“Empregada dom�stica ainda � tratada como escrava no interior porque o patr�o tem certeza de que a lei nunca vai chegar aqui. Emprego que paga um sal�rio m�nimo � raro”, desabafa Elis�ngela Pereira Nunes, de 32 anos, sobre a rotina de mulheres que, como ela, vivem em Sardo�, na Regi�o do Rio Doce, e recebem menos de um sal�rio m�nimo por m�s pelo trabalho como dom�sticas. Mesmo em tempos em que a lei resguarda os direitos dos trabalhadores dom�sticos, Elis�ngela conta que ainda trabalha todos os dias, das 7h �s 22h, por R$ 300 ao m�s. Seu sonho � se mudar para Ipatinga, no Vale do A�o, ou para Ribeir�o Preto (SP).
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) de 2011, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), 1,5 milh�o de trabalhadores est�o em situa��o parecida, considerada semiescravid�o, por receberem at� meio sal�rio m�nimo ao m�s. As condi��es de vida que levam mulheres como Elis�ngela a aceitar trabalho em condi��es abaixo das m�nimas exigidas por lei � o tema da segunda reportagem da s�rie Onde a lei n�o alcan�a, que o Estado de Minas publica desde ontem.
Os n�meros explicam a fuga do interior e a esperan�a de uma vida melhor na cidade. As dificuldades da vida no campo come�am na depend�ncia em rela��o ao clima e ao impacto de intemp�ries como a seca na mesa de jantar. Se a chuva, em vez de faltar, passar do limite, o transporte � suspenso e a frequ�ncia na escola tamb�m sofre altera��o. Segundo o estudo Situa��o social nos estados, que considera dados do PNAD de 2009 e � realizado pelo Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea), enquanto a m�dia de estudo no estado � de 7,1 a 8,2 anos, na zona rural mineira a perman�ncia na escola fica em 4,7 anos.
A renda do trabalhador rural tamb�m fica para tr�s, na compara��o com a cidade. Enquanto o rendimento m�dio do trabalhador urbano � de R$ 1.022, o do rural � de R$ 586. � poss�vel ver o reflexo no analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos. Em m�dia, 8,5% da popula��o dessa idade � analfabeta em Minas. No campo, esse �ndice chega a 19,4%.
No F�rum da Justi�a do Trabalho de Governador Valadares, respons�vel pelas a��es movidas na jurisdi��o que abrange 42 munic�pios da regi�o, os processos movidos por empregadas dom�sticas s�o poucos – 86 em 2011, 73 em 2012 e 26 at� 11 de abril deste ano. Segundo o analista judici�rio Helv�cio Domingos Moreira, os n�meros revelam uma cultura j� impregnada na regi�o. “Elas pouco sabem sobre a lei e s� procuram a Justi�a – quando buscam – depois de serem demitidas”, diz. Para o futuro, no entanto, Moreira n�o v� grandes avan�os nesse comportamento. “A cultura vigente � essa. Os patr�es acham que est�o fazendo um grande favor em empreg�-las e a informalidade, infelizmente, vai continuar”, prev�.
Talvez porque estejam isoladas em rinc�es afastados das grandes cidades, elas, em sua maioria, desconhece, a Lei das Dom�sticas, promulgada no fim de mar�o pelo Congresso Nacional e que garante ao trabalhador direitos como jornada de 44 horas semanais, recolhimento de FGTS, intervalo para almo�o e outros benef�cios. Analfabeta, Divina Geralda Batista, de 44 anos, moradora da zona rural de Paulistas, no Rio Doce, sempre trabalhou para fam�lias da regi�o, mas desconhece os direitos de sua categoria. “N�o sei como � a lei hoje. Sei que tenho que continuar trabalhando para trazer comida para casa e que n�o d� para parar”, diz.

Vivendo em um lugar onde as oportunidades de trabalho s�o escassas e h� poucas vagas na prefeitura e no com�rcio, aceitar o emprego informal, recebendo menos da metade do sal�rio m�nimo e sem nenhuma seguran�a, � a �nica forma de sobreviver, segundo Elis�ngela Pereira Nunes. “Aqui, o trabalho em casa de fam�lia nunca valeu muito e, mesmo pagando pouco, os patr�es acham que � muito. Aceitamos porque n�o existe o que fazer, a n�o ser isso”, lamenta.
A falta de oportunidade de trabalho nos pequenos munic�pios empurra uma legi�o de jovens para as cidades de m�dio e grande porte, onde o servi�o de empregada dom�stica � visto como uma esp�cie de t�bua de salva��o para quem n�o tem qualifica��o e sonha com alguma melhoria na vida. No Norte de Minas, � comum que mo�as – muitas ainda menores de idade – deixem as pequenas cidades para trabalhar como dom�sticas em Montes Claros.
Daniela, jovem de 19 anos que se recusou a informar o sobrenome por ter vergonha da profiss�o de dom�stica, � uma delas. H� um ano, saiu da pequena Lagoa dos Patos para tentar Montes Claros, onde passou a trabalhar para uma fam�lia. “A cidade em que nasci n�o tem emprego ou estrutura para melhorar de vida. Por isso, fui obrigada a sair.” Daniela n�o tem a carteira assinada, mas recebe um sal�rio m�nimo por m�s desde que come�ou no emprego.