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Estado de Minas INSPIRA��O

O sargento da PMMG que ultrapassou barreiras e luta pelas causas LGBTQIAP+

Demer Gabriel � um homem preto, gay, casado, e ocupou diversos cargos na Pol�cia Militar; ao longo da vida sofreu com discrimina��es e, hoje, � ativista


12/07/2023 15:46 - atualizado 12/07/2023 16:37
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Demer é um homem preto de cabelos cacheados e curtos. Ele usa uma camisa com as cores do arco-íris e sorri para o alto. Ao fundo, uma árvore cheia de folhas verdes
Demer j� viveu com receios e medos por ser um homem gay, mas hoje vive com orgulho (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)

“Quando eu me assumi para a minha fam�lia, tive muito medo. Medo de ser gay, medo de ir para o inferno, medo de ser alvo de agress�es”, conta o sargento da Pol�cia Militar de Minas Gerais (PMMG) Demer Gabriel, de 48 anos. Natural de Itaquera, Zona Leste de S�o Paulo (SP), mudou-se com a fam�lia ainda crian�a para a capital mineira, onde cresceu e foi se descobrindo ao longo da vida. Hoje, � exemplo e inspira��o para jovens que, assim como ele, s�o LGBTQIAP+ e ocupam ambientes considerados hostis para a comunidade.

O garoto preto, gay e de fam�lia pobre conta ter passado por muitas dificuldades para chegar onde est�. Passou fome na inf�ncia e na adolesc�ncia; catou e vendeu fezes de equinos como adubo na horta comunit�ria do bairro onde morava; vendeu doces na porta de escolas; foi ajudante em um sacol�o onde recebia alimentos como pagamento; trabalhou como office boy e ajudante em uma empresa de limpeza; foi vendedor de quadros de paredes; e antes de entrar para a PMMG, ajudava sua tia a fazer salgados e a vend�-los em com�rcios na regi�o da Pampulha.

Primog�nito entre outros sete irm�os, foi criado em uma fam�lia evang�lica e, durante muito tempo, atuou como l�der de jovens e cantou em uma dupla gospel com sua irm� Jander na igreja Assembleia de Deus, no bairro Serra Verde, na regi�o de Venda Nova. “Eu fui o primeiro filho; o primeiro sobrinho; o primeiro neto; e o primeiro a se assumir, ent�o a carga foi pesada. A gente vai abrindo os caminhos para os ca�ulas”, explica Demer.

'Minha fam�lia s� n�o queria que eu fosse gay'

O sargento, que tamb�m � psic�logo de forma��o, explica que tem uma rela��o boa com a sua fam�lia, apesar da resist�ncia inicial logo ap�s ter se assumido – e que entende os poss�veis motivos para tal, j� que tamb�m sofreu sozinho at� entender o que realmente sentia.

“A briga religiosa interna foi muito grande. V�rias vezes eu chegava a orar, jejuava, repetia para mim mesmo que eu n�o sabia o que queria”, conta ele. “Quando me assumi, eu n�o era apenas o ‘Demer gay’, mas o ‘Demer que cantava na igreja’; o ‘Demer fam�lia’. Ent�o, para eles [fam�lia] foi um choque, por mais que eu ache que alguns j� at� soubessem ou desconfiassem [de que eu fosse gay]”, conta ele.

Ele tamb�m comenta que a religi�o chegou a falar um pouco mais alto que o afeto em alguns momentos, como quando uma tia lamentou o fato de ele ser gay: “O que Deus te fez para voc� fazer isso com Ele?”, teria perguntado em uma ocasi�o.

As din�micas e nuances de sua sexualidade tamb�m incomodaram e intrigaram familiares: a m�e j� dizia que “tudo bem ser gay”, mas que n�o era para ser afeminado; enquanto o av� chegou a perguntar se o namorado de Demer usava calcinha ou se ele era mulher.

“Minha fam�lia n�o tinha raiva de mim, n�o era contra a minha pessoa. Eles s� n�o queriam que eu fosse gay, e talvez n�o queriam que eu sofresse. Eu entendo e respeito eles. Hoje, minha fam�lia aceita melhor [o fato de eu ser gay], mas alguns ainda acreditam que eu vou para o inferno por isso”, conta ele. “Mas enquanto eu estiver na Terra, prefiro viver feliz e depois eu que me vire com a minha alma”, brinca.

O sargento tamb�m refor�a que sua sexualidade n�o deve ser encarada como algo ex�tico ou monstruoso, j� que sua rotina n�o se difere tanto das de outras pessoas.

“Minha vida, minha casa, s�o como quaisquer outras. No casamento gay, as pessoas acham que a vida � fora do comum; tem gente que acha que nossa casa deve ser uma boate ou coisa do tipo. Mas tem sala, cozinha, quarto, cama de casal, sof�, fog�o, geladeira, como qualquer outra casa”, explica.

Descoberta da homossexualidade

Quando Demer se assumiu gay para a fam�lia, ele tinha 25 anos e sentia medo. Foi pouco depois de ter entrado para a Pol�cia Militar de Minas Gerais – aos 18. “Foi dif�cil, eu era jovem, e por mais que j� tivesse muita gente [assumida, da comunidade LGBTQIAP+] na �poca, n�o tinha lei que protegesse essas pessoas”, relata.

O sargento diz nunca ter sido alvo de um ataque homof�bico agressivo, mas que ser foco de piadas foi, e continua sendo, uma constante em sua vida – o que n�o deixa de ser violento. “N�o foi dif�cil como � para as pessoas que apanham ou coisa do tipo, mas sempre tiveram piadinhas e as pessoas falaram na minha cabe�a sobre religi�o por algum tempo”, conta ele.

Na PMMG, Demer nem chegou a se assumir. Seus colegas de trabalho ficaram sabendo sobre sua orienta��o sexual por um acaso, que o sargento ainda n�o sabe definir se foi azar ou sorte: em um dia das suas f�rias, enquanto discutia com seu namorado da �poca, uma viatura passava por perto e resolveu interferir, mas quem recebeu a ocorr�ncia no COPOM (Central de Opera��es da PM) foi sua pr�pria equipe. Quando voltou das f�rias, percebeu um burburinho e algumas piadas.
 
Demer é um homem preto de cabelos cacheados e curtos. Ele usa uma camisa com as cores do arco-íris e segura com a mão um dos lados de uma porta de correr
Demer relembra que j� foi alvo de muitas piadas por conta de sua orienta��o sexual (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)
 
 
“Pouqu�ssimas pessoas sabiam, algumas desconfiavam, mas quase ningu�m tinha certeza. Ent�o, chegou um momento em que todo mundo j� sabia e a minha equipe chegou a conhecer alguns dos meus companheiros. Apesar de algumas piadas, ainda tinha gente que me defendia, porque j� duvidaram da minha capacidade como oficial por ser gay, e isso n�o tem nada a ver com meu profissionalismo”, afirma ele, lembrando que nem sempre foi assim.

“Acho que sou um caso � parte na Pol�cia, talvez pelo meu processo ou pelo meu hist�rico na institui��o, e sei que as coisas n�o s�o t�o f�ceis assim, mas para mim, ter me assumido um homem gay foi at� que tranquilo, apesar de, na �poca, eu n�o ter achado que foi”, diz.

Antes de poder falar abertamente sobre sua sexualidade, Demer j� chegou a apresentar um namorado como cunhado e a cunhada como namorada, al�m de ter passado por um relacionamento abusivo em que o ex-namorado amea�ava pegar fotos �ntimas do casal e lev�-las at� o comando da PMMG. “Eu tinha muito medo, porque a Pol�cia era outra, ent�o eu cedia”, explica.

Aceita��o na comunidade militar

Com o tempo, as coisas foram melhorando e os direitos da comunidade LGBTQIAP+ tamb�m foram se ampliando. Demer conta que um dos eventos de sua vida que mais tiveram repercuss�o foi seu casamento com o empres�rio cabeleireiro Maur�cio Morais Teixeira. Com mais de 350 convidados, a cerim�nia religiosa e a festa aconteceram ainda em 2018.

“Muita gente pediu para ir ao nosso casamento, porque nunca tinham ido a um casamento gay, e at� hoje � dif�cil de ter um casamento gay com festa e tudo mais. Mas muitos convidados eram policiais, h�teros; tive, inclusive, padrinhos militares. Na festa, teve at� show de drag [queen]. Foi tudo muito divertido e muitos policiais me falam at� hoje que adoraram aquele momento de quebra de preconceito”, conta ele.

Ainda sobre casamentos, o sargento relembra sobre como j� foi acolhido por pessoas que achou que, a princ�pio, n�o o aceitariam. “Uma amiga da sala de imprensa da PMMG, evang�lica, nos chamou [eu e meu marido] para sermos padrinhos do seu casamento na igreja. O pastor n�o achou ruim e ela gostava dos dois, apesar de todas as implica��es da igreja evang�lica. N�s fomos e entramos juntos no casamento dela”, conta.

Na pr�pria fam�lia, teve dois parentes que casaram e chamaram Demer e seu marido para serem padrinhos, apesar de pedirem que eles n�o entrassem juntos e j� tivessem organizado a entrada deles com outras mulheres. Ele aceitou por n�o querer brigar. “Eles quiseram que a gente fosse padrinho, mas talvez n�o estivessem preparados para ver dois homens de m�os dadas entrando numa igreja evang�lica”, comenta ele.

Hoje, o sargento continua servindo de inspira��o e � procurado por jovens que o veem em suas redes. “S� neste m�s, dois seguidores me procuraram para pedir conselhos: um jovem soldado do ex�rcito brasileiro que passa pelo dilema de se assumir, e um homem trans que revelou ter me de exemplo para tentar ajudar um amigo PM que, infelizmente, acabou se suicidando”, afirma.

Ativismo e reconhecimento

O sargento j� foi premiado por seu ativismo pela comunidade LGBTQIAP+. Em 2022, foi convidado para ajudar na organiza��o da primeira edi��o do Queer Festival, que teve dura��o de uma semana e contou com v�rias a��es voltadas para a difus�o das causas da comunidade.

No encerramento do Queer Festival, Demer foi premiado por ser uma personalidade que luta pela igualdade e pelo respeito pelas pessoas LGBTQIAP+. O sargento continua no projeto e j� est� no processo de planejamento da segunda edi��o, prevista para acontecer em outubro deste ano.

H� pouco tempo, Demer tamb�m � membro volunt�rio do CELLOS-MG (Centro de Luta pela Livre Express�o Sexual de Minas Gerais) por uma vontade antiga.

“Sempre quis ir � Parada LGBT+ de BH, mas nunca tive a oportunidade de acompanhar de perto. No ano passado, me cadastrei como volunt�rio para trabalhar na assessoria de comunica��o deles e, desde ent�o, tenho ajudado a produzir tudo isso”, explica.

Em 2023, tamb�m passou a ajudar com o credenciamento da imprensa e de artistas para o evento, al�m de ter participado do cortejo pela avenida Amazonas, no centro de BH, nos trios el�tricos da Apple Party.

Al�m de sargento e psic�logo, Demer � escritor e roteirista teatral. Em suas obras, busca seguir um movimento inclusivo de pessoas que, normalmente, t�m menos oportunidades. “�bvio que n�o vou colocar pessoas que n�o s�o capacitadas, mas sempre vou puxar pessoas da comunidade LGBTQIAP+ e negras. Sempre bato o p� com isso: a gente existe, e a gente precisa ocupar espa�os”, explica.

Com quase 30 anos de servi�os prestados � PMMG, o sargento j� est� com sua aposentadoria prevista para o final deste ano, mas adianta que n�o vai ficar parado e que pretende continuar firme com seus projetos, al�m de desenvolver outros que ainda est�o em fase de estudos ou de negocia��o.
 

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