
S�O PAULO, SP (FOLHAPRESS) - H� dez anos, M�rio C�sar come�ou a ouvir falar em "reorienta��o sexual", um tratamento conhecido pelo jarg�o "cura gay". O assunto estava em pauta devido �s frustradas tentativas de alguns legisladores brasileiros de regularizar a pr�tica.
C�sar leu reportagens e depoimentos de pessoas que tinham passado por esse tratamento, desacreditado pela ci�ncia e proibido no pa�s, apesar de ainda ser praticado. "Fiquei horrorizado", diz o artista, que decidiu transformar sua ojeriza na hist�ria em quadrinhos "Bendita Cura".
O livro, publicado de modo independente em tr�s volumes a partir de 2018, virou uma esp�cie de s�mbolo dos gibis nacionais LGBTQIA+.
Venceu o Trof�u HQ Mix e foi finalista do pr�mio Jabuti. Esse trabalho foi por fim consagrado este m�s com a publica��o de uma edi��o definitiva pela Conrad, com capa dura.
O lan�amento foi na Poc Con, a feira de quadrinhos LGBTQIA+ que o pr�prio C�sar criou em 2019 com o colega Rafael Bastos Reis, da s�rie "Pornolhices". Gratuita, a edi��o deste ano aconteceu no fim de semana da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de S�o Paulo.
Os dois eventos -o lan�amento e a feira- d�o conta de um bom momento nas HQs brasileiras, com a abertura de novos nichos e a reivindica��o de mais espa�o por artistas de fora das bolhas. S�o tamb�m sinal da consolida��o das tem�ticas LGBTQIA+.
Era bem diferente quando C�sar come�ou a trabalhar, quando era um dos �nicos artistas nacionais a discutir abertamente sua sexualidade.
"Bendita Cura" s� saiu por meio de financiamento coletivo e, no caso do �ltimo volume, com o apoio do Proac, o Programa de A��o Cultural do Governo do Estado de S�o Paulo.
O gibi conta a hist�ria de um jovem gay, v�tima de pais repressores que querem reverter sua orienta��o sexual. O leitor acompanha sua tortura, que C�sar n�o se furta em mostrar. O rapaz for�a o v�mito depois de se masturbar pensando em homens, por exemplo. Leva uma surra da m�e por ter comportamentos ditos femininos demais.
"Eu queria mostrar a verdade na cara e n�o me segurei", diz. "Quando li os relatos, me deparei com muitos casos de suic�dio, coisas muito pesadas. N�o tinha como ser leve."
Dito isso, "Bendita Cura" n�o se perde na pornografia da viol�ncia. H� uma marcante generosidade no texto de C�sar, que permite momentos de ternura ao seu personagem. "N�o queria que fosse mais uma hist�ria de um gay que morre no final", diz. "Queria uma mensagem de esperan�a, de que as coisas v�o melhorar."
Essa escolha, afirma, vem de sua pr�pria experi�ncia, crescendo nos anos 1990 cercado de narrativas que pareciam indicar que homossexuais n�o podem nunca ter um final feliz. "Era o gay de quem riam, o que morria de Aids, o que era espancado."
C�sar desenhou no l�pis, finalizou com nanquim e coloriu no computador, onde p�s tamb�m as letras. O ac�mulo de fun��es explica o tempo prolongado desde a conceptualiza��o em 2013 at� a publica��o dos primeiros cap�tulos online, em 2017.
As cores s�o o ponto forte de seu projeto est�tico. C�sar alterna entre o azul e o rosa, como provoca��o a quem diz que o primeiro pertence aos meninos, e o segundo, �s meninas.
Assim, C�sar rebate a acusa��o feita por setores conservadores de que a popula��o LGBTQIA+ quer impor uma ideologia de g�nero no restante da sociedade. "� o machismo que � uma ideologia de g�nero", diz. Assim como a ideia de que um menino tem que jogar futebol, e uma menina, fazer bal�, afirma. O final feliz de seu personagem, nesse sentido, � por fim aceitar que ele pode fazer o que bem entender.
C�sar conta que ele e Bastos tiveram a ideia de reunir artistas LGBTQIA+ na Poc Con porque sentiam que eles raras vezes eram convidados para as outras feiras, onde n�o tinham destaque nem participavam de debates. "Quisemos juntar nossas for�as e nossos p�blicos."
A primeira edi��o, em 2019, "deu muito mais certo do que o imaginado", ele conta. Tinham espa�o para 50 mesas. No primeiro dia de inscri��es, bateram a meta. No final do per�odo, tinham 345 interessados. "Onde estava esse povo todo?", questiona. Na edi��o deste ano, houve 130 artistas, entre expositores e convidados.
C�sar credita o sucesso do evento a um sentimento compartilhado tanto por artistas quanto pelo p�blico LGBTQIA+, de que o meio dos quadrinhos ainda sofre de bastante homofobia e misoginia no Brasil. HQs, afinal, entram na lista de "coisas de menino".
BENDITA CURA
Pre�o R$ 119,90 (336 p�gs.)
Autoria M�rio C�sar
Editora Conrad
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