L�sbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo e assexuais e mais, ou LGBTQIA+, uma sigla que re�ne muitas especificidades e acima de tudo, o reconhecimento e orgulho de ser como se �. Neste dia 28 de junho, dia do Orgulho LGBTQIA , a Ag�ncia Brasil conversou com psic�logos sobre o que � ter orgulho e como isso faz parte n�o apenas da constru��o e quem se �, mas de uma sociedade mais saud�vel e mais tolerante.
Segundo a professora de psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), pesquisadora e ativista Jaqueline Gomes de Jesus, o orgulho est� relacionado a sa�de mental individual e coletiva. “Esse orgulho � fundamentalmente necess�rio para a garantia da sa�de mental, para o bem estar mais individual e tamb�m um bem estar coletivo para uma condi��o de se reconhecer como sujeito poss�vel naquele lugar, sujeito poss�vel na sua riqueza de desejos e formas de se sentir de estar no mundo para viver livremente”.
Na publica��o virtual Orienta��es sobre identidade de g�nero: conceitos e termos, Jaqueline define orgulho como: “Ant�nimo de vergonha. Conceito desenvolvido pelo movimento social LGBT para propagar a ideia de que a forma de ser de cada pessoa � uma d�diva que a aproxima de comunidades com caracter�sticas semelhantes �s suas, e deve ser afirmada como diferen�a que n�o se altera, n�o deveria ser reprimida nem recriminada”.
“Eu explico o orgulho como o contr�rio da vergonha e, sendo o contr�rio da vergonha, significa reconhecer-se como se � e valorizar essa forma de ser em toda a sua complexidade, nas suas diferentes dimens�es, apesar de muita gente da nossa cultura dizer que essa forma de ser de identidade e de desejo n�o s�o valorizadas”, complementa Jaqueline. “Se as pessoas n�o conseguem expressar livremente sua identidade de g�nero, por serem pessoas trans, por exemplo, ou n�o conseguem vivenciar sua orienta��o sexual sendo homossexuais ou bissexuais, como podermos superar a sa�de mental da popula��o LGBTQIA ?”.
Pesquisa realizada pelo Datafolha em 2022 mostra que oito em cada dez jovens brasileiros, de 15 a 29 anos, tiveram problemas relacionados a sa�de mental. Os problemas incluem pensamentos negativos, dificuldade de concentra��o, crise de ansiedade, transtornos alimentares, pensamentos suicidas e ter ferido o pr�prio corpo. Entre os jovens que se identificam como LGBTQIA esses problemas s�o ainda mais comuns, relatados por nove a cada dez, ou 92% desse grupo.
O psic�logo, empres�rio e influencer Lucas de Vito, defende que muitos desses problemas est�o relacionados a ser impedido de ser quem se �. “� falar quem a gente � e viver a vida de acordo com nossos desejos, respeitando todo mundo e a todos. Por isso que impacta bastante nossa sa�de mental porque quando a gente n�o consegue viver esse orgulho significa que a gente est� anulando nossa exist�ncia e vivendo uma vida que n�o � nossa”, diz.
Outra defini��o de orgulho pode ser encontrada no dicion�rio Michaelis: Sentimento de prazer ou satisfa��o que uma pessoa sente em rela��o a algo que ela pr�pria ou algu�m a ela relacionado realiza bem”. Mas o que � realizar algo bem? Para os entrevistados, na nossa sociedade existe um entendimento de um padr�o que � considerado satisfat�rio. Um padr�o que muitas vezes exclui a diversidade.
“O orgulho quanto a orgulho de ser LGBTQIA � a gente conseguir ir contra a mar� de retrocesso que existe no nosso pa�s. Contra um sistema que quer ver a gente sem direito, que n�o quer ver a gente se expor, que diz que a gente pode existir entre quatro paredes, que a gente pode existir sem existir, no caso”, diz Devito.
Uma quest�o coletiva
Entender que n�o se est� s� pode ser um passo importante na afirma��o da pr�pria identidade. No ano passado, pela primeira vez, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) coletou os dados de pessoas homossexuais e bissexuais do Brasil. O instituto registrou 3 milh�es de pessoas e admitiu que o n�mero pode ser maior.
Para o professor da Universidade Federal do Rio e Janeiro (UFRJ) e presidente do Conselho Federal de Psicologia, Pedro Paulo Bicalho, � preciso rever os atuais padr�es sociais, que muitas vezes excluem a diversidade, em prol de um sociedade que seja para todos. “Existe uma constru��o de um padr�o do que se orgulha e � necess�rio desconstruir esses padr�es, inclusive por dentro da comunidade LGBTIQI , � necess�rio que a comunidade olhe para esses padr�es como algo historicamente constru�do e o que � historicamente constru�do pode tamb�m desconstru�do historicamente”, diz que acrescenta: “� muito importante que se entenda que os padr�es s� s�o constru�dos atrav�s das rela��es de poder e essas rela��es de poder podem ser reconfiguradas e podemos construir outros padr�es, aqueles padr�es que s�o produzidos de fora para dentro podem ser repensados e recolocados a partir de outro lugar”.
Quando a sociedade n�o � capaz de acolher, o autoconhecimento e o fortalecimento atrav�s de uma comunidade LGBTQIA tornam-se alternativa. “O Brasil � campe�o no assassinato de pessoas LGBTQIA , em especial a popula��o de travestis e transexuais, portanto, chegar ao orgulho apesar de tanta viol�ncia, n�o � um percurso f�cil, � um percurso em que � necess�rio descriminalizar subjetivamente aquilo que historicamente se diz”, explica, Bicalho. “O orgulho � orgulho tamb�m de se entender n�o mais como doente, n�o mais como desviantes, portanto, o percurso que leva as pessoas at� o orgulho � o percurso do empoderamento, � o percurso de, apesar das viol�ncias, ter orgulho de ser quem se �”.
O coletivo tamb�m tem for�a, aponta o professor. O pr�prio dia do Orgulho nasce em uma a��o coletiva. Em 28 de junho de 1969, frequentadores do bar Stonewall Inn, bar LGBTQIA , em Greenwich Village, em Nova Iorque, nos Estados Unidos reagiram pela primeira vez conta a constante trucul�ncia policial. O acontecimento virou um marco de defesa de direitos civis para essa popula��o.
“� a primeira vez que as pessoas se revoltam e d�o um basta para a viol�ncia policial. Ent�o, a origem hist�rica � o orgulho por ter se rebelado, � o orgulho por n�o ter mantido as repress�es costumeiras e, assim, a comunidade olha para essa data com orgulho de ter um dia conseguido reagir e come�ar um novo processo hist�rico onde a luta se torna tamb�m a luta por garantia de direitos civis”, diz Bicalho.
A seguran�a e a sa�de mental da popula��o LGBTQIA , segundo os especialistas entrevistados, passa tamb�m pelo reconhecimento da sobreposi��o de identidades sociais que muitas vezes leva a mais discrimina��o.
De acordo com a psic�loga cl�nica da Coordena��o de Testagem R�pida e Sa�de Mental do Grupo Arco-Iris, Marcelle Esteves, todas essas identidades formam os indiv�duos. “Todas essas intersec��es s�o fatores que v�o incidir sobre esse indiv�duo se olhar, se perceber com orgulho, com dignidade, com for�a de a��o na sociedade sobretudo. Se eu tenho uma mulher, l�sbica, preta, gorda e de favela, olha quantas barreiras ela precisa enfrentar diariamente para provar, por exemplo as suas qualidades. Ent�o, esse caminho � mais tortuoso, porque ela � recha�ada enquanto mulher, recha�ada porque ela � gorda, recha�ada porque � l�sbica”, diz.
“Existe uma quest�o, quando n�s falamos de interseccionalidade e quando n�s somos pessoas que vivenciamos diferentes discrimina��es. Para n�s, as viol�ncias que sofremos e os obst�culos s�o muito maiores. H� um n�vel, n�o s� de uma soma, mas um n�vel de multiplica��o desses fatores que n�s n�o temos muito controle de at� que ponto eles nos afetam ou nos prejudicam, mas sabemos desse preju�zo e que � muito maior”, complementa Jaqueline.
Segundo ambas, a constru��o do orgulho passa pelo conhecimento individual, mas tamb�m pelo n�cleo familiar, pelos amigos e pelas redes de apoio. Em termos de pol�ticas p�blicas, passa por setores como sa�de e educa��o. Todos esses atores s�o importantes para garantir que os indiv�duos possam viver plenamente em nossa sociedade.
A imprensa e as redes sociais tamb�m t�m papel relevante. “A m�dia tem papel fundamental. A gente precisa falar de m�dia como um todo. A gente tem v�rias possibilidades e v�rias m�dias, n�o s� as predominantes, mas tem as redes sociais, temos jornais, as r�dios de bairro, que podem, cada vez mais, trazer debates, falar sobre esse processo de constitui��o do ser, do aceitar-se, do perceber-se quem �, do se olhar e se achar bonita, bonito, bonite”, ressalta Marcelle.