
A conclus�o da investiga��o da Justi�a espanhola sobre o caso de Daniel Alves, 39, preso desde 20 de janeiro sob acusa��o de ter estuprado uma mulher em uma boate em Barcelona, ainda � incerta. Mas a pris�o preventiva do atleta, sem direito a fian�a, voltou a suscitar o debate sobre atos de viol�ncia contra mulheres praticados por jogadores de futebol famosos.
O baiano, que nega o estupro, n�o � o primeiro expoente do esporte investigado por um suposto crime dessa natureza. Em janeiro de 2022, Robinho foi condenado na �ltima inst�ncia da Justi�a italiana por estupro coletivo em 2013.
O atacante, que defendia o Milan h� dez anos, tamb�m nega ter cometido o crime. Como a Constitui��o brasileira impede a extradi��o de seus cidad�os, o ex-jogador do Santos continua em liberdade, sem cumprir a pena de nove anos de pris�o.
Em junho de 2016, o atacante Jobson, que ganhou proje��o nacional com a camisa do Botafogo, foi preso por estupro de vulner�vel e divulga��o de pornografia infantil. Em setembro daquele ano, ganhou o direito de ficar em liberdade ap�s o pagamento de fian�a.
Ele voltou a ser preso duas vezes depois disso, por outros crimes, como envolver-se em um acidente de tr�nsito que provocou a morte de um homem e n�o cumprir medidas cautelares. Como seu julgamento pela acusa��o de estupro ainda n�o foi realizado, ele deixou a pris�o em abril de 2018. Aguardando o desfecho do caso, voltou ao futebol e j� vestiu a camisa de 11 clubes.
Para pesquisadores ouvidos pela reportagem, o futebol n�o � apenas um pano de fundo nesses casos. Eles s�o, sobretudo, reflexos da sociedade, mas a pr�pria cultura da modalidade ajuda a explicar atos de viol�ncia cometidos por jogadores.
"O futebol nasceu masculino, foi olimpizado masculino, depois ele se retira dos Jogos Ol�mpicos para ser uma inst�ncia masculina com a Copa do Mundo, em 1930", contextualiza Katia Rubio, docente associada da Escola de Educa��o F�sica e Esporte da USP (Universidade de S�o Paulo).
Ela lembra que as mulheres demoraram d�cadas para se estabelecer no esporte, o que, segundo ela, s� se deu a partir da d�cada de 1980. "Toda participa��o feminina, n�o s� no futebol mas em todos os esportes, n�o foi concedida, foi conquistada com base na luta."
Como reflexo, o futebol se transformou em "um espa�o marcado por um binarismo muito hierarquizado entre homens e mulheres", afirma Gustavo Andrada Bandeira, doutor em educa��o e autor de estudos sobre masculinidade e esporte. "H� um entendimento de que homens valem mais do que mulheres."
A desigualdade � vista, por exemplo, nos sal�rios dos atletas, mesmo quando se comparam jogadores de elite, como Neymar e Marta. Em 2019, a revista francesa France Football divulgou um ranking dos cinco atletas mais bem pagos do futebol entre homens e mulheres na temporada 2018.
De acordo com a lista, Neymar recebeu R$ 396 milh�es em sal�rios (s� atr�s de Messi, R$ 563 milh�es, e Cristiano Ronaldo, R$ 489 milh�es), enquanto Marta levou R$ 1,47 milh�o. A brasileira foi a quinta do ranking feminino, liderado pela francesa Ada Hegerberg, com R$ 1,73 milh�o.
Para Bandeira, o valor atribu�do a homens e mulheres no futebol acentua comportamentos machistas e d� aos homens a impress�o de que est�o acima das mulheres.
"Alguns jogadores de futebol celebridades n�o reconhecem que uma mulher possa n�o ter interesse de estar ou em praticar sexo com ele. H� um equivocado entendimento de que existe sempre um sim t�cito", diz.
Para Roberta Negrini, vice-presidente de diversidade e inclus�o do Sport Club do Recife, h� lacunas na forma��o dos jovens. Segundo ela, muitos n�o possuem "base educacional, familiar e psicoemocional e, por isso, n�o est�o preparados para lidar com o empoderamento financeiro" que o esporte proporciona.
Ela ressalta que a quest�o n�o � exclusiva do esporte, mas reconhece que essa � uma pauta emergente entre os clubes. "� na base que vamos contribuir para o tema."
Via de regra, de acordo com Gustavo Bandeira, a forma��o dos atletas de alto rendimento se d� em espa�os muito exclusivos, em "bolhas", nas quais os aspectos valorizados s�o, geralmente, a virilidade e a imposi��o f�sica.
Al�m disso, a figura masculina � predominante entre os profissionais da �rea. Mesmo as mulheres que est�o presentes nesse meio s�o frequentemente tratadas como objeto sexual, com r�tulos como "torcedora musa" e "atleta beldade".
A luta contra esses estigmas e pela igualdade de g�nero sempre fez parte da rotina de Silvana Gomes da Silva Trevisan, assistente social do Sindicato de Atletas Profissionais de S�o Paulo e tamb�m do Esporte Clube S�o Bernardo. Segundo ela, nessas institui��es, seu conhecimento t�cnico � reconhecido, algo que nem sempre foi assim em sua vida.
"Eles conhecem meu perfil e me apoiam, mas, 20 anos atr�s, eu ouvia: 'Quem voc� pensa que �?'. 'Daqui a pouco est� escalando o time', diziam."
O psic�logo do esporte Eduardo Cillo, doutor em psicologia pela USP (Universidade de S�o Paulo), afirma que o comportamento descrito por Silvana � comum em homens de todas as �reas. "Como artistas, pol�ticos e pessoas que, de forma geral, acabam acumulando poder."
- Opini�o do EM: Li��es do caso Daniel Alves
Para eles, "� como se fosse permitido mais do que para pessoas que n�o possuem poder", acrescenta Cillo, que tamb�m � coordenador de psicologia esportiva do COB (Comit� Ol�mpico do Brasil).
Mesmo com o aumento da presen�a de mulheres em todos os �mbitos, inclusive no futebol, o machismo prevalece, diz a psic�loga Aritana Azevedo. "A causa da viol�ncia contra a mulher n�o est� no futebol, mas na constru��o social que incentiva e banaliza a viol�ncia", afirma.
A busca por uma solu��o, na vis�o de alguns dirigentes, passa justamente por um trabalho estrutural amplo na sociedade.
"O trabalho tem que ser geral. Tem que ser nas escolas, tem que ser nas fam�lias, a fam�lia � um n�cleo central, e tamb�m pode ser nos clubes. Os clubes tamb�m podem atuar com seus atletas em forma��o com uma forma��o mais humana", afirma Marcelo Paz, presidente do Fortaleza.
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