
O novo presidente do time da segunda divis�o do futebol catarinense Caravaggio Futebol Clube, Mois�s Spilere, tem chamado a aten��o nas redes sociais por ser o primeiro presidente assumidamente gay de um time de futebol brasileiro. Ele j� vinha assumindo cargos do alto escal�o do time h� algum tempo e foi eleito por unanimidade em Nova Veneza (SC) no final de janeiro, assumindo o clube at� 2024.
“Estou muito feliz, pois � um sonho que se realiza. Venho atuando na diretoria do clube h� alguns anos e sabemos como � bom estar � frente de uma institui��o que amamos e que represente o nosso povo”, disse Mois�s em suas redes sociais. “Trabalhamos para o crescimento de um clube, que apesar de tradicional, h� pouco se tornou profissional, com ajuda de muitas pessoas, em especial das meninas que fazem parte da dire��o em cargos estrat�gicos. Estamos na luta no dia a dia do futebol para tentar mudar alguma coisa, estando presentes e ocupando espa�os”, completou.
Em entrevista ao EM, Spilere afirmou que sua elei��o tamb�m � uma conquista para a comunidade LGBTQIA+, mas que enquanto o processo corria, n�o chegou a parar para pensar na import�ncia de se eleger, e que a repercuss�o do caso foi org�nica.
“Na verdade, em todo o processo [de elei��es], nem pensamos nisso [primeiro presidente assumidamente gay de um clube profissional brasileiro]. Nunca tinha parado para pensar sobre isso, mas com certeza � uma conquista para a comunidade LGBTQIA . A representatividade � muito importante, ainda mais em um ambiente machista e homof�bico [como � o futebol]”, contou ele.
“N�o foi um assunto levantado por mim, at� porque n�o tenho tanta participa��o no ativismo da causa LGBT. Participo de eventos e falo quando posso, mas por conta das responsabilidades do clube, acabo n�o sendo t�o ativo. Ent�o, foi org�nico, o que tamb�m � positivo, porque a gente sabe que parte da comunidade n�o iria gostar se partisse de mim. Achariam que seria for�a��o de barra”, completou.
Mois�s � de uma fam�lia tradicional de Nova Veneza, � formado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e tem p�s-gradua��o em Gest�o Empresarial pela Funda��o Get�lio Vargas (FGV). Dentro do clube, tem hist�rico e guarda inspira��es: quando crian�a, atuou nas escolinhas do time. Seu av� materno, Loride Spilere, foi um dos fundadores do Caravaggio F.C. e seu tio, Vanderlei Spilere tamb�m j� presidiu o clube.
Para al�m da comunidade LGBTQIA+, o clube tamb�m se esfor�a para a inclus�o feminina. “Somos um clube pequeno de cidade de interior e somos bem ligados � comunidade, que participa ativamente em voluntariados. Temos uma torcida participativa e heterog�nea, e nossa diretoria � 40% feminina. Acho importante esse tipo de envolvimento para quebrar o paradigma de que o futebol � feito por homens e para homens”, explicou Spilere ao EM.
Durante sua gest�o como vice-presidente, Spilere conta que foi surpreendido pela comiss�o diretora do clube no M�s do Orgulho em 2022. Para uma partida importante do Caravaggio contra o Crici�ma, as tradicionais bandeiras de escanteio do est�dio foram trocadas por outras com as cores do arco-�ris. “Elas aproveitaram para fazer essa homenagem e foi uma surpresa para mim e para a comunidade”, conta.
Spilere tamb�m falou sobre a import�ncia da visibilidade e repercuss�o do caso, e espera que o futuro abrigue cen�rios mais acolhedores. “Representatividade � muito importante, e a gente pode ver como j� temos mais mulheres hoje em dia ocupando cargos importantes. E isso tamb�m � uma necessidade da comunidade LGBTQIA . Por exemplo, eu sou o primeiro presidente de clube brasileiro assumidamente gay, mas ainda � dif�cil imaginar uma pessoa trans ocupando esse cargo em 2023. Ent�o espero que com a repercuss�o que estamos tendo, o cen�rio seja diferente no futuro”, encerrou ele.
Homofobia no futebol
Antes de Mois�s Spillere ser eleito presidente do Caravaggio F.C., o ex-goleiro Emerson Ferretti j� havia presidido o Esporte Clube Ypiranga entre 2010 e 2017. Apesar de j� ter se entendido como homem gay enquanto ainda jogava – encerrou sua carreira em 2007 –, s� se assumiu publicamente em agosto de 2022, quase 15 anos depois de se aposentar dos campos.
A decis�o de se assumir no podcast “Nos Arm�rios dos Vesti�rios”, da Globoplay, foi resultado de um processo de duas d�cadas em que o atleta trabalhou a autoaceita��o com acompanhamento psicol�gico. Segundo Ferretti, a revela��o foi motivada pela necessidade de deixar um legado fora de campo e iniciar um debate mais aberto sobre o tema, que ainda � tabu no futebol masculino. “At� porque n�o sou o �nico gay no futebol”, afirmou ele.
Apesar do progressismo pelo qual o mundo passa, o futebol masculino ainda � muito resistente � presen�a de jogadores e profissionais do esporte LGBTQIA . Dos 831 atletas convocados para a Copa do Mundo no Catar, por exemplo, n�o h� nenhum assumidamente gay.
De acordo com a psic�loga do esporte Annie Kopanakis, no ambiente do futebol, os tabus relacionados � sexualidade influenciam a sa�de mental dos jogadores. “Muitos lidam com dificuldades e cerceamento das suas orienta��es sexuais”. Para evitarem rea��es como as recebidas pelo ex-jogador do S�o Paulo F.C. Richarlyson, que s� depois de aposentado declarou ser bissexual, mas sofreu com preconceito das torcidas ao longo de sua carreira, jogadores evitam se pronunciar quando se entendem como membros da comunidade LGBTQIA .
“Assim como no caso do Richarlyson, alguns atletas falaram depois de se aposentar”, aponta o jornalista Jo�o Abel, autor do livro “Bicha! – Homofobia estrutural no futebol” (Primeiro Lugar, 2019). “Os jogadores t�m medo de uma restri��o que prejudique a carreira deles. Por isso, evitam expor suas vidas privadas para que n�o atrapalhem a vida p�blica e profissional.”
De acordo com Abel, o receio � justificado. O jornalista d� como exemplo o jogador ingl�s Justin Fashanu, que foi o primeiro a se assumir gay na hist�ria do futebol, em 1990. Depois de se assumir, passou a sofrer com preconceitos de outros atletas dentro do vesti�rio e viu sua carreira afundar a partir dali.
Algum tempo depois, tentou voltar � forma na liga americana e n�o conseguiu, al�m de receber uma acusa��o de agress�o sexual. Pouco tempo ap�s isso, acabou se suicidando. “Me dei conta de que eu havia sido condenado. N�o quero mais ser uma vergonha para meus amigos e minha fam�lia”, escreveu numa carta encontrada ap�s sua morte.
Abel refor�a que, embora outros casos estejam aparecendo no mundo, eles raramente ocorrem nos eixos de maior visibilidade do esporte. Apesar de terem ganhado destaque no futebol h� pouco tempo – a primeira Copa do Mundo feminina aconteceu apenas em 1991, quase 60 anos depois da estreia do campeonato feminino –, as jogadoras j� passaram na frente dos atletas homens quando se fala de diversidade e inclus�o devido � menor visibilidade na compara��o com a modalidade masculina.
“As atletas sentem mais seguran�a para falar sobre o assunto, assim como um jogador de v�lei ou basquete, por mais que tamb�m sejam esportes muito assistidos”, declara. Mas o jornalista tamb�m considera movimentos como esse essenciais para a mudan�a. “� importante porque acaba reverberando em outras modalidades”, completa ele.
Copa do mundo
Em novembro de 2022, pouco antes do in�cio da Copa do Mundo no Catar, o diretor de rela��es com a imprensa da Fifa, Bryan Swanson, se declarou gay e disse que a entidade em que trabalha � inclusiva e se preocupa com as pessoas de todas as orienta��es sexuais.
A declara��o veio ap�s uma s�rie de manifesta��es contra a escolha do Catar – pa�s extremamente conservador que considera a homossexualidade ilegal – para sediar o maior evento de futebol do mundo. Gianni Infantino, presidente da Fifa, fez um longo pronunciamento defendendo a escolha do pa�s, e Swanson falou logo em seguida.
“Estou aqui sentado como um homem gay. S� porque o Infantino n�o � gay, n�o significa que ele n�o liga para isso. Ele liga. Voc�s enxergam a parte que vai ao p�blico, eu enxergo a parte privada. N�s falamos disso muitas vezes por aqui. A Fifa se preocupa de maneira muito forte com todas as pessoas de todas as orienta��es sexuais. Tenho muitos colegas gays por aqui tamb�m”, afirmou o diretor de rela��es com a imprensa.
Infantino refor�ou o seu discurso de que todas as pessoas seriam bem-vindas para acompanhar a Copa, apesar de reconhecer que h� legisla��es que tentam coibir o afeto homossexual no pa�s.
Swanson tamb�m defendeu o Qatar e disse que se sente � vontade no pa�s. “Li muitas cr�ticas da comunidade LGBT sobre a Copa do Qatar. Mas quero dizer aqui, em p�blico, que como um homem gay, me sinto � vontade”, afirmou ele.
No Catar, a “atividade homossexual” pode ser punida com pris�o ou at� apedrejamento. Em novembro, o ex-jogador da sele��o e embaixador do Qatar na Copa do Mundo, Khalid Salman, definiu a homossexualidade como “dano mental”. Capit�es de sele��es como Inglaterra e Alemanha, no entanto, usaram bra�adeiras de arco-�ris durante os jogos, num protesto a favor dos direitos da popula��o LGBTQIA e contra o tratamento pol�mico do tema no evento.
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