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Estado de Minas Cotidiano

Religi�es afro s�o maior alvo de intoler�ncia apesar de suposta cristofobia

Estudo lan�ado do Dia de Combate � Intoler�ncia Religiosa sugere aparelhamento de canal de den�ncias nos anos Bolsonaro


20/01/2023 17:23 - atualizado 20/01/2023 18:01

Juliana é uma mulher branca. Ela usa um lenço/turbante branco na cabeça e veste uma camiseta e uma saia longa brancos. Ela posa sentada no chão encarando a câmera com uma expressão séria.
Juliana Arcanjo Ferreira, 34, que perdeu a guarda da filha ap�s inici�-la no candombl� (foto: Jardiel Carvalho/Folhapress)
 

S�O PAULO, SP (FOLHAPRESS) - N�o era um lugar agrad�vel de se estar, mas ano ap�s ano adeptos de cren�as afrobrasileiras permaneciam inabal�veis como as principais v�timas de intoler�ncia religiosa no Brasil. N�o mais. Dados do Disque 100, servi�o do governo federal para receber casos de viola��es contra os direitos humanos, mostram que, desde 2020, a maioria das den�ncias passou a vir de crist�os.

 

N�o, o Brasil n�o virou um celeiro de cristofobia. Sim, as religi�es de matriz africana, como umbanda e candombl�, ainda s�o os alvos preferenciais de discrimina��o por conta de f� -em boa parte vinda de evang�licos. O que aconteceu, segundo especialistas em estudos religiosos, tem outro nome: distor��o de dados.

 

O governo Jair Bolsonaro confeccionou uma narrativa de persegui��o que ajudou a inflar o n�mero de denunciantes crist�os no canal oficial, afirmam os estudiosos.

 

Com lan�amento marcado para este s�bado (21), n�o por acaso o Dia Nacional de Combate � Intoler�ncia Religiosa, um levantamento do Iser (Instituto de Estudos da Religi�o) com o data_labe revela que crist�os agora aparecem na frente como alvos de intoler�ncia. Entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2022, os que procuraram o Disque 100 eram 46% cat�licos, 30% evang�licos, 3% esp�ritas e 2% afrorreligiosos. Uma parcela de 12% n�o especificou uma religi�o, e o resto se dividiu entre outras f�s.

 

No Relat�rio sobre Intoler�ncia e Viol�ncia Religiosa no Brasil, feito pela Assessoria de Direitos Humanos e Diversidade Religiosa com dados de 2011 a 2015, a por��o crist� (8% de cat�licos e 16% de evang�licos) era inferior � de quem informou ter uma religi�o afrobrasileira (27%). Uma em cada tr�s pessoas n�o quis identificar uma cren�a. O estudo n�o foi repetido nos anos seguintes.

 

Estat�sticas do mesmo Disque 100 contabilizam, em 2018, 506 den�ncias de discrimina��o religiosa, entre as quais 30% vinham de religi�es de matriz africana, enquanto o bloco crist�o somava 13%. Metade do grupo preferiu omitir a filia��o religiosa.

 

O ano precede a chegada de Bolsonaro � Presid�ncia. Quando discursou na Assembleia-Geral da ONU de 2020, o ent�o presidente fez um apelo pelo "combate � cristofobia". A avers�o a crentes em Jesus Cristo � real em v�rios pa�ses e provoca at� assassinatos, mas residual no Brasil, onde 8 em cada 10 pessoas s�o crist�s.

 

Damares Alves, sua ministra da Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos, cimentou essa vers�o em diversos momentos, como ao postar, em 2020, a foto de uma igreja incendiada durante protestos no Chile. A pastora questionou se "ainda existem d�vidas sobre a cristofobia" e pregou: "Somos o povo que prega o amor, o respeito e a paz".

 

Amor, respeito e paz inexistiram nos atentados em s�rie sofridos por terreiros nos �ltimos anos, de autoria quase sempre evang�lica. A viol�ncia � praticada por uma minoria do segmento, mas a demoniza��o de cren�as afro � popular em igrejas, o que colabora para um clima de desconfian�a generalizada com a minoria religiosa.

 

Para se ter uma ideia, de acordo com o censo de 2010, 0,3% da popula��o se identificava como praticante de umbanda ou candombl�. E mesmo assim eles sempre correspondiam � maior fatia das v�timas dos intolerantes.

 

Para a antrop�loga L�via Reis, pesquisadora do Iser, Bolsonaro deu legitimidade estatal � falsa trama de que crist�os brasileiros s�o acossados pelo que creem. "Para comprovar esse ponto, fez-se necess�rio que o governo estimulasse o uso de canais de den�ncia entre pessoas crist�s, de modo que as estat�sticas corroborassem essa narrativa."

 

A alta de crist�os acionando o Disque 100 tamb�m est�, segundo Reis, "intimamente ligada � forma negacionista como o governo federal encarou a pandemia de Covid-19, desencorajando medidas sanit�rias de preven��o � doen�a, entre elas o fechamento das igrejas". Ordens para suspender cultos foram tomadas como um ataque � liberdade religiosa.

 

"Houve manipula��o do Disque 100, isso � �bvio", afirma o babala� Ivanir dos Santos, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

 

A m� qualidade dos dados � outro problema, afirma Reis. "� uma lacuna que precisa ser sanada com urg�ncia. As delegacias estaduais nas quais as den�ncias s�o feitas muitas vezes n�o sistematizam dados b�sicos como a religi�o da v�tima, por exemplo."

 

Em alguns casos, as den�ncias de intoler�ncia s�o tipificadas como racismo. No caso de cren�as afrobrasileiras, n�o deixam de ser, diz a antrop�loga. "Mas ao mesmo tempo isso ajuda a invisibilizar o dado."

 

S�o altas as expectativas sobre o novo governo, e aqui a compara��o com o anterior ajuda. Para Reis, a nomea��o de pessoas negras, especialmente as afrorreligiosas, na chefia de minist�rios "j� � um aceno importante de que esse debate n�o apenas ser� retomado, como ser� retomado de forma s�ria no �mbito federal". A posse de Anielle Franco na pasta da Igualdade Racial e de Sonia Guajajara na dos Povos Ind�genas, por exemplo, teve sauda��o a Xang�, o orix� da Justi�a.

 

Para Ivanir dos Santos, a troca de um presidente que proclamava frases como "o Estado � laico, mas eu sou crist�o", ou "a minoria vai se curvar � maioria", j� � um passo de elefante. "Agora temos ministros com sensibilidade e compromisso com essa causa."

 

O primeiro sinal veio ap�s o presidente Lula sancionar, semana passada, uma legisla��o que endurece penas para crimes de intoler�ncia religiosa. Condenados por eles ter�o a pena ampliada: antes era de 1 a 3 anos, agora, de 2 a 5 anos. A mudan�a faz parte de uma recauchutagem na Lei de Crime Racial, de 1989, e fala em "racismo religioso".

 

Ivanir dos Santos s� pede zelo com o cumprimento das leis que criminalizam o preconceito por motivos de f�. Do que elas adiantam se h� falhas l� na ponta? "Tem problema no treinamento dos operadores de direito. Se na delegacia o policial n�o registra como intoler�ncia, n�o vira processo."

 

O caso de Juliana Arcanjo Ferreira, 34, virou, mas pela raz�o avessa. O Minist�rio P�blico de S�o Paulo a acusou de les�o corporal e viol�ncia dom�stica ap�s m�e e filha participarem de um ritual de inicia��o no candombl�.

 

Elas passaram 21 dias juntas, no chamado quarto de santo, territ�rio sagrado para a cren�a. O c�modo tinha banheiro, e elas faziam tr�s refei��es fixas por dia: �s 4h, um mingau, e �s 12h e �s 18h, arroz, feij�o e carne, diz Juliana. Nos intervalos, p�ozinho, biscoitos e ch�.

 

Tamb�m integravam a liturgia pequenos cortes na pele das duas, vistos como cura no preceito candomblecista.

 

A maior parte do tempo elas passaram no quarto, com exce��es di�rias para banho. "E a m�e de santo a liberou duas vezes pra ver desenho", conta a m�e.

 

O pai da menina, que segundo Juliana � evang�lico, tentou enquadr�-la em c�rcere privado, maus-tratos e viol�ncia dom�stica. A Justi�a j� absolveu Juliana duas vezes, e mesmo assim ela n�o conseguiu reaver a guarda da filha, retirada dela em janeiro de 2021. O pai ainda recorre da decis�o. Procurada, a Promotoria n�o respondeu.

 

A reportagem tamb�m tentou falar com representantes da gest�o Bolsonaro, como a senadora eleita Damares (Republicanos-DF). Tamb�m n�o obteve resposta.

 

O Dia do Combate � Intoler�ncia Religiosa homenageia m�e Gilda de Ogum, ialorix� de um terreiro na Bahia alvejada pela Igreja Universal. O jornal da institui��o neopentecostal publicou uma foto sua no texto "Macumbeiros charlat�es lesam o bolso e a vida dos clientes".

 

A sa�de de m�e Gilda andava fr�gil ap�s as agress�es e at� uma invas�o de seu terreiro que se seguiram � publica��o. Ela infartou aos 65 anos e morreu no dia 21 de janeiro de 2000.

 

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