta Nzambi. “Isso n�o faz sentido, porque a Libras � feita para todos, e independe se voc� � surdo ou n�o. Diz respeito a todo mundo, � uma defici�ncia e qualquer um pode ter”, completa ela.
Os preconceitos relacionados � surdez ainda s�o pouco discutidos. Apesar de a L�ngua Brasileira de Sinais ser reconhecida como uma das l�nguas oficiais do pa�s em 2002 pela Lei de n° 10.436 e regulada pelo Decreto n° 5.626/2005, o ensino nas escolas ainda � muito prec�rio e s�o poucas as pessoas que sabem se comunicar a partir dela, o que � um grande obst�culos para pessoas surdas falantes de Libras, principalmente no cotidiano.
“N�o s�o pessoas incapazes de fazer as coisas delas, mas como se trata de uma defici�ncia, � preciso que elas tenham acessibilidade para que haja autonomia”, explica Nzambi. “Todo mundo fica subestimando essas pessoas e eu tento trazer [a minha performance] da melhor forma para inclu�-las e faz�-las com que se sintam em lugares que elas podem estar. Pensando nos ouvintes, � uma forma de instig�-los a aprender mais”, completa a artista.
Ascens�o dos marginalizados
Nzambi j� trabalhou como int�rprete de diversos ritmos, desde o samba at� o sertanejo, mas come�ou a ganhar relev�ncia a partir de m�sicas de rap e de funk, g�neros que sofrem com repress�o por estarem relacionados � periferia. � assim que, hoje, atuando em casas de cultura, em eventos culturais e dando aulas particulares, ela faz um trabalho duplo ao integrar dois elementos constantemente desamparados: surdez e ritmos marginalizados.
“Existem pessoas da favela que s�o surdas. Aqui tem um monte de pessoas surdas faveladas que v�o pro funk, v�o para v�rios lugares e t�m cultura. N�o sabemos como chega para eles, mas eles tamb�m sentem [os ritmos]”, fala a artista. “Fazer e interpretar funk e rap � uma coisa que eu gosto muito porque eles est�o muito presentes na minha comunidade”, acrescenta.
A int�rprete, que � cantora e j� tem um single lan�ado e dispon�vel no Spotify, tamb�m fala sobre sua rela��o pol�tica com esses ritmos associados � favela e negados pela sociedade enquanto n�o convenientes para os privil�gios de quem j� det�m poder.
“Eu n�o gostava de funk porque n�o compreendia e minha m�e falava que era feio. Hoje, gosto de mostrar para meus pais o que eu gosto e qual a vis�o do funk consciente. Assim, conseguem sentir, sacar as palavras e entender o que a galera da quebrada tem feito pelo mundo”, diz Nzambi. “Tamb�m � algo muito pol�tico e, mesmo sem forma��o acad�mica, eu entendo sobre isso”, completa.
Ela tamb�m comenta sobre a luta interrompida em 2018, quando Jair Bolsonaro (PL) tomou posse da presid�ncia no Brasil. “Ele usufruiu dessa l�ngua e dessa [forma de] acessibilidade para manipular pessoas. Falo isso porque � o que eu vivi em rela��o aos meus pais e aos amigos deles, pessoas com informa��o, que acreditaram que ele daria um jeito no pa�s”, relata Nzambi. “Quando vi isso acontecer, passei a trabalhar mais ainda com a m�sica. Ele acabou se aproveitando dessa l�ngua para fazer a coisa errada”, acrescenta.
Hoje, a artista trabalha com um movimento de inclus�o e de conscientiza��o, consolidando uma imagem mais positiva para a surdez e para ritmos marginalizados. “A LIBRAS tamb�m passa emo��o. � uma performance. Por ser algo que eu j� fa�o no cotidiano, eu escuto e automaticamente j� vou criando”, fala Nzambi. “Comecei por mim mesma, e agora vejo as pessoas se sentindo inclusas”, conclui.
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*Estagi�ria sob a supervis�o de M�rcia Maria Cruz